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ISSN 2183–6973REVISTA DE CIÊNCIAS DA ARTE N.º2 | ARTE E GEOMETRIA | SET'16REVISTA DE CIÊNCIAS DA ARTE N.º2 | ARTE E GEOMETRIA | SET'16ISSN 2183–6973Convocarte – Revista deCiências da ArteRevista Internacional Digital com Comissão Cientíica Editorial e Revisão de ParesNº2, Setembro de 2016Tema do Dossier TemáticoArte e Geometria –Teorias, aplicações e derivaçõesIdeia e Coordenação GeralFernando Rosa Dias Coordenação Científicado Dossier Temático n.º 2 e 3 − Arte e GeometriaSimão PalmeirimPeriodicidadeSemestralEdiçãoFBAUL – CIEBA(Secção Francisco d´Holanda e Área de Ciências da Arte e do Património)ISSN2183–6973e-ISSN (Em linha)2183–6981Plataforma digital de edição e contactosconvocarte.belasartes.ulisboa.ptconvocarte@belasartes.ulisboa.ptVersão digital gratuitaconvocarte.belasartes.ulisboa.ptVersão impressaloja.belasartes.ulisboa.ptGabinete de Comunicação e ImagemIsabel Nunes e Teresa Sabido (+351) 213 252 108 comunicacao@belasartes.ulisboa.ptDesign Gráfico João CapitolinoApoio à edição digitalRicardo Vilhena, Paulo Santos e Tomás Gouveia (FBAUL)Créditos capa n.º 2Modernismo Online: Arquivo Virtual da Geração de "Orpheu"Créditos capa dossier temático n.º 2Pedro J. FreitasProdução GráficainPrintout – Fluxo de Produçao GráicaTiragem100 exemplaresPropriedade e ServiçosFaculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL) Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA), secção Francisco d’Holanda (FH), Área de Ciências da Arte e do Património (gabinete 4.23)Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa(+351) 213 252 100belasartes.ulisboa.ptConselho Científico Editorial e Pares Académicos − nº2Interno à FBAULAntónio Oriol Trindade — FBAUL/CIEBACristina Azevedo Tavares — FBAUL/CFCULEduardo Duarte — FBAUL/CIEBA-FHFernando António Baptista Pereira — FBAUL/CIEBA-FHFernando Rosa Dias — FBAUL/CIEBA-FHMargarida Calado — FBAUL/CIEBA-FHPedro Freitas – FCULExterno à FBAULAngela Ancora da Luz – UFRJAntónio Quadros Ferreira – Professor Emérito da FBAUPDelinda Collier – SAIC Isabel Nogueira – UCJoana Cunha Leal — FCSH-UNLJuan Carlos Ramos Guadix — FBA-UGRPascal Krajewski – CIEBA Raquel Henriques da Silva — FCSH-UNLRita Macedo — FCT-UNLSimão Palmeirim – CIEBA-FHSylvie Pic – UAM Membros Honorários do Conselho Científico Editorial (Honorary Advisory Member of the Editorial Scientific Board)Michel Guérin – Professeur Émérite UAM James Elkins – SAICAbreviaturasCFCUL – Centro de Filosoia das Ciências da Universidade de Lisboa CIEBA – Centro de Investigação e Estudos em Belas ArtesFBA-UGR – Faculdad de Bellas Artes, Universidad de GranadaFBAUL – Faculdade de Belas Artes da Universidade de LisboaFCSH-UNL – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de LisboaFCUL – Faculdade de Ciências da Universidade de LisboaFH – secção Francisco d’Holanda do CIEBASAIC - School of the Art Institute of Chicago UFRJ – Professora da Universidade Federal do Rio de JaneiroUAM - Université d'Aix-MarseilleÍndiceCONVOCARTE N.º 2— 010EDITORIAL— 015DOSSIER TEMÁTICO – ARTEE GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES— 016Introdução— Simão Palmeirim— 019Entrevista a James Mai— 025Spatial Layering in Josef Albers' Homage to the Square Paintings— James Mai— 037Pythagoras Playtime. A Journey From a New Perspective on Pythagoras, Into Hyperdimensional Space.— Inez Wijnhorst— 051Topologia, Anamorfose, e o Bestiário das Perspectivas Curvilíneas— António Bandeira Araújo— 070O Espaço da Representação e o Espaço Representado, a Estruturação Geométrica e Perspética como Elementos Discursivos numa Narrativa Visual— Vasco Mendes Lopes— 086Geometria Plana na Composição Visual da Pintura Primitiva Portuguesa— Simão Palmeirim— 102Esquemas de Composição e Figuras Geométricas: Modos de Reforçar a Mensagem Iconográica— Luís Alberto Casimiro— 119Ciência Perspéctica e Imaginário Arquitectónico, de Roma para a Província Portuguesa— João Cabeleira— 136Pisando Arte e Matemática em Lisboa — Alda Carvalho, Carlos Pereira dos Santos, Jorge Nuno Silva e Ricardo Cunha Teixeira— 160A Geometria da Ilusão na Percepção e no Reconhecimento das Faces— Madalena Ribeiro Grimaldi — 179Sona Drawing’s Geometric Discourses and its Implications for Global Art History— Delinda Collier — 191“A parede por detrás do Santo no Retábulo de S. Vicente”— Eduardo Duarte e António Oriol Trindade — 206Representação em 3D e Inteligibilidade Espacial— José Manuel Revez— 219Visualização Geométrica e Releitura Plástica no Campo das Artes Visuais— Maria Helena Wyllie Rodrigues e Daniel Wyllie Lacerda Rodrigues— 232Um olhar sobre os modelos de Geometria Descritiva da Escola Politécnica— Odete Rodrigues Palaré— 277Rui Mário Gonçalves, Crítico de Arte. Anos de Formação e Consagração.— Joana Baião e Filipa Coimbra— 299Rui Mário Gonçalves – Exercícios Históricos de Construção de uma Curadoria Moderna— Fernando Rosa Dias— 324Contributos para a Formação de Públicos de Arte. Rui Mário Gonçalves, o Curso de Formação Artística e os Cursos Livres da Galeria Quadrum— Alberto Faria e Madalena Pena— 341CONSELHO CIENTÍFICO EDITORIAL E PARES ACADÉMICOS— 345PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO— 248HOMENAGEM A RUI MÁRIO GONÇALVES— 250Depoimento sobre Rui Mário Gonçalves— José-Augusto França— 253Rui Mário – Testemunho Pessoal— Sílvia T. Chicó— 263Rui-Mário Gonçalves – O Comunicador, o Historiador-Crítico e o Cientista das Artes — Vitor Serrão— 267Rui Mário Gonçalves e Manuel de Brito - Cinquenta Anos de Amizade e de Cumplicidade— Maria Arlete Alves da Silva— 269Rui-Mário Gonçalves: «Liberté la Coleur d’Homme»— Cristina Tavares— 272António Dacosta por Rui Mário Gonçalves— Raquel Henriques da SilvaEditorial10CONVOCARTE N.º 2 | EDITORIAL Organizando-se agora no formato de número duplo, de modo a com-portar dois números por ano, a revista digital Convocarte – Revista de Ciências da Arte mantém o mesmo propósito de promover o debate e edição de questões artísticas no espaço universitário, mantendo as coordenadas dominantes: convocar um número de especialistas em torno de um tema do mundo das artes, integrar trabalhos relevantes desenvolvidos nas fases curriculares e de projecto em mestrados e doutoramentos, sobretudo da FBAUL, e publicar trabalhos desenvolvidos em linhas de investigação do CIEBA. Assim, embora de funcionamento afecto à área cientíica de Ciências da Arte e do Património a Convocarte está aberta a outras especialidades inte-ressadas em contribuir para a relexão sobre as artes em geral, incorporando ensaios de predomínio teórico enraizado nos mais predominantes modos de discurso sobre arte, tais como História da arte, Crítica de Arte, Estética, Teorias da Arte ou Curadoria. Embora dando continuidade ao número anterior, tanto graicamente como aos processos cientíicos, este número apresenta alguma mudanças, sobretudo devido ao ajustamento de uma continuidade em cada dois números anuais que mantêm o mesmo tema de dossier e faz parte da mesma chamada de trabalhos. Pela quantidade de propostas que nos chegaram e no desejo de colaboração internacional em diferentes línguas europeias, acolhidas neste número, optou-se por dividir o dossier temático por dois números, separação essa segundo abordagens estratégicas. Num primeiro número, que corres-ponderá a este, predominam textos mais teóricos e doutrinais, ou outras ex-tensões do tema e, no outro número, textos mais históricos e biográicos ou monográicos. O tema do dossier temático aparecerá assim com diferentes subtítulos para cada número, equilibrando as abordagens lançadas na cha-mada de trabalhos com a tipologiaunique expression of space.AcknowledgmentI thank Professor George F. Seelinger, Chair of the Illinois State University Mathematics Department for his mathematical analysis of my procedures and conclusions, and particularly for his corrections to and veriications of numbers in Figures 7, 10, and 11.Este texto é uma reedição autorizada pelo autor, pelo que não teve revisão de pares. Para primeira edição ver: / This text is a new edition authorized by the author, therefore did not undergo peer review. For first edition see: James Mai, “Planes and Frames: Spatial Layering in Josef Albers’ Homage to the Square Paintings”, in Proceedings of Bridges 2016: Mathematics, Music, Art, Architecture, Education, Culture, pp. 233-240, editors Eve Torrence, Bruce Torrence, Carlo Sequin, Douglas McKenna, Kristof Fenyvesi, and Reza Sarhangi, 2016, Tessellations Publishing, Phoenix Arizona USA (ISBN 978-1-938664-19-9).Contactar autor (a) – jlmai@ilstu.edu37I n e z W i j n h o r s tArtista Plástica com vários prémios nacionais e internacionais. Licenciatura em Pintura pela FBAUL (1996). Leccionou na licenciatura de Pintura Universidade de Évora (2002/2003) e na Escola Superior de Artes Decorativas, da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva (2011-2015)Intro: A brief introduction to my geometrical research and how it manifests in my work. A few notes on the importance of the square and grids in my artwork. Proposing a guided journey from simple into complex shapes.Content:1. A simple square.2. Square roots: roots of squares and roots of rectangles. With a development on the properties of square roots and how they allow for different rectangles like √2, √3, √5,3. The roots of Pythagoras: how the Pythagorean triangle brings two shapes (square and triangle) together. The root as part of the triangle. Questioning what is a triangle?4. Another perspective on the theorem of Pythagoras...5. Describing the triangle with 3 definitions based on this new point of view.6. The square outside the box: unfolding the grid of One into an octagon.“...what is this substance whereof are you madethat millions of strange shadows on you tendsince everyone hath, everyone, one shade,and you but one can every shadow lend...” (1)A brief introduction to my geometrical research and how it manifests in my work.Already as an art student in the early nineties, I felt the urge to structure the two dimensional worlds of my paintings, drawings and etchings with grids. (ig.2)These grids were used as a way to give order to collections of visible narratives or two dimensional representations of experiences, forms and ideas. It would work like a safety net: nothing could fall of or ‘escape’ the composition.With time passing by, the balance between nar-rative (= the representation of ideas, experiences, stories, on a two dimensional surface) and the un-derlying organizing structure became an important feature in my work. Sometimes with more emphasis on the geometry of the grid, sometimes with more emphasis on the story. But always as an interplay of the contrast between the geometric framework Pythagoras Playtime.A Journey From a New Perspective on Pythagoras,Into Hyperdimensional Space.38CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESand spontaneous representation. This marriage between reason and intuition produced sever-al ‘layers’ which offered the opportunity of ap-parent antagonistic worlds to be held together harmoniously.I started to investigate the boundaries of the grid: stretch it, distort it and tear it. I would let the narrative escape the net; get out of it, over it, under it. I would create the suggestion of holes, as if tearing space-time fabric itself, revealing other worlds under it. (ig 1)Then the underlying net, eventually evolved into a grid based on Penrose Tilings, a structure that permitted, through the play of shadow and light, the possibility to suggest a three-dimen-sional framework for the two dimensional sur-face. (ig.3)However I never stopped questioning why? and what? What is the story without the grid? or the grid without the story? Why is the grid needed? What is this framework? What is this geometry? And in the attempt of understanding better of what a grid is about, or in other words what dividing a unity in smaller unity’s is about, I had the privilege to receive teachings of how to construct grids with ruler and compass in the classical way.I learned how to divide a basic square (ma-trix) in several other squares. I learned about roots of these squares and how to draw them. However I was left with even more questions concerning the grids, what is it about? What is 7. A grid of 3 emerging from the octagon, self-similarity by the scaling of the grid.8. A door to other dimensions. The division of the seed in a grid of two. The resulting roots form a star. This star unfolds into a hypercube (cube in four dimensions) through the projection of the ‘invisible squares’ of the roots.9. Elevations. A shadow of a four dimensional cube.10. Boundaries of projections. The octagon as a result of the projections of the grid of one works as a functional border for the unfolding of other grids. The octagon as a projection of the grid of two and its perimeter. A regular octagon. Rotations.11. Mirrors and their relation to the regular octagon.12. Conclusion. The square is the seed, the grids grow roots and squares unfold into space.Keywords: Geometry; Pythagoras; dimensions; hypercube; tesseract; octagon; roots; grid.Fig1. No title, from the serie the other side of the moon. Inez Wijnhorst, 2002. Acrilics on canvas. 70x200 cm. Private Collection39the function?, what does it serve? What is the importance of it in geometry? or in art? Does it exist only to give structure to the composition? or is there something else? What am I not seeing? With these questions and a lot of curiosity, I started a quest of artistic, philosophical and poetic deductions in the world of geometry. I let myself be amazed by the beauty of apparently simple and obvious forms, while digging in the surface of the grids and looking at the same drawings as if seen for the irst time. It was a complete surprise, the places and dimensions, where this journey took me. As a result, with this paper I ex-tend this investigation as a proposal for a visual guided tour from simple into complex shapes.One step at a time the path unfolds, when we allow ourselves the freedom of accepting the void between right or wrong, for it is in this place that the questions arise, the seed is sprouted and the journey begins...Fig2. No title. Inez Wijnhorst, 1999. Oil on Canvas. 200x200 cm. Colection: Museu Amadeo de Sousa Cardoso.Fig3. (detail) Under my skin. Inez Wijnhorst, 2008. Acrilics on canvas. 60x.50.cm. Col. Joana e Orlando Azevedo.— INEZ WIJNHORST40CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES1A SIMPLE SQUAREWhat is a square?What are squares divided in other squares? (so called grids) What is the importance of the square? what is the importance of the square root of 2?A square is deined by four points on a plane. For example:The distances between the points deine the size of the square.There are four + two lines that deine the size andthe proportion of the square:Two vertical lines, two horizontal lines and two ‘invisible’ oblique lines (the roots) 412SQUARE ROOTSRoots of squares and roots of rectanglesWhat are roots? Why are they roots? What do they do?What is the relation between roots and squares?(or roots and rectangles)We start with a basic unit: a square with sides 1 by1 (red square): its diagonal has the size of √2. When we use this diagonal to make a new rectangle with a right angle to this √2, (size 1 by √2), then the root of this new rectangle will be√3.Like that: the root of the square 1 by 1 is √2, and— INEZ WIJNHORST42CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESthe root of the rectangle 1 by √2 has the size of √3,the root of the rectangle 1 by √3 has the size of √4 (=2),the root of the rectangle 1 by √4 has the size of √5,the root of the rectangle 1 by √5 has the size of √6,the root of the rectangle 1 by √6 has the size of √7,the root of the rectangle 1 by √7 has the size of √8,the root of the rectangle 1 by √8 has the size of √9 (=3),the root of the rectangle 1 by √9 has the size of √10,the root of the rectangle 1 by √10 has the size of √11,the root of the rectangle 1 by √11 has the size of √12,the root of the rectangle 1 by √12 has the size of √13,the root of the rectangle 1 by √13 has the size of √14,the root of the rectangle 1 by √14 has the size of √15,the root of the rectangle 1 by √15 has the size of √16 (=4),the root of the rectangle 1 by √16 has the size of √17,the root of the rectangle 1 by √17 has the size of √18,the root of the rectangle 1 by √18 has the size of √19,the root of the rectangle 1 by √19 has the size of √20,the root of the rectangle 1 by √20 has the size of √21,the root of the rectangle 1 by √21 has the size of √22,the root of the rectangle 1 by √22 has the size of √23,the root of the rectangle 1 by √23 has the size of √24,the root of the rectangle 1 by √24 has the size of √25 (=5),etc…This progression of roots creates a spiral (fig.4) or can be visualized as a linear progression (fig. 5) Note how the whole numbers 2 (√4), 3 (√9), 4 (√16) and 5 (√25) etc. (visualized as the grayscale on the linear representation) can also be found as a progression of circles with diameter 2,4,6,8,10, etc.. Also note that the angle of the root of the square 1 by 1 is 45º. Then progressively when the rectangles are higher, the root has a steeper angle. Concerning rectangles the angle of the root will always be in between 45º and 0º (=90)433THE ROOTS OF PYTHAGORASHow the Pythagorean triangle brings two shapes(square and triangle) together. (ig. 6 a, b)Pythagoras states that: the square of the hypotenuse(the side opposite the right angle) is equal to the sum of thesquares of the other two sides. (2)In other words, when the square of the sides with size a + the square of the sides with size b = the square of the sides with size c, then naturally, the root of (square of A + square of B) has the length of the side of C.The root always being the tilted line opposite to the right angle.It starts to be clear why the drawing of Pythagoras theorem is usually a rectangular triangle with sides of 3 and 4! Since 3 squared is 9, and 4 squared is 16, the sum of both is 25, which is a 5 squared. These are the irst whole numbers for all the squares involved.There are other Pythagorean triangles with whole numbers,called Pythagorean triples, yet the 3,4,5 is the irst (or smallest). Theroot of a simple 1 by 1 square, can then also be drawn as two squaresof size1 by 1 and a square of size √2 by √2. (fig.7)With a closer look at a square (or a rectangle) that generates a root we can see that a root divides a square (or rectangle) in two trianglesWhat is a triangle?— INEZ WIJNHORST44CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES4ANOTHER PERSPECTIVE ON THE THEOREM OF PYTHAGORAS.We admit the possibility that there is more to be seen here then the well known a2+b2=c2 — Could it be that Pythagoras said something else with this famous drawing? Observe once again to see what was always in clear sight:A hole!The triangle does not exist!!!By default we draw the sides around the triangle, to not fall in...5DESCRIBING THE TRIANGLE WITH DEFINITIONS BASED ON THIS NEW POINT OF VIEW.We follow the lead that Pythagoras showed very clearly: what matters are the squares. A triangle is (just) an empty space that deines the 3 squares around it in terms of size and position and rotation in relation to the angles in which the squares touch.Definition 1: A triangle is deined by 3 touching visible sides of 3 invisible squares. (3 drawn sides of not drawn squares)Definition 2: A triangle is an empty space deined by 3 touching squares.Definition 3: A triangle deines 3 squares that are waiting to be drawn.456THE SQUARE OUTSIDE THE BOX:UNFOLDING THE GRID OF ONE INTO AN OCTAGON.Taking these new deinitions of a triangle a step further, we ask the question of what will happen when, instead of drawing triangles (or squares with roots that form triangles) we draw and make visible the invisible squares…Since a simple 1 by 1 square, has two roots; four triangles can be found. (ig.8a)When drawing the set of invisible squares belonging to these 4 triangles that are inherent to the square by the reason of its roots, the following igures unfold: (ig.8b) as a result of unfolding (or squaring) the sides of the square; (ig.8c) as a result of squaring the roots and (ig. 8d) showing ig 8b and 8e together deining a octagon.7A GRID OF 3 EMERGING FROM THE OCTAGON. SELF-SIMILARITY BY THE SCALING OF THE GRID."Out of Tao, One is born; Out of One, Two; Out of Two, Three; Out of Three, the created universe"(3)A square without (sub) divisions is considered to be a grid of one (ig.9a) and is also called Matrix, In this grid of one, other grids come into existence through division with regularly spaced horizontal and vertical lines. These lines form smaller new squares inside the grid of one. (ig.9b/c) These grids work as a seed or incubator to invisible roots and triangles. The more divisions in the grid, the more inclination of the roots. From the grid of one with the roots in a 45º angle, to a grid with ininite divisions, which would give angles close to 0º (or 90º). Also note that by projecting the — INEZ WIJNHORST46CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESinvisible squares of the roots and sides of the grid of one, a grid of 3, that is a bigger grid of one divided into 3 horizontal and vertical squares emerges. (ig.9d) (32=9). Forming 3 (divisions) in 1 staying similar to itself, in a bigger scale. (ig.9e) For clarity, we will call the smaller grid of one, the seed. (ig.9a) From this seed sprouts the bigger grid as a result of the projection of the squares of the roots and sides. (= square surrounding octagon) This new grid contains already (by virtue of the seed unfolding in an octagon) the grid of 3, which are 9 squares of the size of the seed.8A DOOR TO OTHER DIMENSIONS.THE DIVISION OF THE SEED IN A GRID OF TWO.Through the point where the roots cross in the centre of the seed, we can draw, evenly spaced, a vertical and a horizontal line that divide the grid of one into a grid of two. Four new squares emerge inside the seed. The roots of the grid of two form a star. These roots can also be seen as half of the √5, since they are the result of a double square with half of the side of the seed square, so the length of the diagonal is the root of 1 unit squared (1) + two units squared (4) divided by 2 and that is half of the √5. (fig.10g) We consider the triangles that are formed by the roots in this grid. In applying the new rules, we project the invisible squares from all the sides of this star. The result is a hypercube: a two dimensional representation of a cube in four dimensions!479ELEVATIONS.A SHADOW OF A FOUR DIMENSIONALCUBE.10BOUNDARIES OF PROJECTIONS.The seed octagon is an octagon that unfolds from the grid of one Its interior angles are 135º, and its sides have the lengths of 1 and √2. This octagon can be inscribed in a circle with all 8 points touching it. It is by virtue of being a truncated square, that the seed octagon has equal angles. The hypercube octagon, that sprouts from the grid of two, has sides with the length of half of √5 and has interior angles of 126,8º and 143.2º This octagon cannot be inscribed in a circle. To be a perfect regular octagon, which touches the circle in 8 points, the sides and the interior angles should be equal. The angles of a regular octagon and the seed octagon are the same: 135º.— INEZ WIJNHORST48CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESSince every grid and all the roots are contained in the seed, all the projections of the invisible squares of other grids will fall on the perimeter of the seed octagon. The projections of the grid of two, will touch the seed octahedron in the middle of its sides, the grid of 3 will divide the sides in 3 and so on. The octagon of one (seed octagon) will be the maximum perimeter of projection of all the other grids, and the grid of two marks the minimum:11MIRRORS..'... in her web she still delights, to weave the mirrors magic sights...' (4)Through the lines that construct the projection of the 4 dimensional cube, we ind an invisible mirror that reflect the points of the star in the seed 49outwards. This mirror marks a special relation between the seed octagon (inherent to the blue grid) and the regular octagon. (As seen in ig.11)12CONCLUSIONWhen not taking for granted the most simple and obvious propositions, we will leave a door open, to the possibility of seeing the same old concepts in a new perspective. Through continuous questioning, surprising answers may arise, as in this journey from simple two dimensional shapes into complex four dimensional space (and back again).We observed the square as a seed, noticed how grids grow roots and how squares as leaves unfold into other dimensional space.Then, if the square is the seed and the diagonals are the roots and the projected space the tree... Where is the forest?The investigation continues in the dialogue between images and ideas. Words, as in this paper, serve merely to build a bridge between them. As a consequence of these newly found dimensions in form, mind and heart, also new artwork is being born. (ig.12) The space as always, being a mere shadow of another projected dimension onto a two dimensional surface.''What see we here? Forms nothing more! Forms fill the strongest brightest, strongest eye. We know not substance; mid the shades. Shadows ourselves we live and die'' (5)Fig.12: Phytagoras playtime, Inez Wijnhorst, 2016. Etching on zink, impressed, paper and sewing. Paper size: 40x30cm.Image Size: 18x18cm.— INEZ WIJNHORST50CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESNotes:(1) Shakespeare, William. Sonnets. Ed. Thomas Tyler. London: D. Nutt, 1890. Shakespeare Online. 10 Jan. 2014. .(2) Encyclopedaedia Brittannica, mathematics, editor: Eric Gregersen(3) Lao Tau Tao te Ching, chapter 42, translation: Lin Yutang.(4) Alfred Lord Tennyson, The Lady of Shallot. The Harvard Classics, edited by Charles W. Eliot, English Poetry, in tree volumes, vol. III. From Tennyson to Whitman. P.F. Collier & Son, Corporation, New York. 1938.(5) Sir Richard Francis Burton (1880). The Kasidah of Haji Abdu El-Yezdi. London: The Octagon Press, 1974.Geometrical drawings and artwork by Inez Wijnhorst.Contactar autor (a) – inezw@sapo.pt51Topologia, Anamorfose, e o Bestiário das Perspectivas CurvilíneasA n t ó n i o B a n d e i r a A r a ú j oDoutorado em Matemática (Geometria) e licenciado em Física pela FCUL. Professor na Universidade Aberta, membro do CMAF-CIO e CIAC. Investiga as aplicações da geometria às artes visuais. Publicou diversos trabalhos na área da ilustração.We make a brief digression through the catalog of central curvilinear perspectives, describing some of their topological, geometrical, and optical properties. We focus on their connection with the fundamental concept of anamorphosis, with a view towards dispelling some persistent misconceptions regarding the special position held by classical perspective.Keywords: perspective, drawing, spherical perspective, central perspective, curvilinear perspective, anamorphosis, Leonardo's Paradox, topology, vanishing points.A perspectiva linear, ou clássica, ocupa um lugar cimeiro, mas nem por isso incontestado, entre as múltiplas perspectivas que surgem ao longo da história da arte, e entre as ininitas ma-tematicamente deiníveis. Se para o incauto esta interpretação da realidade – especialmente na sua construção fotográica - chega a confundir-se com a própria experiência visual directa, os teóricos da arte dividem-se entre aquelas que atribuem a eicácia dessa representação ao carácter intrín-seco desta perspectiva enquanto simulacro iel da realidade (Gombrich, 1960) e os que airmam que é a sua própria prevalência, e a decorrente habituação do espectador que lhe confere essa eicácia – reduzindo esse lugar de destaque a um mero artefacto histórico e essa aparente naturali-dade ao resultado de uma convenção interioriza-da por um processo de educação visual particular (Goodman, 1969).Algures entre a perspectiva do consumidor de imagens e a do teórico encontra-se a experiên-cia do artista proissional. Este, que cria as ilusões que o espectador consome, geralmente encara a perspectiva linear como uma representação iel à realidade, mas apenas para pequenos ângulos em torno do eixo de visão, sabendo por experiência própria que fora dessas condições ideais a ilu-são só é mantida à custa de um processo ad-hoc 52CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESde correcção a olho. Assim, uma elipse é arbitrariamente regularizada num círculo, um ângulo demasiado abrupto é ocultado atrás de um adereço – a perspectiva é uma maquineta útil, mas que se mantém debaixo de olho crí-tico, sob ameaça de veto. Em 1964, A. Barre e A. Flocon divulgam a sua perspectiva esférica num livro seminal, La perspective curviligne (Barre e Flocon, 1964). O título é curio-so, porque há muitas perspectivas curvilíneas. Os autores escolhem uma, que é de uma grande elegância, mas não a acrescentam meramente ao bestiário já vasto das perspectivas: introduzem-na no debate relativo à posição epis-temológica da perspectiva clássica, e como alternativa preferencial à mesma na disputa pela posição de perspectiva natural. E no entanto a defesa mate-mática e espistemológica da escolha, oferecida no artigo de G. Bouligand com Barre e Flacon (Barre, Flocon, & Bouligand, 1964), daqui em diante de-nominado BBF, lê-se como uma proposição mais fraca: admite implicitamen-te que não existe uma perspectiva realmente natural, et pourtant…a nossa é mais natural que a outra. Neste artigo pretendo discutir mais uma vez o lugar que a perspectiva linear ocupa, e apontar o que me parecem falhas no argumento de BBF. Jus-tiicarei que a posição singular da perspectiva clássica é mais do que mera-mente convencional, e que os argumentos contra esta são essencialmente mal-entendidos. Desta forma espero clariicar também a posição da perspec-tiva esférica e das perspectivas curvilíneas em geral. O que é uma perspectivaDe entre as ininitas projecções do espaço para o plano nem todas mere-cem o nome de perspectiva.Intuitivamente, pretendemos que uma perspec-tiva de uma cena tridimensional evoque no observador pelo menos alguns aspectos da sensação visual que a cena original lhe causaria por observação directa. BBF descreve assim o requisito básico de uma perspectiva:(Δ) Ordonner sur une surface des éléments visibles, formant une image qui procure au spectateur des sensations de volumes e d’espace.1Este desiderato intuitivo tem o defeito de não ser uma airmação geomé-trica. O matemático, naturalmente, procurará um conjunto de axiomas geo-métricos que sejam condição necessária e suiciente para veriicar (Δ). Para BBF, uma condição claramente necessária para (Δ) será o que ele chama o seu axioma fundamental:(A) Une même grandeur parâit d’autant plus petite qu’elle est plus éloignée d’un observateur.253E é aqui que BBF encontra o seu casus belli contra a perspectiva clássica: esta viola o axioma fundamental (A). BFF oferece o Exemplo (E): Duas rectas paralelas num plano frontal (i.e., num plano paralelo ao plano de projecção) são projectadas em rectas ainda paralelas. Portanto a distância lateral entre elas permanece constante à medida que se afastam do observador, em contradição com (A). Este exemplo fere a credibilidade da perspec-tiva linear no seu âmago: se há um ponto fulcral desta, é que as rectas paralelas convergem em pontos de fuga, e as grandezas diminuem o seu tamanho aparente com a distância. Mas além de certeiro, o golpe não é inocente: os pontos de fuga de rectas paralelas frontais são precisamen-te os que a perspectiva esférica acrescenta (mas é passado em claro o facto de que haveria outros a acrescentar, e dos quais falaremos adiante).É evidente que as violações de (A) não são mais do que aquilo que se costuma designar por “deformação de perspectiva”, e exemplos mais prosaicos deste problema – com um carácter menos fundamental mas mais preocupante para o utilizador prático – são conhecidos pelo menos desde que Leonardo da Vinci notou o paradoxo que tem o seu nome:Tome-se duas esferas idênticas a uma mesma distância do plano de projecção, uma directamente em frente à posição O do observador e a outra a uma dada distância lateral. A esfera proximal tem uma imagem em perspectiva que é menor do que a imagem da esfera distal (Figura 1).Na verdade não só a projecção da esfera dis-tante é maior, mas é deformada elípticamente, e com os eixos inclinados de forma perturbadora (Figura 2 (c)). Claramente o desiderato (Δ) é que-brado nesta situação; a imagem não evoca o real. É por este motivo que os artistas evitam os grandes ângulos de visão, ou, ao usá-los, corrigem estas deformações de forma ad-hoc, substituindo as elipses por circunferências, ignorando os precei-tos exactos da perspectiva de forma a preservar as aparências (Figura 2 (a)).Figura 1- Paradoxo de Leonardo. A imagem da esfera distal (segmento CD) é maior do que a da esfera proximal (segmento AB).Iilustração do autorFigura 3 - Grelhas uniformes em perspectiva esférica. Note-se a convergencia de paralelas frontais no circulo exterior do disco de projecção.Extraída de Barre e Flocon, 1964, p.178.— ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO54CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESPara resolver estas falhas da perspectiva clás-sica e satisfazer (Δ) através de (A), BBF propõe a sua perspectiva dita esférica (na verdade hemis-férica), que projecta sobre um disco um ângulo de visão de 180 graus em torno de um eixo (um hemisfério) (Figura 3).Esta perspectiva resolve perfeitamente o problema do exemplo (E), obtendo dois pontos de fuga para cada recta frontal (o muro da igura converge em ambos os extremos). É uma pers-pectiva de uma grande elegância matemática e ao mesmo tempo de fácil execução prática, e merece um lugar de destaque entre as perspec-tivas centrais. No entanto, tentarei mostrar que a justiicação dada para a sua criação por BBF é inadequada. BBF airma que a perspectiva curvilí-nea veriica (A), e portanto (Δ). Mas a sua própria análise revela que (A) é apenas aproximadamente veriicada. Adiante tentarei convencer o leitor de que (Δ) é também apenas aproximadamente ve-riicada, e que, num certo sentido, pode-se dizer que é no caso da perspectiva clássica, e só nesse caso, que (Δ) é perfeitamente veriicado, não ape-sar do axioma (A) ser violado, mas precisamente por esse motivo. AnamorfosesParece-nos que o equívoco discutido acima só ocorre porque se começa com os termos errados. Quais são então os termos correctos?Muitos manuais de perspectiva começam com uma referência à experiência de desenhar sobre uma janela. Fala-se das máquinas de Durer e da projecção de ios através do plano do desenho. Fala-se talvez da experiência seminal de Brunelles-chi com as suas tábuas ópticas. No entanto será difícil encontrar um estudante que tenha come-çado a sua instrução com um tempo razoável de execução prática de tais construções. E no entan-to, como tive ocasião de testar na minha própria experiência didáctica, executar a construção das esferas de Leonardo desenhando sobre uma ja-nela é tudo o que é necessário para o estudante Figura 2 - Em (c) as esferas no topo das colunas são correctamente projectadas em elipses; em (a) as elipses são transformadas em círculos para “corrigir” a distorção linear.Extraída de Ware W., 188255perceber que a experiência não é um paradoxo mas uma demonstração. Dis-cutiremos adiante exactamente o que é demonstrado.O que essas experiências têm em comum é que permitem construir, não apenas perspectivas, mas anamorfoses. A diferença passa despercebida por-que a anamorfose plana e a perspectiva clássica são identiicáveis a menos de mudança de escala (o que não é verdadeiro nas perspectivas curvilíneas). E é do esquecimento do papel da anamorfose que ædecorrem os equívocos. O conceito de anamorfose tem fraca presença nos livros de perspectiva. Se aparece, é na forma de jogo visual. O exemplo típico é o crâneo “escon-dido” na obra Os embaixadores, de Hans Holbein, o jovem. Este exemplo encarna o sentido etimológico da palavra: “formar de novo”. A anamorfose toma a forma de um jogo, em que uma imagem é escondida por via de uma deformação extrema, e ao observador cabe o papel de procurar o ponto de observação único de onde a imagem original poderá ser reconhecida e iden-tiicada (reformada). Esta aproximação à anamorfose, que se foca num problema inverso (en-contrar o ponto de observação) foi quase sempre explorada em textos lúdicos, e se aparece nos livros de perspectiva é como aspecto secundário ou referên-cia de rodapé. E no entanto, defendo que a sua posição legítima seria a de conceito fundamental no qual todo o estudo da perspectiva se deveria basear.Também a sua deinição deveria adequadamente referir-se não ao jogo de problema inverso, mas a um processo directo de construção geométrica:Seja X um volume. Seja O um ponto do espaço, representando a posição de um observador. Seja S uma superfície. Os pontos de X deinem um cone de raios com origem em O. Diz-se que a intersecção A(X) do cone de X com a superfície S é a anamorfose cónica de X em S relativamente a O.Resumindo: Dado um objecto espacial X projectamo-lo contra a superfície S ao longo do cone de visão do observador O. Ao desenho que assim obte-mos sobre S chamamos anamorfose (em geral omitiremos o termo “cónica”, já que não trataremos qualquer outro tipo de anamorfose). Porque é que este objecto assim deinido é importante? Porque é um facto empírico que, para um observador localizado no ponto O, a anamorfose A(X) é visualmente idên-tica ao próprio objecto X. Ou seja, A(X) causa um trompe l’eil, uma ilusão de óptica, que faz o observador O confundir um desenho sobre uma superfície com um objecto tridimensional.Ora sendo assim a anamorfose é a realização mais completa e literala que se que se poderia almejar do desiderato (Δ); Como negar que causa “sensações de espaço e de volume” (requisito aliás um pouco vago) quando muito especiicamente provoca no observador a ilusão de estar a olhar para o objecto físico original que o desenho representa?É de notar aqui um detalhe crucial: apesar do requisito (Δ) fazer menção de uma “superfície”, BFF assume sempre uma superfície plana. Na nossa de-inição não assumimos tal coisa, permitindo superfícies com curvatura não — ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO56CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESnula (esféricas, cilindrícas, etc). Esta é a diferença entre uma perspectiva e uma anamorfose: a perspectiva, por deinição, acontece num plano.A anamorfose permite portanto realizar o desiderato (Δ) sobre qualquer superfície S. Note-se que dissemos que este é um facto empírico - não se trata de uma propriedade demonstrável geometricamente, mas de um facto de-pendente das propriedades da física da luz e do sistema visual humano. Por exemplo, nas situações em a luz não se mova de acordo com a aproximação da óptica geométrica ou simplesmente não se mova em linha recta (digamos, na transição entre dois meios com índices ópticos distintos como o ar e a água) a projecção cónica de X para S já não criaria o simulacro pretendido.Se o hobby da anamorfose é ser um party trick supericial, um jogo cripto-gráico com maior ou menor signiicado, em que o ponto O é colocado num local que quebra as expectativas e desaia o espectador a encontra-lo, o seu day job é um trabalho sério de valor tanto estético como prático. O exemplo por excelência deste trabalho é o conjunto de frescos pintados por Andrea Pozzo no tecto da igreja de Santo Inácio de Loyola, no Campo Márzio em Roma (c. 1685). O ponto O não está escondido, mas devidamente indicado no chão da igreja, e a partir deste ponto que o espectador é convidado a ocupar é possível ter a ilusão credível, ao contemplar os frescos no tecto, de colunas ictícias que prolongam as reais e mesmo de uma abóbada que não existe. Isto é tanto mais impressionante porque o tecto, a superfície anamórica S, não é um plano, mas uma superfície curva (Figura 4). É impossível olhar para o tecto da igreja de São Inácio e não ter a plena conirmação de que a anamorfose satisfaz (Δ) à letra. Neste ponto, e porque (Δ) é mais do que um pouco vago, convém formular com precisão a condição que é satisfeita pela anamorfose:Requisito (a) (problema da anamorfose): Dado um objecto espacial X3 e um ponto O, criar sobre uma superfície S (não necessariamente plana) uma imagem que quando vista de O4 seja indistinguível de X.Parece claro que (a) implica (Δ), e que aliás, satisfazer (a) é a forma mais explícita de satisfazer (Δ). Portanto a construção da anamorfose (cónica) A(X), que resolve o problema a que demos o mesmo nome, resolve também (Δ). Ora, é evidente que se a anamorfose cónica satisfaz (Δ) sobre qualquer superfície S, também o faz quando S é um plano. E é também evidente da deinição que demos, que quando S é um plano, a anamorfose não é mais do que a perspectiva clássica. Então como é isto compatível com a airmação de BBF de que a perspectiva clássica não satisfaz (Δ)? Claramente o problema está no carácter essencialmente vago de (Δ) tal como descrito pelos auto-res. Para clariicar o problema é útil considerar o seguinte axioma básico da percepção visual humana, que justiica a eicácia da anamorfose enquanto ilusão de óptica:(V) A oclusão visual é radial: dois objectos espaciais que subtendem o mesmo cone visual a partir de um ponto O são percebidos como idênticos quando vistos a partir de O. Em particular5, têm o mesmo tamanho aparente. 57 O axioma (V) diz que o espaço dos dados visuais é codiicado geometricamente pela su-perfície esférica. O observador está na posição do astrónomo, que não percepciona as posições absolutas dos objectos mas apenas a localização da projecção radial destes numa esfera imagi-nária em torno de si. (V) é o motivo essencial para o funcionamento da anamorfose enquan-to ilusão de óptica. A anamorfose essencial, da qual as demais podem ser derivadas, é por isso a anamorfose esférica, pois esta contém a toda a informação visual na sua forma mais simétrica. O que um olho vê depende apenas da luz que recebe. A anamorfose funciona pela criação de um simulacro na superfície S que garante que o olho recebe a mesma informação óptica (o mesmo padrão de emissão luminosa) que seria recebida se o objecto X estivesse presente. No-te-se que as limitações da anamorfose também derivam do facto de que esse simulacro não é perfeito: pelo esforço de acomodação do cris-talino (através da qual focamos os objectos de acordo com a sua distância ao olho) conseguimos inferir pistas sobre a distância real ao ponto de emissão da luz, e perceber que um certo con-junto de fotões partiu da direcção certa mas não do ponto certo. Esta limitação é controlável com certos cuidados que não são relevantes para a presente discussão. Paradoxos e EquívocosÉ de notar que a experiência seminal de Brunelleschi frisava o carácter anamórico da perspectiva linear. Este não se limitou a desenhar uma qualquer representação em perspectiva do Batistério ortogonal da Paraça de São Giovanni em Florença; desenhou-a sobre um pequeno painel de madeira com um furo através do qual o observador podia espreitar, e comparar por relexão num espelho com a imagem real do Ba-tistério à sua frente. Desta forma o observador comparava a correcção da imagem no seu sen-tido mais directo: veriicando se as linhas reais Figura 4-Igreja de São Inácio em Roma. Notar os frescos que prolongam as colunas reais, e a cúpula falsa ao fundo.Fotografia do autor— ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO58CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESse sobrepunham às linhas desenhadas, se um objecto se substituía ao outro na sua percepção – portanto se ocorria a ilusão de óptica. Inerente ao carácter da anamorfose é que a ilusão só ocorre se o obser-vador estiver no ponto O. No entanto é óbvio da nossa deinição (e óbvio ex-perimentalmente para quem se coloque no ponto de observação da igreja de Santo Inácio em Roma) que o olho é livre de rodar em qualquer direcção desde que não abandone o ponto O. A imagem falaciosa do observador da perspectiva clássica constrangido a alinhar o olho imóvel com o eixo de visão (a linha perpendicular de O para o quadro) evocando a famosa cena da tortura visual de Alex no ilme A Clockwork Orange de Kubrick, é no entanto frequente na literatura. Por exemplo, um eminente proponente da visão convencionalista da perspectiva escreve, no seu ataque ao estatuto objectivo desta (Goodman 1969, p.12) : “The picture must be viewed through a peephole, face on, from a certain distance, with one eye closed and the other motionless(…)”. Pelos argumentos já tecidos – e pela mera evidência empírica – é evidente que esta ideia é falsa. Esta falácia em relação ao estatuto do ponto do observador e à forma correcta de observar uma perspectiva está na base da incompreensão do pa-radoxo de Leonardo. Reavaliado à luz do carácter anamórico da perspectiva linear, vemos que este não é um paradoxo mas uma demonstração de um facto geométrico simples: que para satisfazer (V) e (a) não podemos satisfazer (A). Intuitivamente: a medida linear da projecção da esfera cresce com a distância desta a O, mas esse efeito é compensado pelo facto de que essa projecção também está mais distante do observador, e ele vê-a menor! Ora o que inte-ressa para criar a ilusão anamórica não é a medida linear da projecção, mas a medida aparente dessa projecção quando vista de O, e essa medida aparente, pelo axioma (V), é determinadapelo ângulo subtendido; e o que a construção mostra é que para que o ângulo subtendido pela projecção seja o correcto (ou seja, igual ao subtendido pela esfera real) é necessário que a medida linear da projecção cresça com a distância da esfera ao observador, e portanto é necessário quebrar o axioma (A). Assim, a deformação de perspectiva não é um bug: é uma feature; e o argumento de Leonardo prova que se estivermos interessados em satisfazer (Δ) na sua versão (a) então temos que quebrar (A). Mas isso signiica muito simplesmente que BBF estava errado ao airmar que (A) é condição necessária para (Δ). É ainda útil considerar de novo o exemplo (E) das rectas frontais paralelas. Neste, é precisamente porque (A) é quebrado e as rectas imagem permane-cem a uma distância lateral constante que o tamanho aparente dessa distância se reduz da forma correcta, na medida directa do ângulo subtendido, quando vista a partir de O. Há uma forma particularmente clara de ver isto: se colocar-mos o plano de projecção sobre as próprias rectas espaciais, estas coincidem com o seu desenho em perspectiva, e airmar que a imagem em perspectiva clássica de paralelas frontais não satisfaz (Δ) consiste em negar que as rectas 59são uma imagem credível de si próprias! De facto a distância aparente entre as rectas imagem decresce com a distância ao observador pelo mesmo exacto motivo que a distância aparente das rectas reais decresce com a distância ao observador apesar destas se manterem paralelas. Bréf: a perspectiva de um muro frontal é realista na mesma medida em que o próprio muro é realista!Da Anamorfose para a perspectivaDeinida a anamorfose cónica, podemos deinir a noção geral de perspec-tiva central. Vamos deinir perspectiva (central) como uma anamorfose cónica seguida de um achatamento. Um achatamento é uma aplicação (mapping) da superfície anamórica S para uma região do plano. O motivo pelo qual passamos de S para o plano é meramente prático: ha-bitualmente é sobre planos (telas, folhas) que gostamos de pintar e desenhar, e é na forma plana que exibimos as obras. Não é uma questão essencial, mas prática: não é todos os dias que podemos pintar frescos no tecto cilíndrico de uma igreja. Ora, esta questão prática de achatar superfícies é bem conheci-da dos cartógrafos. Tal como o campo visual é bem representado pela esfera anamórica, também a superfície da terra é representada pelo globo terreste. É por motivos práticos que os cartógrafos trocam o simulacro ideal do globo pela carta plana, e, sabem-no bem, pagam por isso um preço: não existe uma isometria da esfera para o plano, pelo que é impossível conservar todas as propriedades métricas em simultâneo numa carta. Também a passagem para a perspectiva central tem um preço: a ilusão de óptica da anamorfose é quebrada.Ora o carácter especial da perspectiva clássica é precisamente que a sua anamorfose já acontece no plano, pelo que o achatamento é trivial (é a identi-dade ou quanto muito uma mudança de escala). Consequentemente a perspec-tiva linear é a única perspectiva central que é simultaneamente e trivialmente uma anamorfose, ou seja, que vista de um ponto adequado O ainda satisfaz o requisito (a) (e em particular (Δ)).Airmámos acima que a justiicação da perspectiva esférica em termos da tese “(Δ) implica (A)” nos parece inválida. Para percebermos melhor a verda-deira natureza desta perspectiva temos que fazer uma revisão preliminar da topologia das anamorfoses.Topologia e pontos de fugaA noção de ponto de fuga pode ser deinida – e parece-me vantajoso que o seja - logo ao nível da anamorfose, portanto antes mesmo de deinir uma perspectiva especíica (a deinição só ica completa quando além da anamor-fose especiicamos o achatamento). A noção é essencialmente de carácter topológico. Recordemos rapidamente e sem grande rigor algumas noções básicas de topologia. Diz-se que um ponto x pertence à fronteira de um con-junto X se qualquer bola em redor de x (por mais pequena que seja) contém pontos de X e pontos do complementar de X. Um conjunto diz-se fechado se — ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO60CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕEScontém os pontos da sua fronteira. Um conjunto diz-se limitado se é contido em alguma bola (suicientemente grande). Um conjunto diz-se compacto se é fechado e limitado.Exemplos: Uma recta é fechada porque contém todos os pontos da sua fronteira, mas não limitada, porque nenhuma bola a contém. Por isso não é compacta. Um segmento de recta sem os seus extremos não é fechado. Uma superfície esférica é compacta, porque contém a sua fronteira e cabe (obvia-mente) numa bola.Imaginemos agora que temos um ponto O e uma superfície compacta S e fazemos a anamorfose de uma recta r sobre S. A anamorfose será uma curva l sobre S cuja forma dependerá da forma de S. A curva l será limitada, porque S é compacta, mas em geral não será fechada, porque lhe faltarão pontos na fronteira. Esses pontos em falta são o que chamamos pontos de fuga, e acres-centá-los pode ser visto como um processo topológico de compactiicação. Pode-se dizer que do ponto de vista do topólogo, o propósito da anamorfo-se (e da perspectiva) é compactiicar uma cena espacial, ou seja, obter uma representação fechada e limitada da mesma (Araújo, 2015).Vamos concretizar no caso da esfera, que é a anamorfose mais funda-mental: Seja S uma esfera, O o ponto no seu centro. Dada uma recta r, exis-te um único plano H que passa em O e em r. Esse plano intersecta-se com a esfera num grande círculo da mesma. A anamorfose de r é um meridiano, ou seja, metade desse círculo. Mas os pontos da fronteira desse meridiano não fazem parte dessa anamorfose, porque correspondem aos pontos em que os raios de visão se tornam paralelos à recta r, e portanto não lhe tocam. Mas podemos definir a imagem anamórfica como sendo a imagem anamórfica es-trita (a imagem dos pontos de r propriamente ditos) unida com os pontos da sua fronteira. A isto chama-se tirar o fecho topológico. Neste caso os pontos da fronteira são os dois pontos antipodais que resultam de intersectar a esfera com a translação da recta r para o centro O. A estes dois pontos de fronteira chamamos os pontos de fuga da anamorfose. Esta construção é geral. Para qualquer anamorfose obtemos os pontos de fuga de uma recta r fazendo a translação da recta para O e intersectando com S. Isto corresponde ao processo óptico de olhar paralelamente a r e marcar o ponto de S que encaramos ao fazê-lo.Finalmente, os pontos de fuga de r numa perspectiva são simplesmente definidos como a imagem pelo achatamento dessa perspectiva dos pontos de fuga de r na anamorfose que lhe dá origem.Note-se a extrema simetria da anamorfose esférica: nesta, todas as rectas se projectam em meridianos da esfera e todas têm exactamente dois pontos de fuga.Todas as outras anamorfoses são mais complicadas: na hemisférica (que está na base da perspectiva de Barre e Flocon), em que S é um hemisfério delimitado por um equador, r projecta-se numa secção de um meridiano, e 61tem um ponto de fuga quando intersecta o plano do equador num ponto, e dois pontos de fuga quando é paralela ao equador ou está nele contida. Na anamorfose cilíndrica (que está na base da perspectiva com o mesmo nome) r projecta-se numa metade de uma elipse, ou numa recta quando está alinhada com o eixo do cilindro. Pode ter dois, um, ou zero pontos de fuga. Quando o cilindro é ininito as rectas sem pontos de fuga são as que estão ao longo do eixo do cilindro, mas na prática (e também em teoria se quisermos que o cilindro seja compacto) o cilindro é inito, pelo que todas as rectas que façam um ângulo suicientemente pequeno com o eixo serão desprovidas de pontos de fuga. Na anamorfose sobre um plano, que está na base da perspectiva clássica, a imagem anamórficade r é um segmento de recta com, no máximo um ponto de fuga. Se r intersecta o plano S num ponto então a imagem é um segmento que começa nessa intersecção e termina num ponto de fuga. Se r está num plano paralelo a S então a imagem é uma recta sem pontos de fuga. Tudo isto se complica um pouco mais porque mais uma vez S não será na prática o plano ininito mas uma região inita, pelo que perderemos a ininidade de pontos de fuga que iquem fora dessa região. É evidente que a anamorfose da esfera é de longe a mais geometricamente (e topologicamente) elegante, seja pelo facto de fazer uma imagem completa de todos os raios de visão, seja pela simplicidade das projecções das rectas e dos seus pontos de fuga.A perspectiva (hemi-)esférica de Barre e FloconDescrevemos agora brevemente a contrução da perspectiva esférica de Barre e Flocon (Barre & Flocon, La perspective Curviligne, 1964): Con-sidera-se uma esfera com centro em O. Toma-se um ponto N da superfície esférica e passa-se por ele um raio com origem em O, designado o eixo de visão. Chama-se plano do observador ao plano que passa por O e é per-pendicular a N. Esse plano intersecta a esfera num grande círculo, o equa-dor. Tomamos como superfície anamórica S a semi-esfera delimitada pelo equador e que contém N.Deinida S e O, ica automaticamente deinida a anamorfose. Já estudá-mos atrás as projecções de recta e pontos de fuga desta anamorfose. Para termos uma perspectiva resta-nos escolher um achatamento de S sobre um plano. Barre e Flocon escolhem a projecção cartográica conhecida em Fran-ça por projecção de Guillaume Postel, e mais habitualmente por projecção azimutal equidistante. Esta consiste em projectar os meridianos do hemis-fério que passam por N sobre um disco, sendo que a imagem de N ica no centro e os meridianos projectam-se em diâmetros do disco. A projecção ica deinida pelo requisito duplo de que os ângulos entre meridianos são preservados no ponto N e as distâncias são preservadas ao longo de cada meridiano individual.— ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO62CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESApós este achatamento as rectas transformam-se em curvas transcenden-tais que no entanto são bem aproximadas por arcos de círculo, e portanto a perspectiva é facilmente resolvida com régua e compasso. Esta perspectiva consegue um achatamento sobre um disco inito de uma vista de 180 graus em torno do eixo de visão, obtém os pontos de fuga das rectas frontais, e, como apontado por BBF, tem deformações muito controladas em toda a sua exten-são. Este último ponto é crucial: BBF deixa claro que a sua ideia de perspectiva perfeita seria aquela que preservaria as medidas – distâncias, ângulos, áreas - sobre o campo visual, ou seja, as medidas da anamorfose esférica, transferin-do-as inalteradas para uma região inita do plano. Ora sabe-se que não existe uma tal isometria da esfera para o plano pelo que o objectivo realista que lhe resta é o de obter uma boa solução de compromisso. A perspectiva esférica é essa solução. Comparando-a com as alternativas conhecidas BBF veriica que a projecção de Postel é a que tem deformações bem controladas sobre todo o campo de visão e que ao mesmo tempo é de construção fácil por régua e compasso. Por deformações bem controladas queremos dizer que pequenas circunferências sobre a esfera anamórica são transformadas em elipses de baixa excentricidade e com dimensões lineares não muito distintas da cir-cunferência original. Já vimos que isto não é verdade na perspectiva clássica.É por verificar este compromisso em boa medida que BBF afirma o su-cesso da sua perspectiva. De facto fá-lo em termos exagerados, airmando a certo ponto categoricamente que esta veriica (A) e portanto (Δ), apesar da sua própria análise demonstrar que a satisfação de (A) é apenas (bem) aproxi-mada, e uma inspecção cursória de imagens em perspectiva esférica (Figura 5) mostrar que (Δ) é veriicado apenas na medida em que o axioma é gene-rosamente vago; são imagens que criam uma sensação de espaço e de volu-me que decerto evoca mas jamais seria confundida com o real. As distorções globais são evidentes ao olhar e impossíveis de eliminar por qualquer escolha de ponto de observação.Nada disto reduz as conquistas da perspectiva esférica: BFF declara uma vitória de compromisso, mas uma vitória. É curioso notar no entanto que a perspectiva esférica acaba por resolver (A) apenas em boa aproximação e (Δ) sob uma interpretação vaga, enquanto a perspectiva clássica é uma solução exacta do seu problema natural (a). De facto, o problema que a perspectiva esférica resolve perfeitamente não é o que BBF lhe atribui como motivação: é o problema geométrico, abstracto, de representar num disco inito o con-junto total dos pontos do espaço projectivo, incluindo os pontos de fuga das rectas frontais (sendo estes últimos transformados em pontos duplos), e de o fazer de forma simples e construtível por meios elementares. Modos de leituraÉ frequente, quando se teoriza sobre a arte, que uma preocupação impor-tante mas prosaica seja obscurecida por uma formulação que almeja a uma 63generalidade ilosóica que, sendo sonante, vem a despropósito. Neste caso o argumento ilosói-co despropositado é o da suposta inadequação fundamental da perspectiva clássica, na forma da proposição “(Δ) implica (A)”. Qual é então o argumento prosaico mas válido?Todas as perspectivas subentendem um modo de leitura. A “falha” da perspectiva clássi-ca é simplesmente que o seu modo correcto de utilização não é, na prática, compatível com os requisitos do utilizador mais comum. A maioria das imagens que criamos vão ser observadas em telas de dimensão pequena ou média, ou mesmo como ilustrações em livros. Quando escalamos uma anamorfose plana para caber nas páginas de um livro essa mudança de escala leva consigo a posição do ponto O, colocando-o em geral a Figura 5 - Perspectiva esférica.Extraída de Barre e Flocon, 1964, p.179— ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO64CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESuma distância pequena do papel, que o torna a execução da anamorfose por parte do observador desconfortável ou impossível. Além disso a forma como observamos uma obra de arte não respeita a posição O mesmo quando tal é possível. O típico “leitor” de arte contempla a obra de uma posição mais ou menos central e depois paira sobre ela, num movimento de scanning lateral e de aproximações e recuos sucessivos. É quando abandona o ponto O que toma inevitavelmente consciência das deformações lineares. Mas isto não é uma deiciência da perspectiva clássica na realização de (Δ). Airmá-lo é como acusar um garfo de não ser uma boa faca. A perspectiva clássica satisfaz per-feitamente (Δ) quando a utilizamos de acordo com o seu modo de leitura.Quando pedimos que a perspectiva veriique (A) estamos também a tentar satisfazer não um absoluto requisto ilosóico mas um modo de leitu-ra especíico. Estamos a pedir que a imagem se mantenha legível quando abandonamos O e pairamos sobre a imagem, lendo-a numa sequência de ixações ortogonais (scanning). Abandonamos portanto a posição em que a ilusão total (a) é possível, e temos uma leitura que, quanto muito, é uma se-quência de anamorfoses locais, que serão coladas pelo nosso cérebro numa imagem global. É curioso notar que as restrições dos modos de leitura são precisamento o oposto do airmado por Goodman que acusava a perspecti-va clássica de forçar-nos a encarar a imagem ao longo do eixo de visão. Pelo contrário, a perspectiva clássica funciona com um observador ixo em O mas livre para rodar o olhar livremente. O observador de uma perspectiva que veriique (A), pelo contrário, está livre para planar sobrea imagem, mas em cada ponto só terá uma ilusão de óptica credível se olhar a imagem ortogo-nalmente. Porquê? Precisamente porque (A) é incompatível com (V). Se uma perspectiva preserva as medidas lineares então não pode preservar as medidas angulares aparentes! Se eu a olhar num ângulo rasante, verei que essas medi-das aparentes sofrem uma deformação na mesma medida em que as lineares se preservam. E isto por sua vez limita o tipo de leitura que pode ser feita de uma perspectiva que veriique (A). Se eu tentar fazer uma perspectiva esféri-ca de grandes dimensões terei que lidar com o facto prosaico mas relevante de que o observador em geral não plana realmente sobre a imagem! Vendo a imagem de relativamente perto, ele não poderá contar com a existência de um ponto ideal de observação, e sempre que rodar o eixo de visão sofrerá de deformações da imagem aparente. Se se limitar a encarar a imagem de frente, nos pontos acessíveis, perderá a visão de conjunto. Para recuperar a visão de conjunto terá que recuar ao ponto em que a imagem ocupará um curto ângulo em torno do seu eixo central, e, assim sendo, será no fundo re-duzida a um quadro de pequenas dimensões aparentes. Não é por acidente que não são conhecidos muitos exemplos de quadros de grandes dimensões em perspectiva esférica: na verdade é uma perspectiva cujo ambiente natu-ral é a ilustração de livros ou o quadro de pequenas a médias dimensões. A dimensão máxima natural será um disco cujo raio é a altura do observador. 65Analisemos a convenção inerente à leitura global de uma destas imagens. Ao seguirmos paralelas frontais (recuperando o exemplo (E)) de um ponto de fuga ao outro, é o olho que faz um arco, num movimento análogo mas isica-mente distinto daquele que faria a cabeça se essas rectas fossem reais. É um movimento que tem quer ser aprendido, embora o seja muito naturalmente, graças à associação natural entre os dois movimentos e à plasticidade da ima-ginação visual e da própria sensação do espaço e do corpo (propriocepção). Mas se a sensação causada é legitimamente uma satisfação de (Δ) não o é de todo na mesma medida directa e automática que (a) permite. Por mais que se argumente que há uma certa sensação de curvatura quando se segue com o olhar o topo de um muro longo, ninguém confunde uma perspectiva esférica com o muro real. Existe uma codiicação do real que é muito mais indirecta que a da perspectiva clássica. Voltando à questão dos modos de leitura, consideremos como de facto é observado um quadro de grandes dimensões pelo “leitor” comum numa galeria, quando abandona a visão de conjunto e se dedica a uma visão local: Os pés deslocam-se sobre o chão da galeria, a cabeça em geral move-se a uma mesma altura, e se o espectador por vezes se agacha, raramente salta! Portanto se o scanning longitudinal se faz por translação da cabeça, com o observador a mover-se ao longo do quadro e a encará-lo ortogonalmente em cada pequena secção, a visualização em altura faz-se naturalmente por rotação da cabeça para cima e para baixo. Ora este modo de leitura não corresponde à perspectiva esférica, mas a uma outra bem conhecida: a perspectiva cilíndrica! Nesta perspectiva o achatamento consiste em cortar o cilindro anamórico e desenrolá-lo sobre um plano. O ponto O no eixo do cilindro transforma-se assim numa recta h paralela ao chão e ao plano do quadro, e a imagem em perspectiva transforma-se numa união de segmentos verticais, cada um dos quais é uma perspectiva clássica ininitesimalmente estreita. Assim, observada a partir dos pontos de h, a imagem é livre de deformações angulares quando o olhar roda na vertical e livre de deformações lineares por deslizamento ao longo da horizontal. Em cada ponto o observador é livre de rodar o olhar para cima e para baixo, mas não poderá fazê-lo mais do que uns poucos graus na horizontal sem notar deformações aparentes. Nessa direcção deverá manter o seu olhar o mais ortogonal possível ao quadro, mudando o seu ponto de vista por translação do corpo ao longo de h. Abandonando h e recuando para ter uma visão de conjunto do quadro, o observador perderá o efeito de anamor-fose, e verá que as rectas horizontais se transformaram em curvas sinusoidais. Em troca disto terá no entanto ganho a possibilidade de representar até 360 graus na vista horizontal, e cada uma dessas rectas horizontais terá represen-tados no quadro ambos os seus pontos de fuga.Em resumo, a uma perspectiva está associado um modo de leitura, e é de acordo com esse modo que tem de ser avaliada nos seus méritos. Neste aspecto pode-se dizer que é validada uma noção convencionalista. Isto não — ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO66CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESé no entanto o mesmo que dizer que o estatuto especial da perspectiva clás-sica é meramente convencional. De facto ela é a única que realiza um efeito anamórico global sobre toda a sua superfície de representação, quando observada de um ponto adequado. Essa é uma diferença fundamental e concreta que a torna, em realidade, a menos convencional das perspectivas.A perspectiva como ferramenta expressivaVimos acima que a tentativa de corrigir as deformações da perspectiva clássica provém de um mal-entendido. Não existe uma implementação de (Δ) mais “forte” ou “natural” que (a). As várias perspectivas curvilíneas desfa-zem o efeito de anamorfose de formas diferentes e têm todas os seus prós e contras, bem como as suas regras implícitas de leitura. A inexistência de uma perspectiva curvilínea ideal não é no entanto algo de negativo. Pelo contrário, isto dá à perspectiva formal a liberdade das perspectivas informais da história da arte (pensemos nas perspectivas me-dievais, em que as iguras tomavam dimensões adequadas à sua importân-cia narrativa/religiosa, ou na hierarquia de níveis das paisagens chinesas, ou nos múltiplos planos de projecção do cubismo) e torna-a numa ferramenta expressiva. A escolha, ou a criação de uma perspectiva pode ser vista como o primeiro passo do acto de composição artística. Ao escolher uma pers-pectiva estamos a compor o próprio espaço antes de decidir como dispor nele as iguras, como quem arquitecta um palco antes de dispor nele o ce-nário e os actores. E a escolha de palco é vasta! Há um bestiário enorme de perspectivas formais à disposição. Além das perspectivas já discutidas – esférica, cilíndri-ca, clássica – existem tantas perspectivas centrais como existem superfícies e achatamentos (e a cartograia providencia muitos). Cabe ao criador da pers-pectiva decidir o que pretende expressar através desta. Os seus objectivos práticos, estéticos, ou teóricos orientarão a sua escolha. Ilustremos este processo de escolha com um exemplo: porque motivo é que a perspectiva esférica de Barre e Flocon projecta apenas um hemis-fério? A passagem à esfera total foi tentada em vários trabalhos. F. R. Casas (Casas, 1983) por exemplo, num artigo repleto de mal-entendidos, airma que a diiculdade estaria na impossibilidade de obter um achatamento da esfera total matematicamente bem deinido, e Moose (Moose, 1986) propõe uma solução baseada em grelhas ad-hoc. Tudo isto são equívocos, já que a projecção de Postel pode ser estendida aos 360 graus e certamente que Bouligand, senão Barre e Flocon, estavam em posição de sabê-lo (é natural que Casas não o soubesse – eu próprio cometi o erro de reinventar a extensão da projecção aos 360 graus antes de pesquisar os livros de cartograia, mas Bouligand claramente reviu essa literatura). Num artigo recente (Araújo, 2015) elaborei uma construção completa desta perspectiva esférica total, e mostrei que ela pode ser obtida por meios elementares (régua e compasso) 67com diiculdade pouco superior à perspectiva hemisférica, e permitindo todas as construções usuais da perspectiva (Figuras (6)-(8)). Umadiiculdade desta extensão é a constru-ção das projecções de rectas, que para além dos 180 graus de amplitude já não se pode fazer pela aproximação de circunferências, mas por um siste-ma de pares de pontos antipodais. É possível que a forma eiciente de executar esta construção tenha escapado a Barre e Flocon, mas parece-me mais credível que o que os deteve foi em vez disso um factor de ordem teórica: a partir dos 180 graus até aos 360 as deformações lineares crescem forte-mente, o que derrotaria o propósito de satisfazer (A). No meu caso não me preocupava a extensão das deformações, mas a possibilidade expressiva de representar graicamente um elemento teóri-co: a passagem do espaço projectivo enquanto variedade6 que expressa a perspectiva clássica (e o hemisfério de BBF expressa a totalidade desse espaço numa imagem inita e fecha-o topologi-camente, mas não o abandona) para a esfera en-quanto variedade que expressa a totalidade do espaço visual, e com uma representação plana dessa esfera que preserva a topologia do espaço visual, com exactamente dois pontos de fuga por recta e com a expressão gráica completa de todos os grandes círculos. Pode dizer-se que uma perspectiva tem não só uma regra de leitura mas potencia particulares modos de escrita. Escolhemo-la ou criamo-la de acordo com o que queremos escrever. Ademais, tomamos em conta os instrumentos de escrita. Joga a favor das perspectivas clássica, esféri-ca e cilíndrica o facto de podem ser resolvidas por régua e compasso, ou mesmo “à mão”. Se estivermos dispostos a usar outros meios então o leque de escolhas estende-se. Por exemplo, usando um computador, podemos manipular a superfície anamórica ou o achatamento suave-mente, alterando parâmetros de forma a eviden-ciar certas zonas do espaço da forma que nos for conveniente (ver por exemplo (Correia & Romão, Figura 6- Construção de grelha uniforme em perspectiva esférica total.A circunferência interior WZE delimita a perspectiva de Barre e Flocon.Araújo,A., 2015Figura 7- Projecção dos grandes círculos correspondentes a rectas verticais e horizontais em perspectiva esférica total. O disco interno, com metade do raio do disco total, corresponde à perspectiva esférica de Barre e Flocon.Extraída de Barre e Flocon, 1964, p.178.— ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJO68CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESFigura 8- Sala cúbica em perspectiva esférica total. O observador ocupa o centro do cubo e vê em todas as direcções. A perspectiva é uma bijecção com a esfera anamórfica excepto no ponto directamente oposto ao eixo de visão. Este ponto sofre um “blow-up” que o transforma num círculo que corresponde ao conjunto das direcções do seu plano tangente.Ilustração do autor.2007) para aplicações na visualização arquitectó-nica). Finalmente, se quisermos abrir ainda mais o espectro das escolhas, não temos que icar pelo bestiário já vasto das perspectivas centrais. Há perspectivas (no sentido de imagens planas que veriicam de alguma forma (Δ)) formais bem conhecidas que não são centrais: por exemplo a perspectiva Bizantina, em que o cone de projec-ção não coincide com o cone de visão, e a rele-xão numa esfera. Esta última exempliica bem a importância dos “instrumentos de escrita”. Se a relexão numa esfera é talvez a mais conhecida das perspectivas curvilíneas de grande abertura angular (recorde-se o famoso exemplo do auto--retrato de Escher) é porque existe um modo sim-ples de a executar: o desenho à vista a partir de uma esfera espelhada! Sem este atalho físico esta perspectiva jamais seria popular, porque curiosa-mente é de grande diiculdade matemática, não verifica a regra de oclusão central expressa por (V) e obriga à resolução de um problema inverso computacionalmente pesado para a projecção de cada ponto espacial (Glaeser, 1999).São todos estes factores – o que se pretende escrever, com que instrumentos, e de que forma se quer ser lido – e não qualquer prescrição teó-rica única e fundamental, que devem inluenciar o artista na sua decisão do especimen a escolher de entre o exótico e rico bestiário das perspecti-vas curvilíneas.Agradecimentos: Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projectos UID/MAT/04561/2013 e UID/Multi/04019/2013 CIAC.69Notas1 Ordenar sobre uma superfície elementos visíveis formando uma imagem que evoque no espectador sensações de volume e de espaço. (Tradução do autor)2 Uma mesma grandeza parece tão pequena quanto mais distante se encontra do observador. (T. do autor)3 Assumimos para simplificar que X é um dos habituais objectos idealizados da perspectiva, composto de pontos e linhas, totalmente caracterizado pelas posições destes. A anamorfose lida também com os aspectos cromáticos da experiência visual, mas disso não trataremos aqui.4 Como é usual em perspectiva, o nosso observador é assumido ciclópico.5 Parece óbvio que dois objectos que parecem ocupar o mesmo espaço visual terão que aparentar também as mesmas dimensões. Mas isto depreende que não há outras pistas visuais, como por exemplo a perspectiva atmosférica. É preciso perceber que axiomas simples acerca da percepção visual são em geral não tanto declarações de verdades absolutas mas acima de tudo delimitações do conjunto de efeitos com que pretendemos lidar em cada contexto. Na verdade a proposição mais forte “o tamanho aparente de um objecto é proporcional ao ângulo sólido que ele subtende” é verdadeira em certa aproximação, mas sofre de ainda mais contra-exemplos, e evitamo-la porque não precisamos dela no contexto deste artigo.6 Termo geométrico análogo a superfície. — ANTÓNIO BANDEIRA ARAÚJOReferênciasAraújo, A. (2015). A Construction of the Total Spherical Perspective in Ruler, Compass and Nail Obtido de ArXiv: https://arxiv.org/abs/1511.02969v2Barre, A., & Flocon, A. (1964). La perspective Curviligne. Paris: Flammarion.Barre, A., Flocon, A., & Bouligand, G. (1964). Étude comparée de différentes méthodes de perspective, une perspective curviligne. Bulletin de la Classe des Sciences de La Académie Royale de Belgique, Série 5, Tome L.Casas, F. R. (1983). Flat-Sphere Perspective. Leonardo, 16(1), 1-9.Correia, J. V., & Romão, L. (2007). Extended Perspective System. Proceedings of the 25th eCAADe International Conference, (pp. 185-192). Frankfurt.Obtido de http://home.fa.utl.pt/~correia/EPS.pdfGlaeser, G. (1999). Reflections on Spheres and Cylinders of Revolution. Journal for Geometry and Graphics, 3(2), 121-139.Gombrich, E. H. (1960). Art and Illusion: A Study in the Psychology of Pictorial Representation. New York: Pantheon.Goodman, N. (1969). Languages of Art: An Approach to a Theory of Symbols. Indianapolis: Bobbs-Merrill.Moose, M. (1986). Guidelines for Constructing a Fisheye Perspective. Leonardo, 19(1), 61-64.Ware, W. (1882). Modern Perspective: A Treatsie on the Principles and Practice of Plane and Cylindrical Perspective. Boston: Ticknor & Co.Contactar autor (a) – antonio.araujo@uab.pt70CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESO Espaço da Representação e o Espaço Representado, a Estruturação Geométrica e Perspética como Elementos Discursivos numa Narrativa VisualV a s c o M e n d e s L o p e sDoutoramento em Ciências da Arte FBAL-UL (2015), Mestrado em Desenho FBAL UL (2007), Licenciatura em Belas Artes-Pintura, FBAL-UL (1993), Professor do Ensino Secundário.This paper proposes a reflection on the articulation and integration of perspetical construction and the geometric adjustment in pictorial composition, according to is visuality, related to a universeof codes and convention systems that occurs inside a narrative discourse.It is relevant in this context to question how the design of the representation of a spatiality as a mimetic or descriptive process through mathematical and geometrical rules, and its illusory nature, works as an active element in the narrative action, integrating the plastic discourse, as well as an active member in the construction of a visual narrative.. It also focus the debate on the question which links the descriptive processes of space and its representation as elements that acquire a plastic value and thus integrate the construction of narrative and temporality of action through a formal and conceptual dimension.Keywords: Geometry, narratology, image, composition, visuality, structure.Para que o acontecimento mais banal se torne numa aventura, é preciso e suficiente que alguém se ponha a conta-lo.SartreA aplicabilidade da geometria, tanto como reguladora da representação e do espaço da representação ou ainda como interveniente de carácter plástico, concretamente como constru-ção perspética na tradição pictórica ocidental, reside numa intencionalidade primordial, como proposta de resolução de um problema que in-cide sobre a questão do espaço e de uma ques-tão de reprodutibilidade e de manipulação de um espaço num espaço. As noções possíveis de espaço que surgem associadas à construção plástica do desenho e da pintura manifestam-se subordinadas a diferentes motivações e conceções. Uma é sem dúvida a própria consistência material da espacialidade bidimensional como dimensionalidade expositiva da atuação plástica e pictórica, coninada a uma espacialidade singular, onde a eloquência de uma trans-espacialidade manifesta-se imageticamente 71a um nível intelectual. Deste modo, as categorias de espaço passíveis de abordagem constituem a airmação de diferentes perspetivas conceptuais, expressivas e ideológicas, que decorrem de estruturas convencionais que se formalizam através de um determinado discurso. Neste contexto, o espaço pode ser equacionado segundo três dimen-sões distintas. Uma primeira dimensão refere-se ao espaço especíico da representação, que numa primeira instância é o próprio espaço físico e material do suporte onde a imagem se concretiza. Este espaço delimita e limita o que se apreende visualmente, do que nos é dado a ver e do que é ocultado. Numa segunda instância, é um espaço que na sua condição ma-terial impõe condicionalismos à representação, através da forma como os elementos atuantes na construção representativa se formalizam e se arti-culam de acordo com os limites do suporte (no que se refere a dimensões e a formatos), sobretudo o modo como se opera esta interação. Numa segunda dimensão, apresenta-se a categoria de espaço como conigurador da história, como espaço da ação, como elemento integra-dor e deinidor de um determinado contexto que vincula a imagem a uma narrativa, através de um discurso descritivo e representacional, do espaço físico dos cenários e das personagens e das suas interações.Numa terceira dimensão apresenta-se uma categoria de espaço que remete para as incidências semânticas que o caracterizam. Nesta dimensão coniguram-se e interagem noções de espaço que remetem para atmosfe-ras de carácter psicológico e ideológico.Estas questões envolvem inicialmente a problemática da relação entre a perceção do visível e os mecanismos da sua representação. Este pro-cesso é resultado do processamento estruturado de sistemas de códigos que se organizam num sentido de substituição, operando numa dinâmica que se reinventa numa procura constante de adequação entre a forma e o conteúdo. Partindo do conceito que concebe a representação como «[…]Uma realidade que, por determinados motivos, substitui ou toma o lugar de uma outra realidade distinta. (…) A representação também pode atuar segundo um sentido de evocação; evocação como substituição, que ocupa e toma o lugar de outra realidade…»1, veriica-se, que a questão que se encerra no seu núcleo, remete para o modo de substituição que se ide-liza entre as realidades operativas. Esse processo resulta, quando por im a representação é entendida como «[…]aquilo que é possível fazer uma reprodução equivalente»2. A produção/construção, através de processos gráicos ou outros, de uma imagem visual que se objetiva numa equivalência à realidade percecionada e/ou evocada, onde exista um reconhecimento dessa realidade, processa-se através de uma codiicação, que no seu pro-cesso transitório apresenta-se como uma síntese da realidade observada onde, para uma descrição clara, recorre-se a sistemas de linguagem que evitem ambiguidades.— VASCO MENDES LOPES72CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESQualquer forma de representação que parta de uma realidade, e neste caso de uma realidade visível e tridimensional, que é apresentada sobre um suporte bidimensional, rege-se por determinados códigos, os quais procuram equivaler em termos percetivos a ambas as realidades. Para que exista uma equivalência que seja considerada como verdadeira, recorre-se a determina-dos conceitos e relações abstratas. O problema da representação bidimen-sional reside na incapacidade física da correspondência. Num suporte bidi-mensional, podem ser apenas assinaladas três direções possíveis, horizontal, vertical e oblíqua e com estas corresponder diretamente dimensão, largura, escala, no entanto quando se descreve profundidade, volume ou distancia, ou seja o que «está para lá» ou «o que está para cá» recorre-se a processos e a códigos representativos que funcionam como ilusões3. A eicácia da ilusão opera-se num acordo tácito com o espetador, que integra-se numa dinâmi-ca de visualidade, que se rege numa dimensão intelectualizada especíica. A consciência destas problemáticas estimulou a conceção e a difusão de processos cientíicos de cariz matemático, com a inalidade de sistemati-zar uma coerência conceptual na formalização dos «espaços», resultando no desenvolvimento e na aplicabilidade às artes visuais de métodos geométri-cos, e mais tarde perspéticos na arte ocidental. Se inicialmente (no período medieval), a aplicabilidade da geometria (geometria plana) obedecia a uma motivação que reletia sobre a organização do espaço da representação, ou seja do suporte onde a imagem seria concebida, que conceptualmente se estruturava numa codiicação que se ramiicava a um conteúdo semântico exógeno à aparência formal do motivo da representação, veriica-se, a partir do momento de transição da Idade Média para o Renascimento a restrutu-ração de uma visão do mundo. A entidade simbólica de um mundo «pal-pável», em que as «coisas valiam não por aquilo que eram mas por aquilo que signiicavam», para a atenção de um mundo «físico» criado por Deus4, vai permitir a busca, em termos artísticos, de uma produção de imagens que tendem numa aproximação para uma representação realista5 e 6. Desta forma, o desenvolvimento de processos de tradução gráica no percurso da representação do espaço vai culminar num sistema projetivo, regrado por leis matemáticas, que viria a inluenciar e a dominar a gramática do discurso pictórico da história da imagem na civilização ocidental. O desenvolvimento da perspetiva linear e das suas componentes cientíicas enquadra-se numa busca de representação da realidade percecionada a nível da retina, sendo o método cientíico um meio de conhecimento do processo criativo de Deus. Ao centrar-se num esquema representativo, a perspetiva airma-se numa consciência aparentemente descritiva e mimética7, na qual, a metodologia aplicativa da sua regulação codiicada vai permitir uma universalidade de resultados que funcionam como um sistema representativo.Deste modo o Renascimento vai operacionalizar o espaço criado, inclusodos textos que chegaram à versão inal. Esta divisão permite a incorporação da multiplicidade de textos que nos foram enviados relativo ao tema de Dossier, mantendo uma coerência editorial e evitando a dispersão quantitativa e acumulativa. Portanto, a estrutura base da Convocarte concebe-se assim através de dois números que são atravessados pelo dossier temático. Este divide-se em duas grandes partes que conjugam diferentes abordagens, deinindo cada uma delas um número da revista e mais uma pasta, livre ou temática, que segue cada uma das pastas de dossier – neste e no próximo número o dossier te-mático é relativo à Arte e Geometria.11O dossier temático mantém a devida centralidade no projecto editorial, agora num ajustamento entre os dois números, ou número duplo, caracterizando cada edição na convocação de especialistas. Nesta segunda convocatória dedicada à Arte e Geometria, o dossier foi dividido em duas grandes partes que, mantendo anteriores orientações, se organizaram do seguinte modo pelos dois números:• Nº2 – Teorias, aplicações e derivações. Textos teóricos ou doutrinais relativos ao tema, mais perto do âmbito da ilosoia, da estética ou da teoria da arte e extensões ou conluências do tema• Nº3 – Ensaios de História da Arte. Textos históricos, mais panorâmicos ou abordando tempos históricos e estudos de caso Avisamos que o diálogo particular da geometria, enquanto discurso pró-prio, e com outra necessidade de exempliicação, obrigou a outra tolerân-cia relativamente ao número de imagens, que marca alguns dos ensaios, sobretudo deste número. A coordenação geral e do dossier temático ava-liaram os textos em que havia necessidade, evitando prejuízos de coerên-cia e sentido, na inclusão de mais imagens – sempre com um trabalho de redução ponderada até esse limiar atendendo à boa manutenção de leitura e sentido dos respectivos ensaios.Para este número, Convocarte iniciou um novo modelo: uma entrevista de abertura a um especialista do tema, que cruze na sua actividade a produ-ção artística e a ensaística. Para este número temos uma entrevista ao artis-ta e investigador James Mai, seguindo-se um texto que o autor nos cedeu para republicação (pelo que, neste caso, o texto não teve revisão de pares).A fechar cada uma dessas partes do dossier temático, correspondendo cada uma a um dos números, organizaram-se pastas de Estudos de Historiograia de Arte Portuguesa, mantendo o espírito de incorporar estudos originais de linhas de pesquisa, sobretudo por explorar da arte e cultura portuguesa, em torno da historiograia da arte, da crítica, da estética, etc. – são pesquisas exploratórias no campo das artes, procurando deixar traços, inscrições de campo e de casos pouco investigados, abrindo linhas de trabalho.O nº2 organizou-se em torno de uma homenagem a uma igura importante das teorias da arte em Portugal, estratégia que Convocarte procurará man-ter nos próximos números. A intenção será deixar estudos sistematizados, entre o depoimento ou o ensaio, a memória e a relexão, que estudem i-guras marcantes da cultura portuguesa. 12CONVOCARTE N.º 2 | EDITORIALNeste número essa pasta foi dedicada a Rui Mário Gonçalves. Os textos são o resultado de uma sessão especial alargada a 2 de Maio no âmbito dos 2ºs Encontros com Críticos de Arte, com organização e coordenação de Fernando Rosa Dias, Cristina Tavares e Viviane Soares Silva, e decorridos ao longo das segundas do mês de Maio de 2016 na FBAUL (http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/2016/04/29/2o-encontros-com-criticos-de-arte/#mo-re-325). A partir destes trabalhos reuniu-se um conjunto de estudos em torno de Rui Mário Gonçalves, com depoimentos e estudos sobre as mais diferentes facetas desta importante igura da cultura portuguesa: crítico de arte, historia-dor de arte, curador artístico, pedagogo e professor, político e activista, etc. A Convocarte orgulha-se de publicar os textos dessas comunicações, acrescen-tado de outros estudos, agradecendo a todos os colaboradores deste evento, que consideramos uma pasta que adianta contributos dando continuidade a estudos no catálogo de homenagem e no âmbito de apresentação da colec-ção do crítico de arte na SNBA, realizada pouco antes na SNBA.A coordenação geral resolveu, a partir deste número duplo, retirar a pasta de críticas de exposições e eventos artísticos, considerando que este espaço, pela acutilância de um tempo mais curto de funcionamento, operará melhor no site da revista Convocarte, com página própria e mais rapidamente actua-lizada (http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/category/critica-de--arte/). Além disso veriicou-se redundante aparecer na revista se já estava no site da revista. Mantem-se assim, com outra plasticidade, este espaço crítico e de relexão, de ligação da esfera universitária à comunidade cultural e artísti-ca em geral, funcionando melhor como um espaço dialogante de produção de fortuna crítica das mais diversas actividades artísticas ains às artes visuais.O dossier temático mantém a centralidade que caracteriza cada número, por-que mais alargado e aprofundado, e no apelo à relexão e debate em torno de um tema especial no campo das artes. Mantendo a escolha de especialista convidado para a sua coordenação desse dossier temático, que vai integrar o Conselho Cientíico Editorial, para este número dedicado à Arte e Geometria a Convocarte teve a colaboração de Simão Palmeirim, com recente doutora-mento nesta área. O sistema de solicitação de textos mantém a primazia da forma de convite aberto, com base na coniança e sugestão cientíica de es-pecialistas. Também o Conselho Cientíico Editorial actua preferencialmente não como modo de escrutínio (não apreciamos, para este caso, a expressão de submissão de textos), mas de disposição de um espaço de aferição e dis-cussão a todos os textos do dossier temático. A Convocarte mantém a mesma orientação de propor uma revisão de pares (peer review) qualitativa e crítica, que assume como mais adequadas aos seus propósitos e na defesa de tradições das artes e humanísticas. Este http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/category/critica-de-arte/http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/category/critica-de-arte/13funcionamento mantém-se mesmo em temas do dossier temático que pos-sam surgir com fundamentos mais objectivos e rigorosos, como no caso deste número, em torno da geometria. Para desenvolvimento dos funcionamentos cientíicos de Convocarte, ver (http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/processos-editoriais/).A constituição de um Conselho Cientíico Editorial procura não só salvaguardar a qualidade cientíica da revista, sendo também um centro da sua dinâmica, tendo esse Conselho funções de indicação de putativos investigadores do tema e de revisão de ensaios com apreciações qualitativas, que assenta em possíveis sugestões de melhoria dos textos. Para este número, incorporamos alguns membros como honorários, com mera mas muito útil função de con-sulta, que nomeámos Membros Honorários do Conselho Cientíico Editorial (Honorary Advisory Member of the Editorial Scientiic Board), aos quais a Coor-denação de Convocarte agradece as sugestões fornecidas.Continuamos o espírito de convocação, na chamada para a relexão e debate sobre temas das artes (convocar vem do latim «chamar junto», conjugando o suixo com, de agregação, e vocare, derivado de voz e que signiica chamar). Trata-se, portanto, de convocar o outro para as questões artísticas. Convoca--se um tema, como um primeiro plano ou palco que serve de chamada para um segundo, a dos ensaístas, especialistas que tenham investido na pesqui-sa e problematização do tema. Convocarte assume a convocação no espírito das artes e humanísticas, assumindo o jogo da alteridade (o outro radical) no debate intersubjectivo. A constituição de um grupo plural de discussão em torno de um tema é a proposta capital denum sistema racional, ininito, imutável e homogéneo, transformando-se num 73— VASCO MENDES LOPESespaço puramente matemático. É com esta conceção de espaço e com a sua tradução gráica que o artista renascentista irá operar ao nível da iguração, transpondo para o suporte a sua visão de mundo, de universo ininito, de es-paço contínuo e racional. A estrutura da perspetiva permite simbolizar esta atitude e esta visão. No entanto, no momento em que as regras compositivas da centralidade da composição começaram a ser subvertidas, alterando o equilíbrio da visão central e jogando conscientemente com ambiguidades resultantes da manipulação dos sistemas de representação, como nos casos do Maneirismo ou do Barroco, quando a representação deixa de correspon-der a uma visão central ou se altera, e progressivamente vai tendendo para a obliquidade, em que as formas abdicam de uma profundidade descritiva e autonomizam-se em elementos plásticos (numa oposição entre a perspetiva dita racional e a perspetiva dita expressiva), as imagens produzidas ganham ambiguidade através da aquisição de uma consistência plástica, logo sub-jetivas, afastando-se da sua condição descritiva, reconiguram-se dentro de um sentido narratológico, deixando de remeter para o objeto inicial como modelo formal e como exercício de cópia ou de pretensões «realistas», mas sim para o objeto como evocação. A aceitação do processo abstrato, no qual se estruturam estes sistemas, permite a obtenção de resultados ambíguos, onde é difícil discernir a verdade, e onde é questionado um determinado conceito de realidade. Os sistemas perspéticos desenvolvidos no decorrer dos séculos XVIII e XIX vieram reforçar a ideia da representação objetiva da realidade, eliminando todo o carácter lírico, surgindo como uma «ciência da realidade». No entanto, esta objetividade torna-se por sua vez subjetiva, uma vez que a sobriedade objetiva implica a renúncia de determinados compo-nentes, aplicando-se critérios que remetem para uma determinada visão e um entendimento do mundo. «Nos séculos XVIII e XIX, as formas renegam a metafísica e fecham-se em si. O seu desenvolvimento geral, embora ganhe vida sob o especto de um virtuosismo do pensamento e de uma perversão em moda, persegue as bizarrias do Renascimento. Lembra-nos sempre que em toda a perspetiva, quer ela seja depravação ótica, quer trompe-l’eil per-turbante, existe sempre algo de surpreendente e de artiicioso. E de facto não aparece mais como uma ciência da realidade, mas como um instrumento para forjar alucinações».8Os códigos de representação resultantes dos sistemas perspéticos e cientíicos, resolveram num determinado contexto, a capacidade de reco-nhecimento do objeto representado. Apesar de em termos estruturais e conceptuais serem os sistemas perspéticos sistemas complexos, em termos formais apresentam uma verdade, uma vez que em certa medida, reproduzem o objeto percecionado (na retina)9. Contudo, este sucesso veriica-se quando enquadrado num determinado contexto e num modelo de entendimento do mundo. O que se veriica neste jogo é a aplicação de determinados proces-sos construtivos, baseados numa codiicação especíica, que remetem para o 74CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESnível da perceção. O que surge são duas realidades distintas, a existente ou imaginada e a evocada, sendo todas elas diferentes nas suas propriedades. O reconhecimento de uma realidade através da sua representação resulta de um eicaz processo, que induz na leitura dessa imagem, o mesmo pro-cesso percetivo veriicado na leitura do objeto na realidade. Mas para que este processo resulte como «verdadeiro», não se reproduz a «verdade» da realidade, mas sim a imagem que se forma na retina. Logo, o reconhecimento processa-se a nível intelectual, remetendo a leitura da imagem para a ideli-dade da perceção. Esta condicionante, implica que essa representação seja inerente a determinados critérios envolvidos em diversos contextos, logo, torna-se subjetiva. Ao impor-se a sua leitura por uma determinada «visão» da realidade, surge assim uma representação de realidade e não a realidade.A perspetiva dentro do contexto do discurso plástico apresenta, somente, a resposta a um problema da representação, pelo menos sob o ponto de vista da verosimilhança10; não se constrói uma imagem “iel” do espaço somente através da construção de um espaço puramente matemático, que assenta numa visão monocular e imóvel, é necessário a introdução, a nível semântico, de conteúdos que verbalizam plasticamente a coniguração da espacialidade. O processo perspético, como construção estrutural, radica numa convenção, numa abstração, que sistematiza a imagem a um determinado conceito regu-lador, que se apresenta como experiência de reprodutibilidade, através de uma composição, como indica Bryson, «[…] composição sob o realismo é a alternância das formas entre a segunda e a terceira dimensão, submetido a um olhar que se funde numa epifania, na qual ambos os conjuntos dimensio-nais participam : no olhar, a imagem é simultaneamente a profundidade da percepção que a fundamenta, e como planiicação do plano da imagem.»11O processo construtivo da perspetiva linear, o qual funciona segundo um sentido reprodutor da imagem que se processa na retina, é derivado de uma conceção espacial, que integra o espaço representado e o espaço da representação, numa mesma dimensão existencial, através de uma delimi-tação de um campo de observação, que funciona e obedece a uma lógica construtiva que é devedora da presença estruturante da linha. A linha é o elemento do vocabulário gráico que atua como transcritor, mas que simul-taneamente, se airma numa duplicidade, como representação mas também como presença em si. Neste sentido pode-se falar de duas conceções: Por um lado a linha como geradora de estruturas e deinidora formal na representação, em que se fundamenta segundo um processo de abstração, e se estrutura segundo uma capacidade de síntese a nível percetivo, uma vez que a linha (bem como o ponto como conceito, são abstratos12), como elemento gerador da repre-sentação do visível, não existe na natureza, tendendo ela própria a obede-cer a uma codiicação especíica, que só pode ser lida e intuída dentro de um determinado modelo de conceção e de representação. Por outro, a linha 75entendida como forma, que plasticamente adquire uma dimensão, não só representativa mas também presentativa, adquirindo, através da sua forma-lização, uma autonomia que transforma um conteúdo semântico intelectua-lizado numa verbalização de uma consistência matérica, logo do domínio do real. A linha ao construir-se na superfície do suporte como formalização de um discurso intelectualizado e abstrato, regulado por princípios matemáticos, airma-se num processo dinâmico, dentro de uma temporalidade e de uma narratividade, onde o registo gráico se vai materializando de ideia em forma, em que em simultâneo, se vai autonomizando da sua consistência material, à medida que se vai inserindo como verbalização no discurso plástico, sendo deste modo promotor de conteúdo semântico. A linha deste modo coabita numa artiicialidade, como elemento e signo plástico de representação da realidade visível, e como existência e pertinência formal na construção geo-métrica, bem como representação e ilusão. A linha evoca abstratamente a forma que evoca, funcionando em termos geométricos como representação, mas também como coisa em si, através da regulação matemática que lhe confere dimensão e forma. A linha como elemento construtivo da estruturação geométrica, seja ela perspética ou compositiva, regula-se por um processo de síntese. Esta abstra-ção vai permitir o desdobrar do discurso plástico na sua vertente hermenêu-tica, que no caso do desenho objetiva-se e fundamenta-se numa narrativida-de processual, que na sua dimensão operativa, se autonomiza da pintura. As fundações do desenho, como atividade representacional, cativaram desde o início, esta consciência do sintetismo que o discurso artístico encerra. Plínio, na sua conhecida referência ao nascimento do desenho, relata o episódio que a partir da sombra projetada na parede é desenhado o contorno. Este ato, é demonstrativo, do passo inicial de uma construção visual que reencaminha a reciprocidade do reconhecimento conotativo, através de um processo de sín-tese, que é na sua dimensão lata, uma abstração. O recurso plástico e gráico do uso da linha como processo construtivo de uma imagem, nomeadamente a linha como deinidora de um contorno, é um processo de abstração, que funciona na mesma medida em que a codiicação, que estabelece a ligação funcional, se perpetua, uma vez que tal não existe na realidade. No entanto, as imagens sugeridas por estes processos são aceites como idedignas, em que se opera um processo de síntese. Ao assinalar-se os limites da forma, ela ganha um protagonismo em re-lação ao espaço que a envolve, isolando-a, caracterizando-a e dominando a realidade através do espaço que ica cativo. A conquista do espaço, na sua apropriação material, como imagem de poder e de domínio, encontra-se en-raizada na cultura ocidental desde sempre, no qual os sistemas matemáticos geométricos e sistemas perspéticos tiveram papel central.As questões que rodeiam a caracterização de uma noção de espaço na representação, obedecem a dois sentidos que se motivam de forma — VASCO MENDES LOPES76CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESautónoma e simultaneamente de forma integrada. Desta forma o espaço surge decomposto em duas dimensões, o espaço da representação na sua condição material dimensional e temporal, intuído como palco, e o espaço como construção imagética intelectual e conceptual dos espaços evocados e dos espaços construídos, neste caso o espaço como cenário.13Indubitavelmente ligado à condição de espaço numa estrutura narratoló-gica encontra-se a dimensão de tempo, sendo nos processos construtivos da simbiose entre as duas dimensões, que reside uma solução discursiva, tanto no campo das artes cénicas e literárias como nas artes plásticas. Em todas estas expressões, parte-se de uma génese imitativa14, num acordo entre o carácter do signo e do objeto representado e numa dimensão abstrata e intelectual, onde o conjunto imagético e conceptual se conigura numa imitação sensitiva da ideia15. É o discurso plástico, que na forma como vai articular subtilmente estas duas dimensões espaciais, que transitam entre uma condição material e uma condição intelectual, formaliza-se num instante condensado, uma determinada consciência de espaço e de tempo, que alberga um intuir de uma dimensão espácio temporal dinâmica e orgânica. O espaço é assim local como imposição física do real e de território e como apropriação metafísica do real. O artifício visual que a regulação do suporte bidimensional envolve, funcio-na numa lógica comunicativa permanente. A imagem completa-se na medida em que o luxo de informação entre a articulação dos elementos da imagem se uniica, e a memória de uma espacialidade percetiva se transfere numa lógica de correspondência. Os níveis de manipulação plástica que o espaço da repre-sentação sofre neste processo relacional permitem, a um determinado nível, a transformação da imagem numa concretização que funciona numa amplitude que extravasa a sua condição reprodutível. Esta situação, na qual o processo ilusório da regulação perspética transpõe a sua intencionalidade reproduti-va de espacialidade percetiva, que deste modo se transigura num processo intencional de manipulação do espaço da representação, funciona na forma de discurso plástico, submetendo deste modo a sua regulação a imperativos conceptuais e formais que se afastam de uma funcionalidade descritiva e se aproximam de uma consistência estrutural de cariz narrativo. O espaço desmul-tiplica-se por vários níveis de espacialidade que se convocam de acordo com o confronto entre as imagens que resultam do diálogo conotativo e denotativo, e os conteúdos semânticos dos vários níveis discursivos que se entrecruzam. O espaço da representação airma-se como um palco da ação plástica que, num determinado nível imagético se sobrepõe ao seu referente formal, airmando-se assim como uma presença de cariz plástico que se fundamenta num discurso autónomo e que se constrói narratológicamente. Nas artes visuais o espaço é o meio no qual se processa a transmissão de uma ideia de temporalidade, mas tal só se opera através de uma distorção do espaço da representação que se constrói no âmbito de uma discursividade plástica e segundo uma convenção. Deste modo, toda a expressão narrativa 77funciona como uma imagem, uma imagem que presentiica a materialização do signiicante.Neste contexto o espaço e o tempo são elementos que integram a narra-tiva numa dimensão que depende de uma discursividade. A sua formalização é sempre a expressão de um conteúdo representacional em que o impulso representativo varia consoante uma intencionalidade que nunca é neutra por-que a representação imagética é sempre um discurso sobre “algo”. Dentro destas lógicas o “espaço” representado será regulado consoante a sua intencionalidade e dimensão como elemento narrativo. Na dimensão narrativa o espaço surge nas suas duas vertentes referidas, o espaço da re-presentação e o espaço representado. Os dois poderão surgir autónomos ou integrados, consoante uma expressividade discursiva, de forma autónoma, quanto maior for a intencionalidade ilusória na criação de uma artiicialidade, sendo deste modo um espaço encenado e “teatral” como suporte descritivo do conteúdo semântico; de forma integrada quando a artiicialidade é “emoti-va”, ou seja o espaço é simultaneamente territorialidade plástica da expressão do conteúdo semântico. A perspetiva e as estruturas compositivas geométricas surgem, nesta ló-gica, integradas segundo dois pressupostos, numa dimensão de regulação compositiva como discurso ilusório de uma representação organizada, de forma a satisfazer uma correspondência entre o resultado orgânico da visão na sua transformação em imagem a nível cerebral e a sua transposição numa codiicação gráica num suporte bidimensional, e como elemento que atua na relação da discursividade espacial, na sua dimensão operativa, como des-critivo ou como narrativo. Norman Bryson, na sua obra «Vision and painting, the logic of the gaze», refere-se a uma estrutura compositiva de intencionalidade “realista” que se pode enquadrar nesta problemática reflexiva sobre a perspetiva como construção16. De acordo com Bryson esta relação permanentemente transitória entre a for-malização do objeto que se representa e a sua condição formal exterior ao espaço da representação, conigura um diálogo permanente e não ixo entre estas duas dimensões que se completam. Como Leon Battista Alberti explica no seu tratado «De Pictura» de 1453: «No local onde tenho de pintar, desenho um retângulo das dimensões que pretendo, e considero-o como uma janela aberta de onde observo o que aí será pintado»17 « […]tudo o que se move a partir de um lugar pode seguir sete direções; para cima, um para baixo, dois; para a esquerda, quatro; em profundi-dade, partindo daqui, ou para aqui, vindo de lá; inalmente executando um mo-vimento circular. São estes os movimentos que desejo reproduzir na pintura»18.Esta fragmentação do espaço é também uma fragmentação de uma tem-poralidade e por sua vez, uma condicionante sobre as estruturas narrativas que a imagem encerra, tanto a nível da narrativa que se “verbaliza” como da narrativa plástica que concebe a iguração. A força gravítica imposta pela — VASCO MENDES LOPES78CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESregulação da codiicação perspética estrutura a composição espacial e por sua vez todos os elementos igurativos da composição, numa compressão de espaço e de tempo virada para o seu interior. O espaço da representação ao confundir-se com o espaço representado, conigura uma alienação desse mesmo espaço para uma coniguração ilusória, onde a cristalização de uma espacialidade e de uma temporalização estabelecem os domínios de uma imagem que narratológicamente se concebe como expressão única e singu-lar, abstratamente distanciada do espaço que aparentemente evoca, como se refere Maurice Jean-Lefebre, « […] O quadro não é uma janela aberta sobre o real quotidiano; deini-lo-íamos mais exatamente como uma máscara, mas uma máscara transparente.»19Deste modo o equacionar como se insere uma estruturação de cariz geo-métrico e matemático na regulação do espaço que se apresenta como repre-sentação, não só como estruturação compositiva ou como instrumento descri-tivo a nível da perceção, torna-se pertinente. O relacionamento das dimensões operativas da geometria com a estrutura do discurso plástico numa vertente de uma narratividade visual, funciona como um integrador de um novo olhar sobre essa presença, que se motiva para além de uma atuação construtiva de uma discrição formal, airmando-se numa dimensão narrativa das formas. Neste contexto observemos alguns exemplos especulativos que integram as problemáticas abordadas de acordo com uma análise da imagem segundo uma narrativa visual.Nos estudos para a Adoração dos Magos de Leonardo da Vinci [Fig.1] e [Fig.2], pode-se especular a relação possível entre a construção perspéctica, como estruturadora de um espaço representacional e como elemento trans-formador do espaço subentendido como atuante expressivo. Os estudos rea-lizados integram-se num conjunto de estados preparatórios de uma pintura que Leonardo não chegou a executar. Pode-se observar na transição entre um primeiro estudo [Fig.1] e um posterior [Fig.2] uma profunda alteração na regu-lação do espaço representado. A [Fig. 1] regista uma regulação que obedece a uma intencionalidade ri-gorosa e matemática. A construção perspética constrói-se dentro da limpidez geométrica que a caracteriza, a linha do horizonte, claramente deinida, o ponto de fuga ligeiramente descentrado (provocando uma ligeira deformação pers-pética no lado esquerdo da composição) e o espaço arquitetónico submetido à construção rigorosa que regula a espacialidade da representação. No entan-to a introdução das iguras que remetem para uma consistência orgânica, os corpos dos animais e das pessoas, surgem em termos plásticos desintegradas como se não partilhassem um mesmo espaço de representação, situação que favorece uma intuição de uma espacialidade artiicial. Em termos plásticos esta desadequação canaliza a leitura para a presença de um espaço que se apresenta ilusório, orientando desta forma a atenção para o espaço da representação (o limite bidimensional do suporte) como presença 79material que se transforma. Os elementos igura-tivos, ao submeterem-se a esta regulação rigoro-sa que se fundamenta na presença das massas arquitetónicas, transiguram a espacialidade do espaço diegético a nível conotativo, na ambigui-dade do que representa: o espaço da ação das i-guras? Como local? Como cenário? Surgem como questões pertinentes que se associam à questão motivacional que as agrega.No estudo posterior [Fig.2] veriicam-se al-terações profundas na construção da espaciali-dade. A eliminação e o recuo de grande parte dos elementos arquitetónicos e a introdução em primeiro plano das iguras reconduzem a constru-ção espacial para uma leitura que releva o espaço diegético a uma presença que integra a ilusão da profundidade espacial como elemento narrato-lógico que se descreve. No entanto a construção perspética deforma-se, abdicando do seu rigor para se submeter a um imperativo plástico. As linhas de fuga não coincidem no ponto de fuga, como se em simultâneo se sobrepusessem imagens dos mesmos elementos em vistas diferenciadas, o que em termos de descrição espácio temporal atua em termos narrativos como dinâmica visual e deste modo conluindo para uma presença que se relaciona de forma dinâmica com os elementos representados em diversos estados narrativos.[Fig.1] Leonardo da Vinci, Estudo para a Adoração dos Magos, 1481 (esquema interpretativo)[Fig.2] Leonardo da Vinci, Estudo para a Adoração dos Magos 1481 (esquema interpretativo)— VASCO MENDES LOPES80CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESA construção plástica e a imagem na sua condição material são em primei-ro lugar uma presença e uma manifestação de um acontecimento que ocorre numa determinada espacialidade e dentro de uma temporalidade. A ação dos materiais sobre um suporte, que serve não só como território da aparência mas como a territorialidade que cativa uma presença, são a marcação de uma inten-cionalidade. A organização que se vai estabelecendo na superfície material que integra estas duas dimensões vai-se realizando segundo lógicas que introduzem um sentido ao resultado aspético dessa intervenção, situação que passa a ter uma condição intelectual e que passa a ser verbalizável como instigador de conteúdo. Esta transformação ocorre em simultâneo no caso do artista, o gesto e a moti-vação que fomenta a ideia. Por isso a incisão do meio riscador que atua sobre o suporte é a marcação de uma materialidade de uma consistência corpórea e a marcação de uma intenção que se vai completar num futuro temporal em senti-do. À medida que as incisões gráficas do processo de desenhar se materializam e se vão integrando num sentido, ocorre a um nível intelectual, em simultâneo à organização deste discurso plástico em que as formas se organizam visualmen-te e vão sendo verbalizadas mentalmente, um discurso que agrega os indícios plásticos em ciclos reprodutores de conteúdo. O io condutor que uniica esta dinâmica relacional é a narrativa, que plasticamente materializa e desmaterializa o conteúdo expressivo dos elementos que constituem a imagem, consoante os instantes de temporalização em que ideia e forma se encontram. O estudo para o Juramento do jogo da pela, realizado em 1791 por Jacques--Louis David, apresenta-se como um exemplo claro de exaltação e de manifesta-ção instrumentalizada dos processos plásticos e compositivos do desenho como discurso de poder. No entanto velada nesta aparência a coniguração de poder realiza-se a níveis mais complexos, na medida em que os graus de interligação entre os diferentes níveis de discurso conluem na composição da imagem. Apresentado no Salon de 1791, o desenho encomendado a David tinha por objeto a evocação dos factos ocorridos a 20 de Julho de 1789 no campo do jogo da pela em Versalhes, onde os deputados do Terceiro Estado, tendo sido coninados a esse espaço pelo rei após serem afastados do seu local ha-bitual de reunião, proferem o juramento de ali permanecerem, em assembleia, até redigirem uma constituição, jurando para o efeito de que preferiam morte a dispersarem antes que a França fosse livre.A composição de David representa o momento em que o deputado Bailly, o presidente da assembleia, pronuncia o juramento. A estrutura compositiva confere à cena uma teatralidade objetivamente artiicial. Não se trata de uma encenação das ocorrências num sentido descritivo e de narração do episódio. Existe uma intenção óbvia de afastar o espaço do espetador do espaço da cena, refugiando a leitura numa frieza distanciada e numa sensação de estranheza.Os indícios da artiicialidade da cena são evidentes convocando deste modo a leitura a encontrar sentidosdiferentes dentro da estrutura comunicacional da obra. O propósito de David não é o de apresentar um registo fatual ou uma 81narrativa descritiva das personagens e dos acon-tecimentos, mas sim, através da articulação com-positiva e de uma plasticidade formal, conceber uma dupla imagem, a que se intui percetivamente e a que se agrega intelectualmente. O desvio que se processa entre a ligação das duas traduz uma conceção de forte cunho ideológico, que se apre-senta como uma banalização do real precisamente como forma de o exacerbar de modo a renovar o seu entendimento através de um processo mais intelectual e menos emocional.Toda a construção compositiva centra-se na i-gura do presidente Bailly, que representado de pé sobre uma mesa se eleva em relação à multidão de deputados. A composição gravita em volta desta igura, que é representada exatamente no meio da composição de frente para o espetador, encontran-do-se o centro da composição ao nível dos olhos da personagem no ponto de fuga das diagonais e da linha do horizonte [Fig.3]. Esta disposição coloca o ponto de vista do espetador no mesmo nível de Bailly, numa posição mais elevada que as restan-tes personagens, situação que provoca um certo desconforto, uma vez que esta situação convoca [Fig. 3] Jacques-Louis David, Estudo para o juramento do jogo da pela, 1791 (esquema interpretativo)— VASCO MENDES LOPES82CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESo olhar a um simultâneo afastamento e aproximação do espetador em relação ao espaço da composição. A frieza e a rigidez dos gestos que se coordenam numa coreograia especíica orientam o olhar para um percurso metódico pela composição, acentuando desta forma a sensação de congelamento temporal da ação que, em conjugação com a intuição do espaço não preenchido em primeiro plano, afasta e distanciam o espetador do espaço da representação.Esta situação reforça um certo incómodo no espetador sobre o que real-mente perceciona. A construção perspética da composição obedece à orga-nização espacial de uma paisagem urbana do Renascimento, a veduta, que através de um ponto de fuga central organiza as linhas de fuga numa dinâmi-ca de equilíbrio confortável para o espetador, acomodando-o e incluindo-o na mesma dimensão espacial da composição, uma vez que intuitivamente o espetador prolonga para cá o espaço da representação. Esta situação é va-lorizada ainda por uma intelectualização do espaço, onde o espaço arquite-tónico é um espaço construído numa familiaridade conceptual e ideológica à do espetador20.No entanto o coincidir do ponto de fuga (que cria a ilusão do espaço tri-dimensional) com a cabeça de Bailly, anula essa ilusão quando o olhar focaliza a igura do deputado, remetendo desta forma o olhar para uma consciência do espaço plano da representação, criando deste modo dois espaços, o es-paço ilusório que se encena e introduz o espetador nesse espaço, albergan-do deste modo a realidade física do espetador na realidade imagética da sua perceção, e o espaço que assume a sua condição plástica da sua presentação.Nestes dois espaços coabitam duas imagens que são expressão de dois discursos paralelos, o discurso da tradição e da convenção pictórica que exal-ta a mensagem ideológica através da encenação e da ilusão do espaço da representação como espaço da matéria da ação do episódio ocorrido, que deste modo convoca o espetador a uma presença concreta no espaço e no tempo, e o discurso conceptual, também ele ideológico, que convoca a leitura da imagem para a sua plasticidade como airmação de uma realidade concre-ta que se desdobra espacialmente e temporalmente pela sua leitura ao nível da perceção, redirigindo o foco de atenção do espetador para os conceitos abstratos que encerra o conteúdo discursivo de carácter ideológico que a imagem pretende emitir. Assim David constrói esta imagem como um exer-cício plástico, airmação mais objetiva do discurso ideológico da Revolução Francesa, a imagem não é ilusão, mas sim um objeto e um produto construído e concebido como expressão de um discurso, como veículo de uma ideia. As ideias que se exprimem através desta sucessão de imagens que se intuem expõem-se como expressão ideogramática.83Notas1 « […] una realidad que, por ciertos motivos y parae, hace las veces u ocupa el lugar de outra realidad bien distinta. (...) La representación también puede usarse con el sentido de evocación; evocación através de un sustitutivo que sirve, es tomado, ocupa el lugar de otra realidad...» MOLINA, Juan José Gómez (coord.), Las Lecciones del Dibujo, Madrid, ed.Cátedra, 1995, p..4882 ROMANO, Ruggiero (Dir), Enciclopédia Enaudi, vol. 25, Criatividade, Visão, Lisboa, ENCM, 1992, p2673 «[…] O quadro é representação e é o sistema mais geral de ligação entre os signos que são da representação – e desfazendo e reconduzindo os termos “ideologizados” à sua ideologia, fazendo-os manifestar como uma tradução dessa ideologia: frente, fundo, distância referem-se a um espaço de representação de implantação de uma profundidade ilusionista no quadro da pintura; esquerda e direita são definidas apenas em relação ao olhar soberano do espectador para o qual as aparências externas são reflectidas. […]». No original, « […] le tableau est représentation et le système le plus general qui en relie les signes est celui de la representation – et défaire en reconduisant les termes «idéologisés» à leur idéologie, en les faisant apparaître comme traduisant cette idéologie: devant, fond, lointain renvoient à un espace de représentation déployant une profondeur illusionniste dans le cadre du tableau; gauche et droite ne se définissent que par rapport au regard souverain du spectateur vers l’oeil duquel refluente les apparences perspectives. […]» MARIN, Louis, Sublime Poussin, Paris: SEuil, 1995, p.474 «[…] a criação divina não consiste numa organização de signos mas numa produção de formas.» ECO, Umberto-Arte e Beleza na Estética Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989,p.995 O termo realismo é sempre problemático, não só por encerrar em si definições variáveis mas por ser uma noção que passou a ser utilizada de forma regular em relação às artes plásticas a partir do século XIX. Deste modo, de forma geral, entende-se por “intenção realista” como a adequação entre uma obra e a realidade que evoca e essa “realidade” é entendida de acordo com Bryson, quando se refere, «É em relação a uma orgânica de códigos socialmente determinada, e não em relação a uma imutável “experiência universal de visualidade”, que o realismo de uma imagem deve ser entendido. […] A validade do termo (realismo) não deve ser entendido como referência a uma conceção absoluta do “real”, uma vez que esta concepção não integra as sucessivas alterações que o entendimento do real foi sofrendo ao longo da história no contexto de diferentes períodos e culturas.». No original, «It is in relation to this socially determined body of codes, and not in relation to an immutable “universal visual experience”, that the realism of an image should be understood. […] The validity of the term (realism) cannot therefore refer to an absolute conception of “the real”, because that conception cannot account for the historical and changing character of the real within different periods and cultures.» BRAYSON, Norman, Vision and painting, the logic of the gaze, New Haven: Yale University Press, 1983., p. 136 « […] A “sensação do real” consiste numa relação especial que se estabelece entre a denotação e a conotação, onde conotação confirma e substância a denotação para que esta última se eleve à categoria de verdade.», no original, «[…] the “effect of the real” consists in a specialized relationship between denotation and connotation, where connotation so confirms andsubstantiates denotation that the latter appears to rise to the level of truth.»BALL, Mieke, Reading Rembrandt, Amesterdão: Amsterdam Academic Archive, 2006, p.1867 «Na verdade, remeter o problema da mimesis e da descrição aos confins dos mitos originais, aparenta que tanto o poeta e o filósofo são a vítima – como Narciso – do fascinio por um duplo desejo: desejo de uma linguagem de palavras tão transparentes no mundo das coisas que a descrição, seria a perfeita realização — VASCO MENDES LOPES84CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESou o fantasma, seria como um operador generalizado de tradutabilidade em nome dessa linguagem das imagens figuradas no quadro». No original, «À vrai dire, à poser le problème de la mimésis et de la description aux confins des mythes de l’origine, il semble bien que le poète et le philosophe soient la victime – comme Narcisse – de la fascination d’un double désir: désir d’un langage des mots si transparent au monde des choses que la description, qui en serait la plus parfaite réalisation ou le fantasme, serait comme l’opérateur d’une traductibilité généralisée des figures imagées du tableau en noms de langage», MARIN, Louis, De La Représentation, Paris Seuil/Gallimard, 1994, p.2528 ROMANO, Rugiero (dir.), Enciclopédia Enaudi, vol.29, Tempo / Temporalidade, Lisboa, INCM, 1993 p.2539« […] O que de facto se observa, no decorrer desta primeira era geológica da perspetiva, a época do ponto de fuga, da transformação do assunto em objeto: é como a pintura da perspetiva, como a camara, afasta a nebulosa difusa e não localizada de definições imaginárias e a substituí por uma definição que vem de fora. ». No original, «[…] What we are really observing, in this first geological age of perspective, the epoch of the vanishing point, is the transformation of the subject into object: like the camera, the painting of perspective clears the away the diffuse, non-localised nebula of imaginary definitions and substitutes a definition from outside.» BRAYSON, Norman, Vision and painting, the logical of the gaze, Ob. Cit., p.10710 « […] veresomilhança, argumenta-se, resulta de uma lei de «proporção» entre classes de informação: nem denotação nem conotabilidade podem evocar o reconhecimento do que é verdadeiro […]». No original,«[…] vraisemblance, it is argued, results from a law of “proportion” between classes of information: neither denotation nor connotasingly may elicit the recognition of lifelikeness […]» BRYSON, Norman, Vision and painting, the logic of the gaze, ob. Cit., p.6811« […] composition under realism is this shifting of forms between two and three dimensions, subject always to the gaze the fused epiphanics, in which both sets of dimension equally participate: in the gaze, the image is both the depth of the founding perception, and the flatness of the picture plane.» IDEM, Ibidem p.11912 « PONTO: uma das três noções primitivas da geometria juntamente com as noções de reta e de plano. Não tem dimensão e não indica nenhuma posição […]. Linha: Traço contínuo visível ou imaginário […]». No original, «PUNTO: una de las três nociones primitivas de la geometria junto com la recta y el plano. No tiene dimensión aunque indica una posición […]. Línea: Trazo continuo visible o imaginario […]»,MOLINA, Juan José Gómez (coord.), Las Lecciones del Dibujo, p.286-28713 A terminologia aqui apresentada ancora numa tradição de analogia entre as artes plásticas, as teorias literárias e as artes cénicas, que de forma transversal apresentou uma interação, de carácter mais distanciado ou mais aproximado ao longo dos períodos históricos aqui abordados.14 Imitação, que se apresenta segundo a tradição aristotélica como, imitação direta, a mimesis, e como imitação indireta, a diegesis. O sistema mimético nas artes visuais, sobretudo na pintura e no desenho, aprende-se de acordo com a tradição “perceptualista” na qual «Pintura é concebida “principalmente” como a mimesis da percepção modificada segundo um esquema programático». No original, «Painting is viewed “principally” as the mimesis of perception, modified by a schema» BRYSON, Norman, Holly, Ann, Moxey, Keith, Visual Culture: Images and interpretations, HarperCollins Publishers, 1991, p.62. A diegese é o processo do discurso das “coisas” que transitam entre os referentes e os significados e que no caso de uma estrutura discursiva narratológica nas artes visuais articula-se através de uma convenção que agrega a “esquemática percetiva “ com o seu reconhecimento e com a sua leitura.15 «O signo, então, não é uma coisa mas sim um acontecimento!». No original, 85«A sign, then, is not a thing but an event! (Wittgnestein)» BAL, Mieke, Reading Rembrandt, Ob. Cit., p.1616 Ver nota 11.17 Da tradução francesa do original em latim, «Je trace d’abord sur la surface à peindre un quadrilatère de la grandeur que je veux, fait d’angles droits, et qui est pour moi une fennêtre ouvert par laquelle on puisse regarder l’histoire.» ALBERTI, Leon Battista, De La Peinture (De Pictura (1435)),Paris, Macula Dédale, 1993, p.115.18 IDEM. Ibidem, p.18119 LEFEBRE, Maurice – Jean, Estrutura do discurso da poesia e da narrativa, Ob. Cit., p.14220 «[…] este espaço é o espaço da cidade ou da praça, um espaço social que se diferencia, por exemplo, do espaço da paisagem: é urbano, e ao espetador da veduta é proposto e assumido como tendo, em termos políticos, um direito natural a este espaço, que é ordenado e organizado, em todas as suas linhas e perspetivas, especialmente as em torno da sua inclusão.». No original, «[…] its space is that of the city or the piazza, a social space that is quite unlike, for example, the space of landscape: it is urban, and the viewer of the veduta is proposed and assumed as having a natural political right to this space, which is ordered and organized , in all its lines and perspectives, especially around is inclusion» BRYSON, Norman-Tradition and Desire, from David to Delacroix, Cambridge: Cambridge University Press; 2009 , p. 76— VASCO MENDES LOPESReferências ALBERTI, Leon Battista, De La Peinture (De Pictura (1435)),Paris: Macula Dédale, 1993BAL, Mieke, Reading Rembrandt, Beyond the Word-Image Opposition, Amesterdão: Amsterdam Academic Archive, 2006.BRYSON, Norman, Tradition and Desire: From David to Delacroix, Cambridge: Cambridge University Press; 2009.BRYSON, Norman, Vision and painting: The Logic of the Gaze, New Haven: Yale University Press, 1983BRYSON, Norman, Holly, Ann, Moxey, Keith, Visual Culture: Images and interpretations, HarperCollins Publishers, 1991ECO, Umberto, Arte e Beleza na Estética Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989.LEFEBRE, Maurice – Jean, Estrutura do discurso da poesia e da narrativa, MARIN, Louis, De La Représentation, Paris Seuil/Gallimard, 1994MARIN, Louis, Sublime Poussin, Paris: SEuil, 1995. MOLINA, Juan José Gómez (coord.), Las Lecciones del Dibujo, Madrid, ed.Cátedra, 1995ROMANO, Rugiero (dir.), Enciclopédia Enaudi, vol.29, Tempo / Temporalidade, Lisboa, INCM, 1993ROMANO, Rugiero (dir.), Enciclopédia Enaudi, volume 25, Criatividade-Visão. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda,1992Contactar autor (a) – vasco.ml@sapo.pt86CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESGeometria Plana na Composição Visual da Pintura Primitiva PortuguesaS i m ã o P a l m e i r i mDoutoramento em Ciências da Arte pela FBAUL. Investigador do CIEBA.It is a well-known fact that Geometry plays a fundamental role in medieval and renaissance artistic practices. This article is based on the indepth study (our PhD thesis, presented in 2016)on how geometric knowledge is manifested in Portugal, during one of the richest moments in the country’s history. Understanding the compositional and geometrical skills acquired and applied by a certain author or painting workshop implies both theoretical and practical education, based on the knowledge of geometrical methodologies and on a vast group of information and documental data concerning the History of Art. Once we determined the time frame, selected the corpus of paintings and gathered the geometric tracings to test, we proceeded to do an exhaustive sequence of compositional studies on the group of works of art in question. A comparative analysis of the results allowed us to list a series of conclusions around the central theme and, most importantly, to define the itineraries of renaissance visual composition in Portuguese Painting between the beginning of the 15th century and the first quarter of the 16th century.Keywords: Geometry and Composition; Renaissance Portuguese Painting;Altarpiece; Geometrical Skills, Instruments and Designs.O presente artigo pretende apresentar alguns dos resultados mais relevantes da tese de doutoramento por nós elaborada em 2016 para a Faculdade de Belas Artes da Faculdade de Lisboa1. Esta propunha-se a procurar se haveria uma linha metodológica na aquisição e aplicação de traçados geométricos na composição pictórica ao longo do século XV e início de XVI, nas oicinas de pintura portuguesas e, se sim, como se teria dado a evolução das competências geométricas em causa. Ilustraremos alguns dos casos em que as conclusões mais terão enriquecido, não só a compreensão dos processos práticos dos autores e grupos oicinais em causa, como as constatações mais relevantes para o aprofundamento do estudo geométrico da pintura de um modo mais abrangente, apresentando algumas das contribuições mais pertinentes que este tipo de investigação oferece. É importante referir que abordámos somente a leitura e análise da geometria plana que presidiria às composições em causa, não contemplando análises sobre a capacidade de representação perspéctica por parte dos autores2.Podemos elencar algumas das questões que serviram como ponto de partida para a necessidade deste trabalho como sendo:87• A necessidade de propor, reiterar ou corrigir reconstituições retabulares, baseadas na comparação entre estrutura interna e estrutura externa das obras (isto é, a relação entre traçados geométricos reconhecíveis a partir do módulo3 de uma obra e os reconhecíveis em polípticos na sua relação com a arquitectura4);• Diferenciar aquisição e aplicação de competências geométricas, procurando veriicar se existe coerência formal entre estes dois termos por parte das oicinas abordadas;• Ver se seria possível contribuir para esclarecimentos autorais ou de datação pelo método geométrico5; isto é, compreender se determinadas séries de pinturas cuja autoria está por conirmar podem ser agregadas a outras pela utilização de traçados especíicos;• Propor análises comparativas com outros países e / ou épocas: por exemplo, compreender o impacto da aprendizagem de mestres portugueses (ao nível da geometria) no estrangeiro, como Álvaro Pires de Évora em Siena ou João Gonçalves em Florença, bem como o impacto de pintores que mais tarde se radicaram em território nacional, como Francisco Henriques ou Frei Carlos.Fundamentalmente, testar os percursos de aquisição e aplicação de competências geométricas em Portugal, ao longo do período em causa.O desenvolvimento da investigação processou-se, deste modo, em quatro etapas essenciais:• A constituição do corpus, reunindo informação sobre as obras, artistas, oicinas e consequente contextualização histórica6;• A reunião e organização dos traçados geométricos a ter em conta, considerando tanto regras oiciais empíricas como referências teóricas à tratadística da época;• Um longo processo de experimentação (processo de produção semelhante ao do artista no estúdio) fundamentado na ideia de que, se a geometria servia para lançar o desenho para uma pintura, a estrutura geométrica deveria surgir antes da imagem;• A reunião de conclusões e confronto com a sua validade pelos pares (processo crítico semelhante ao das ciências da arte). Interessa-nos, no contexto desta publicação, apresentar exemplos do terceiro destes pontos e algumas propostas de conclusão que daí obtivemos.A deinição de dois tipos de corpus era fundamental para dar início ao processo: o do conjunto de obras a analisar e o dos traçados geométricos necessários para proceder às análises em causa.O primeiro implicaria naturalmente a deinição de uma baliza temporal. Esta deve o seu início e im a dois momentos históricos que aqui identiicamos: —SIMÃO PALMEIRIM88CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES1411 marca os primeiros registos de identiicação da obra de Álvaro Pires de Évora (actividade conhecida entre 1411 e 1434), o primeiro autor português com obra atribuída de forma consistente do século XV; e 1525 assinala o im do primeiro quartel do século XVI, abarcando ainda os grandes retábulos de Jorge Afonso (c.1470 - 1540) e Vasco Fernandes (c.1475 - c.1542), não considerando no entanto as primeiras grandes empreitadas dos Mestres de Ferreirim, que só por volta desta década se começam a revelar. A nossa ambição era abordar o trabalho de aquisição de competências geométricas de uma geração primeira de pintores, deixando Mestres como Cristóvão de Figueiredo (n.? - 1543), Garcia Fernandes (c.1514 - c.1565) e Gregório Lopes (c.1490 - 1550) fora do âmbito da investigação. De uma extensa lista de referências nacionais e internacionais7 seleccionámos, contemplando o contexto histórico nacional, quatro traçados geométricos essenciais a testar nas análises composicionais. São eles:• A malha regular, por vezes chamada trama ou grelha; que permite por norma o uso de diagonais fortes, tiradas a partir dos vértices do rectângulo que deine a obra, dos pontos médios das suas arestas ou de consequentes subdivisões;• A vesica piscis, em latim: bexiga de peixe; um dos traçados mais recorrentes na arte medieval, que tem por característica importantíssima a proporção 1/√3, daí que lhe chamemos traçado √3;• Fi (Φ), razão e secção de ouro; cuja aquisição chega tardiamente a Portugal mas tem inúmeras aplicações possíveis, particularmente para subdivisões harmónicas, mas também fazendo uso do próprio método de construção do traçado (coisa que se nota também nos casos de √3 ou mesmo √2);• A relação entre circunferências e quadrados; rica pelas múltiplas aplicações geométricas (sendo a mais conhecida a quadratura do círculo), mas também muito usada pelo sentido de estabilidade visual que oferece.Em termos metodológicos, o processo de análise geométrica incluiu sempre experimentação através de desenho à mão, respeitando, como não podia deixar de ser, métodos que estariam à disposição dos pintores da época (nomeadamente a régua não graduada e compasso). Contámos com o auxílio de diversas tecnologias contemporâneas8, particularmente para a produção de imagens com boa resolução e leitura, mas sem nunca corromper o fazer do desenho da época. Foi fundamental também um processo de análise comparativa, em que cada traçado reconhecível em determinada obra ou conjunto era posto em confronto com traçados encontrados em peças de características formais semelhantes, ou atribuídos à mesma oicina; isto no sentido de deinir percursos de aplicação de competências geométricas. Muito importantes, também, foram os contributos de relações interdisciplinares para consubstanciar ou pôr em causa algumas das constatações a que chegávamos no decurso da investigação. Trabalhámos 89em parceria com o Laboratório de Conservação e Restauro do Instituto José de Figueiredo,o que implicou que ao aplicar o método geométrico, este fosse sempre consubstanciado pelo material fornecido por este laboratório. Assim, pudemos não só ter acesso ao desenho subjacente, como conirmar sem sombra de dúvida que tábuas foram cortadas – o que signiica que se evitou incorrer no erro de trabalhar considerando dimensões de uma pintura que não são as originais, aplicando nesta traçados geométricos que não fariam sentido.Consideremos então alguns exemplos da aplicação dos quatro traçados referidos no corpus seleccionado, começando por aquele que se manifestou (não sem alguma surpresa) como o mais recorrente e de aplicações mais variadas e consistentes, o traçado √3. Note-se como em casos que vão do início da baliza temporal deinida (Álvaro Pires de Évora) ao seu inal (Vasco Fernandes) encontramos, não só módulos directamente baseados na proporção 1/√3, como opções composicionais assentes nas linhas de construção (circunferências) do traçado.Figura 1 - Quatro traçados geométricos essenciais reconhecíveis na pintura renascentista portuguesa[imagem de autor]—SIMÃO PALMEIRIM90CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESAs duas circunferências que deinem a vesica piscis determinam a altura e largura do tríptico de Volterra9, de Álvaro Pires de Évora, sendo que os arcos ogivais que encimam as três partes da peça estão deinidos pelas mesmas. A vesica propriamente dita enquadra o painel central, sendo que as proporções 1/√3 correspondem respectivamente à altura e largura deste. A mesma relação entre altura e largura é patente na Apresentação do Menino no templo10, de Francisco Henriques. Foi muito interessante veriicar que, embora em cada uma das quatro iadas horizontais do conjunto retabular11 as obras apresentem dimensões diferentes, todos os módulos em causa derivam de proporções determináveis pela construção do referido traçado. Isto veio reforçar de forma evidente a importância do mesmo para o conjunto em causa. Deparamo-nos exactamente com a mesma proporção na peça Virgem com o Menino e Anjos12, habitualmente colocada ao centro dos três painéis que se supõe serem parte de um retábulo maior, atribuído (ainda que com algumas reservas) ao Mestre da Lourinhã. Neste caso, o traçado é ainda pertinente para uma série de elementos composicionais, particularmente para enquadramento da Virgem no trono. O terceiro caso é novamente painel central, neste caso de um tríptico atribuído a Vasco Fernandes e à Oicina de Viseu, o painel Última Ceia, que deu nome ao próprio tríptico13. Uma vez mais, as proporções 1/√3 do traçado da vesica piscis são evidentes.Figura 2 - Traçado geométrico vesica piscis reconhecível em quatro obras de autores portugueses dos séculos XV e XVI[imagem de autor]91A recorrência ímpar deste traçado ao longo de todo o corpus analisado (tanto na determinação de módulos de diferentes obras, como no uso da construção do mesmo para a colocação de elementos composicionais), marca de forma evidente uma linha formal nos percursos de aquisição e aplicação de competências geométricas, como veremos adiante.Curiosamente, a aplicação de malhas regulares, traçado comummente reconhecido neste tipo de estudo e que talvez aqui se esperasse surgir com considerável regularidade, nem por isso se demonstrou dos mais utilizados. Pelo contrário, na maioria das vezes em que a presença deste traçado foi reconhecível, foi de forma relativamente frágil no que diz respeito à sua aplicação e, maioritariamente, em obras de características formais arcaizantes.O painel Epifania e Santos Franciscanos14, obra ressonante da oicina de Nuno Gonçalves15, que se pensa ser parte remanescente de um retábulo maior, apresenta, pela marcada presença de linhas verticais e ortogonais, algumas características de aplicação de malha regular ortogonal. Considerando a incompletude das iguras dos Santos e a possibilidade de subdividir um rectângulo ligeiramente maior que o original em função das marcadas horizontais e verticais (nomeadamente do drap d’honneur), propusemos um redimensionamento desta obra16. O painel central do políptico de Montemor-o-Velho17 revela pouco uso de ortogonais, tirando a cruz ao centro da composição; o mesmo se pode dizer de diagonais, Figura 3 - Malhas regulares desenhadas sobre três obras de autores portugueses dos séculos XV e XVIFonte—SIMÃO PALMEIRIM92CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕEStirando alguma dinâmica no posicionamento da igura de Cristo. Subdividindo as arestas da peça por pontos médios podemos determinar o vértice de uma série de linhas (a amarelo) que parecem suportar o conjunto das iguras em primeiro plano. Ainda assim, e sendo que nos restantes painéis do conjunto não parece acontecer o mesmo, isto é insuiciente para airmar com segurança que a malha regular determinou a o ordenamento composicional do políptico. No caso da Assunção da Virgem18 podemos deinir outro tipo de malha regular que parece basear-se em subdivisões que contemplam o conhecimento de Φ. Esta malha, comum em todas as peças do conjunto19 parece ainda suportar uma estrutura coerente na reconstituição retabular que propomos.Os três casos que aqui apresentamos são, cremos, paradigmáticos das dúvidas que se levantam ao tentar propor uma linha deinida de aplicação de competências ligadas ao traçado de malhas regulares. Parece-nos seguro airmar que este tipo de traçado não marcou vinculativamente os percursos das grandes oicinas nacionais da época, sendo aplicado de forma tímida por autores e grupos oicinais periféricos ou, possivelmente, sem acesso às mais eruditas competências geométricas.A introdução de Φ como competência geométrica em território nacional é uma questão que levanta alguns problemas: embora a tratadística só revele a sua aquisição em Portugal muito tempo depois de estar instituída noutros países, sabe-se também que este tipo de conhecimento era tradicionalmente transmitido oralmente por mestres de oicinas. Isto faz com que seja natural que se detecte a presença deste traçado em obras que precedem a sua divulgação tratadística, mas implica que seja praticamente impossível de determinar a data precisa de chegada desta competência ao país. De todo o corpus analisado, notámos que em caso nenhum do século XV pode dizer-se que Φ está patente. No entanto, a viragem de século revela enim as primeiras aplicações do traçado, muito provavelmente trazidas pelos mestres lamengos chamados para realizar as grandes empreitadas da sé de Viseu e da sé de Évora. Se no caso de Évora esta competência não é aplicada, no caso de Viseu é-o, e além de ser pela primeira vez em Portugal, é de forma exemplar. A Ressurreição e a Ascenção deste conjunto20 têm, como aliás as restantes peças do retábulo, um módulo muito próximo de Φ21, mas em quase todas é reconhecível também a pertinência das linhas de circunferência de construção do rectângulo de ouro para a composição. A proposta de reconstituição retabular que propomos22 baseia-se na de B. PEREIRA (2001) e contempla uma inclinação das ileiras laterais, à semelhança do que acontece na sé do Funchal, o que permitiria que as dimensões do retábulo se adequassem às da parede23.É interessante verificar que, depois do caso da sé de Viseu (em que a aplicação é bastante directa), este traçado é miscigenado com os traçados que se usavam anteriormente em Portugal (malhas regulares e √3) – são disto exemplo as peças para as capelas laterais da igreja de S. Francisco de Évora (c. 1510), as grandes peças do conjunto cristológico da charola de Tomar (c. 931515), ou o retábulo da capela-mor da igreja do convento de Jesus em Setúbal (c. 1520), entre outras.O quarto traçado geométrico reconhecívelcom regularidade relaciona as iguras geométricas circunferência e quadrado e, à semelhança de Φ, parece surgir só depois da viragem de século. Curiosamente, notamos desde logo a sua presença no único retábulo in situ do conjunto de peças contempladas, o retábulo do altar-mor da sé do Funchal24, aqui relacionado com as linhas de construção do traçado √2. A aplicação mais interessante desta competência geométrica regista-se no percurso de Vasco Fernandes. A análise dos vários conjuntos de obras atribuídas à sua oicina permite traçar uma linha evolutiva cronologicamente estruturada:Num primeiro momento, a análise ao conjunto do retábulo do altar-mor da sé de Lamego25 revelou a aplicação de uma malha regular (que como já referimos está associada a processos mais arcaizantes); num segundo momento é clara a aplicação de traçados √3, tanto no tríptico Cook26 como no tríptico da Última Ceia (a que já fizemos referência); finalmente, nas obras Figura 4 - A razão de ouro como competência geométrica aplicada no conjunto retabular da Sé de Viseu. Ressurreição, Ascenção e proposta de reconstituição retabular do conjunto à escala.[imagem de autor]—SIMÃO PALMEIRIM94CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESposteriores, o retábulo da matriz de Freixo de Espada à Cinta27 e os retábulos colaterais da sé de Viseu28 há uma transição da relevância que a circunferência tinha para a vesica piscis (aplicada nos já referidos trípticos) para a relevância que passa a ter associada à igura do quadrado.Este processo evolutivo no percurso de Vasco Fernandes serve de exemplo para aquilo a que nos propusemos investigar e apresentar numa perspectiva mais global. Com o apoio do quadro de referência que ilustra os principais movimentos de aquisição e aplicação de competências geométricas do espaço plástico renascentista na pintura portuguesa, estamos em condições de elencar algumas contribuições do método geométrico para a história de arte.No século XV, Nuno Gonçalves aplica o traçado √3 na referência inevitável que é o grande retábulo dedicado a S. Vicente (particularmente conirmado na predela dos quatro santos), mas esta matriz está também patente de forma muito clara na obra atribuída a Álvaro Pires de Évora. Em João Gonçalves nota-se uma relação cuidada entre fresco e arquitectura, apoiada pela geometria, embora seguindo processos diferentes dos autores anteriormente referidos (ainda que com enfâse também em traçados circulares).Figura 5 - Traçado geométrico baseado na relação entre circunferência e quadrado, aplicado a duas obras da oficina de Vasco Fernandes.[imagem de autor]95Contemporaneamente, temos uma série de obras associadas à Oicina de Coimbra ou outras oicinas arcaizantes, que revelam competências geométricas mais frágeis no âmbito das malhas regulares, ou por vezes nenhumas competências. Excepção evidente neste contexto são os polípticos da Assunção e de Santa Clara, que fazem uso do já referido traçado √3.A viragem de século traz grandes novidades e uma maior complexidade de aplicações de competências geométricas, nomeadamente com a introdução de Φ, muito provavelmente por mestres lamengos, evidente desde logo na sé de Viseu. A sé de Évora curiosamente denota a aplicação de √3, o que dá uma ideia de continuidade da linha de aquisição deste traçado. É curioso constatar como as competências geométricas ligadas a Φ são imediatamente miscigenadas com malhas regulares, como se nota nos casos das capelas laterais de S. Francisco de Évora e nas peças de Lamego atribuídas a Vasco Fernandes (talvez aplicando uma competência recém aprendida) e em quase toda a obra atribuída a Frei Carlos (excepção feita às capelas laterais do Espinheiro).Figura 6 - Quadro ilustrativo dos percursos de aplicação de competências geométricas nos agrupamentos autorais analisados entre c.1415 e c.1540.[imagem de autor]—SIMÃO PALMEIRIM96CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESΦ é ainda veriicável com muito interesse na relação com √3 em Setúbal e Tomar, conjuntos atribuídos a Jorge Afonso; que aliás parece recorrer a √3 também no Pópulo e em Xabregas, o que revela uma coerência de aquisição e aplicação de competências deveras interessante.Nas obras habitualmente atribuídas a Francisco Henriques nota-se uma coerência formal associada ao uso do quadrado e da circunferência, por vezes em relação directa com √3, com a excepção das peças para as capelas laterais de S. Francisco de Évora (que aplicam uma malha regular).O caso do Mestre da Lourinhã é também algo heterogéneo: embora a maioria da sua obra faça uso de malhas regulares, o que resta do retábulo de Almeirim aplica claramente √3 e, se considerarmos a mão deste mestre no Funchal, podemos estabelecer uma relação desta grande obra com as peças do Convento da Berlenga (atribuídas ao mesmo período), pelo uso de √2.O caso de Vasco Fernandes foi já ilustrado e pode dizer-se que revela como que um retorno às competências fundamentadas na importância das circunferências, inalmente enriquecidas pela sua relação com o quadrado, manifesta por exemplo na forma como as obras de Freixo de Espada à Cinta anunciam de algum modo as realizadas para as capelas colaterais da sé de Viseu.Uma das mais importantes constatações que adveio de todas as análises composicionais efectuadas foi de natureza metodológica: concluímos que a mesma oicina pode aplicar traçados ou recorrer a módulos diferentes de uma forma coerente. O processo como são aplicados pode ser o mesmo. Há que ter em conta na análise composicional o método geométrico: não só o traçado que é utilizado mas a forma como é aplicado. Utilizar, por exemplo, um rectângulo de módulo √2 ou Φ pode ser diferente mas é fundamental ter em conta que o rebatimento da diagonal que deine a proporção do rectângulo, em qualquer um dos casos, deine uma linha curva que muitas vezes é tida em conta para a composição da obra. Ter isto em conta permite explicitar melhor o que une e distingue metodologias oicinais.Esta elucidação, embora pudesse parecer evidente à partida, mostrou-se cada vez mais relevante no decurso do nosso processo investigativo e só seria possível chegar a ela através de uma metodologia que se apoia na práxis geométrica e artística, no fazer como parte do processo de investigação. Cremos que lhe deve ser dada a maior importância em quaisquer investigações futuras na área.Notas finaisCremos que vale a pena nomear algumas das conclusões que advieram deste trabalho:• O revelar de inúmeros casos de aquisição e aplicação de competências geométricas baseadas nas linhas de construção dos traçados (particularmente as circulares) contribuindo para uma renovada visão das mesmas. O método 97prático de construção de determinados traçados tem eco claro nas composições pictóricas e permite com maior solidez abordar cada obra do ponto de vista das competências geométricas presentes (há casos disto transversalmente a todo o corpus, mas S. Francisco de Évora, a sé do Funchal, ou a Igreja de Setúbal são exemplos claros);• As várias propostas de redimensionamento de obras segundo a composição visual, bem como duas propostas de reordenamento de disposição retabular29. No caso da sé de Évora a proposta de reconstituição contempla uma narrativa de leitura horizontal, em patamares, de baixo para cima que, muito pertinentemente, caberia na parede da igreja em causa. Esta proposta de reconstituição permite conjugar Proposta de reconstituição retabular da Sé de Évora em função do traçado geométrico reconhecido no conjunto das obras.[imagem de autor]—SIMÃO PALMEIRIM98CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESainda a proposta de disposição em três patamares de Joaquim Oliveira Caetano com a leitura de narrativa iconográica de Fernando A. B. Pereira, assumindo que a igreja poderia ter, à semelhança da sé Velha de Coimbra, um monumental Calvário na calote da abside.• A coincidência de aplicação de competências geométricas na arquitectura e na pintura. Isto implica duas importantes conclusões: 1) É importante re-perspectivar o papel do mestre de oicina como alguém que, ou trabalha em parceria com arquitectos, ou tem acesso aos conteúdos teóricos que estes têm; não é um mero executante, mas sim um pintor que detém competências geométricas elaboradas e procura pô-las em prática nas encomendas a que responde. 2) Se já era tido em conta o facto relativamente comum da incidência da luz sobre as peças ser coerente com a luz dos espaços para onde foram projectadas (Setúbal e Funchal são exemplos disso), passa a ser importante também ter em conta a adequação da estrutura retabular ao espaço tridimensional em função das competências geométricas das pinturas, em conformidade com as exibidas na arquitectura (exemplos disto são o caso da sé de Viseu ou da sé de Lamego).• Algumas das análises comparativas que explorámos propõem considerações inéditas sobre a natureza temporal e autoral de algumas obras, sendo exemplo claro disso uma leitura que relaciona os três Pentecostes habitualmente dados à oicina de Vasco Fernandes30.• O reforço da importância do carácter pluridisciplinar de investigações neste âmbito. Compreender a composição geométrica de uma obra ou retábulo implica conhecimentos teórico-práticos que permitam entrecruzar a práxis da geometria com um conhecimento estruturado da História da Arte. Mas uma investigação destas implica ainda o importante conhecimento dos técnicos de conservação e restauro como complemento que permite confrontar as ideias avançadas com os desenhos preparatórios e os estudos de suporte que, no nosso caso, permitiram corroborar problemas da integridade dos suportes detectados pela geometria compositiva.Notas1 Tese de doutoramento em Ciências da Arte, especialidade de Ciências da Arte, orientada pelo Professor Fernando António Baptista Pereira e co-orientada pelo Professor António Oriol Trindade, com o título: A aquisição do espaço plástico renascentista na pintura portuguesa de 1411 a 1525, competências geométricas e compositivas do final da idade média ao início do renascimento.2 Este tipo de estudo foi levado a cabo por CASIMIRO (2004) e TRINDADE (2008). 3 Numa pintura rectangular, marco refere-se ao rectângulo que define os limites da mesma e módulo refere-se à proporção de um rectângulo considerado geometricamente. É pertinente referir que nem sempre as medidas que as peças apresentam hoje são as originais, o que deve ser necessariamente contemplado 99quando se parte para uma análise geométrica a partir do módulo.4 Neste caso foi fundamental contemplar como referência a sé do Funchal, único retábulo in situ de todas as obras analisadas.5 “Aplicação de um determinado conjunto de cálculos matemáticos e esquemas geométricos, apropriados à análise das pinturas, com o objectivo de determinar a eventual estrutura geométrica que serviu de fundamento para os principais elementos da composição.” (CASIMIRO, 2004, p.859).6 Parece-nos pertinente referir a importância dos factores de inventariação e recolha que este trabalho implicou. Muitos foram os casos com que nos deparámos em que os dados oficiais sobre as dimensões das obras estavam errados ou eram incoerentes quando comparando diferentes fontes. Estamos confiantes que o trabalho levado a cabo no esclarecimento destas incongruências foi consistente e muito importante para contribuir para o conhecimento geral das obras abordadas neste trabalho.7 Para este tipo de trabalho devem sempre ser contemplados autores como Jay Hambdige (1867-1924); Matila Ghyka (1881-1965); Almada Negreiros (1893-1970); Charles Bouleau (1906-1987); Robert Lawlor (1938); Luís Casimiro (Doutorado em 2004 pela FLUP); António Trindade (Doutorado em 2008 pela FBAUL); ou Francisco Henriques (Doutorado em 2016 pela FBAUL).8 Meios computacionais como o uso dos programas: Adobe Photoshop, Adobe Illustrator, Adobe InDesgin ou Geogebra.9 De 1423, hoje no Palazzo dei Priori, em Volterra, Itália.10 De 1508-1511, parte do Retábulo da capela-mor da igreja de S. Francisco de Évora, cujas obras estão distribuídas entre o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), o Museu de Alpiarça e a colecção José Relvas.11 “Coube a Reynaldo dos Santos o mérito da reconstituição do conjunto, de acordo com um desenho elaborado sob a sua direcção na oficina de Fernando Mardel, restaurador do [MNAA]“ (B. PEREIRA, 2001, p. 241).12 De 1515-1518, parte do retábulo de Almeirim, hoje no MNAA.13 De 1535, conjunto proveniente da capela do Paço do Fontelo, hoje no Museu Grão Vasco (MGV).14 Da segunda metade do séc. XV, é proveniente do convento do Monte Calvário e encontra-se hoje no Museu de Arte Sacra da sé de Évora.15 Ver MORENO, 1980, pp. 471 e 641.16 Das medidas actuais de 201x 140 cm para 205 x 160 cm. Sem que pudéssemos consultar imagens do verso da peça para confirmar cortes, assumimos a natureza especulativa desta proposta, suportada somente pelo método geométrico.17 De finais do séc. XV, início do séc. XVI, é atribuído à oficina de Coimbra e está no Hospital da S. C. da Misericórdia de Montemor-o-Velho.18 Esta peça, do conjunto do retábulo-mor da igreja do convento do Espinheiro (MNAA) é de cerca de 1515-1530 e atribuída a Frei Carlos.19 Exceptuando a predela, que está no Museu de Angra do Heroísmo.20 O retábulo da sé de Viseu é de cerca de 1501-1506, atribuído a um colectivo flamengo e as suas obras estão hoje no MGV.21 As medidas de cada uma das obras apresentam variações marginais, pelo que não pode esperar-se uma correspondência exacta, rigor que aliás nem faria sentido para a época.22 Figura adaptada de DES.00041657, disponível no Sistema de Informação para o Património Arquitetónico (SIPA).23 Comparando os documentos disponíveis no SIPA (DES.00041657), com as imagens disponíveis no Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais nº 122 (Dezembro, 1965), chegámos às medidas de 5,7 metros de largura por 10,5 —SIMÃO PALMEIRIM100CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESmetros de altura, para a parede. Segundo a proposta que fazemos, com uma inclinação de 36� em relação ao plano, obtemos uma largura total de aproximadamente 5,4 metros e, se se considerar os ângulos de um octógono em planta a largura total é de aproximadamente 5,2 metros.24 De 1510-1520, pensa-se ser obra a várias mãos em que, possivelmente tivessem estado envolvidos Jorge Afonso, Francisco Henriques e o Mestre da Lourinhã, sendo que na nossa tese, defendemos que este último fosse provavelmente o maior responsável pela empreitada.25 De 1506-1511, há cinco obras remanescentes de um conjunto maior, no Museu de Lamego.26 De 1510-1530, hoje no MNAA.27 De cerca de 1520-1535, conjunto que se encontra na igreja matriz de Freixo de Espada à Cinta.28 De 1530-1535, hoje no MGV.29 Sendo que este não era um dos objectivos centrais da nossa investigação, é com alguma cautela que levantamos as duas sugestões de reordenamento em causa. No caso da matriz de Cascais sugerimos que as duas peças de menores dimensões devem colocar-se por baixo das outras, em função do traçado geométrico determinado e da harmonia resultante da colocação do conjunto sobre o alçado arquitectónico. 30 Propomos que pode traçar-se uma espécie de evolução em três tempos no que às competências geométricas diz respeito (respectivamente Freixode Espada à Cinta, Coimbra e Viseu). A análise comparativa dos três casos leva-nos a propor que, cronologicamente, se nota um progressivo desprendimento da rigidez do traçado utilizado, que é acompanhado pela introdução de elementos pictóricos.Bibliografia:AA. VV.: Primitivos Portugueses. O século de Nuno Gonçalves (1450-1550), Lisboa: MNAA, 2010.ALBERTI, Leon Battista: On Painting. (trad. John R. Spencer), New Haven, Yale University Press, 1970.BATORÉO, Manuel: Os ‘Primitivos Portugueses’ e a Gravura do Norte da Europa; Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2011.B. 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Yago Barja de Quiroga), Madrid: Adiciones Akal, 1996.CASIMIRO, Luís: A Anunciação do Senhor na pintura quinhentista (1500-1550): análise geométrica, iconográfica e significado iconológico, Tese de Doutoramento em Conhecimento em História da Arte, Porto: FLUP, 2004.EUCLIDES, Elementos de Euclides, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1855; disponível (16.05.2015) em http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/euclid/elem.html.FLOR, Pedro: Arte do Retrato em Portugal - entre o fim da Idade Média e o Renascimento, tese de Doutoramento em História da Arte Moderna, Universidade Aberta, 2006.GHYKA, Matila C.: The Geometry of Art and Life; New York, Dover Publications, 1977.HAMBIDGE, Jay: The Elements of Dynamic Symmetry; New York, Dover Publications, 1967.HENRIQUES, Francisco: “Portais para o Espaço do Divino – Geometria e Narrativa no Retábulo Escultórico do Renascimento”, tese de Doutoramento em Ciências da Arte, Lisboa: FBAUL, 2016.101KEMP, Martin: The Science of Art, optical themes in western art from Brunelleschi to Seurat; New Haven:Yale University, 1990.LAWLOR, Robert: Sacred Geometry, Philosophy and Practice, London: Thames & Hudson, 2007.MORENO, Humberto Baquero: A Batalha de Alfarrobeira, Coimbra, 1980.NEGREIROS, Almada; VALDEMAR, António: Almada. 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Neste artigo, o autor utiliza deliberada e intencionalmente a ortograia anterior ao dito Acordo Ortográico.The relationship between art and exact sciences, particularly geometry and mathematics, is extremely important to understand the meaning of certain works of art at a deeper level. Therefore, we developed a personal research methodology that seeks to complement the application of the “Iconography Method” with another one that we have called “Geometric Method”. This is a personal way to use the resources of Geometry, to determine the “geometric scheme of composition”, that is to say a set of different geometric entities that were possibly the structural genesis of the artwork and allow better understand the artist's original thought when creating his artwork. So, our paper aims to clarify how the painters used the resources allowed by Geometry not only as a way to obtain a harmonious composition and correct relations between the various elements, but also to clarify how these geometric schemes of composition were used to reinforce the iconographic message that the artist intended to convey.Keywords: Portuguese Painting, Science and Art, Art and Geometry, Iconography, Iconographic Method, Geometric Method, Composition Schemes, Iconographic Message.IntroduçãoO Renascimento constitui um ponto de vi-ragem no que se refere ao estatuto social do artista e ao modo como era vista a própria arte. Este aspecto teve profundas repercussões no domínio das técnicas e das descobertas relacio-nadas com a produção artística, na medida em que contribuiu para uma acentuada mudança de mentalidades. Durante muitos séculos os pintores foram considerados trabalhadores manuais e, como tal, equiparados a todos os artesãos que, com a sua habilidade manual e destreza com os diversos materiais e ferramentas produziam objectos. Estavam, pois, muito distantes dos que se dedicavam às artes liberais que integravam o Trivium e o Quadrivium medievais, cujo estatuto era reconhecidamente mais elevado pois eram consideradas actividades intelectuais. Todavia, o espírito científico da época, juntamente com todos os factores que fize-ram despoletar e desenvolver o fenómeno do Renascimento italiano, levou a que os artistas se empenhassem em demonstrar que a sua actividade pertencia a domínio intelectual e não ao mecânico ou manual. Acontecimentos 103diversos e complexos contribuíram para essa alteração. Neste contexto, pela necessidade de síntese, destacamos somente dois: o surgimento das Academias e a descoberta das leis da perspectiva linear. As Academias ti-veram um papel importante na medida em que libertaram os artistas das imposições gremiais que impediam o livre desenvolvimento da prática e da investigação no campo da arte. Por outro lado, a frequência das Acade-mias colocava os artistas em contacto directo com um círculo de intelectuais provenientes dos vários campos do saber e de grande nível cultural que frequentavam a corte dos mecenas. Esta atitude abriu horizontes aos artis-tas permitindo aceder a conhecimentos variados e despertar ainda mais o espírito cientíico que conduzia à busca pelo saber e à compreensão do ser humano e dos fenómenos naturais. Neste processo de compreensão do mundo, a observação directa da natureza e dos seus fenómenos, registados através do desenho, izeram com que taisConvocarte.Também mantemos que Convocarte é, por fundamento, uma revista de edi-ção digital, mas que se propõe ao esforço de realizar uma impressão limitada para distribuição em bibliotecas públicas, sobretudo universitárias. Este é um exercício distinto e independente da garantia da edição digital. Outra das orientações desta revista, a manter, é a pluralidade das línguas, de matriz europeia e expressão global. E, nesta alegação, se no editorial ante-rior citámos Gadamer, agora estendemo-nos a George Steiner – sempre na mesma preocupação com os destinos da Universidade e na atenção às ditas artes e humanísticas, perante a expressão do uso de medições bibliométrias (para nós paradoxal e absurda na essência) na avaliação de universidades e investigadores, questão mal ou nada discutida, como ainda na defesa do que é uma espécie de essência tanto da arcaica e atormentada história da Europa como do recente e já inquieto projecto Europeu: a pluralidade de línguas da Europa, consistentes na sua história tal como na sua globalização. Apontando a radical ameaça à Europa da «onda detersiva e exponencial do http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/processos-editoriais/http://convocarte.belasartes.ulisboa.pt/index.php/processos-editoriais/14CONVOCARTE N.º 2 | EDITORIALanglo-americano, e dos valores e imagem mundial uniformes que o Esperanto devorador traz consigo», Steiner airma: «A Europa morrerá efectivamente, se não lutar pelas suas línguas, tradições locais e autonomias socias. Se se es-quecer que “Deus reside no pormenor”»1. Defendemos que a profundidade de uma dimensão relexiva e especulativa, em boa tradição das humanísticas, funcionará sempre melhor com esse uso da palavra com a língua local que habitamos. Há uma diferença entre um plano de partilha entre línguas, que por si não obriga a que seja sempre o inglês, e um plano de cogitação onde os limites da relexão se explicam melhor e, para tal, a língua natural é a mais honesta. Por isso, inalizamos com outra radicalidade, citando o situacionista Debord: «Os ciganos consideram com razão que só devemos dizer a verda-de na nossa própria língua; na do inimigo deverá reinar sempre a mentira»2.A Coordenação GeralNotas1 George Steiner, A Ideia de Europa, Lisboa: Gradiva Publicações, 2005, p.50.2 Guy Debord, Panegírico, Lisboa: Edições Antígona, 1985, p.18.Arte e Geometria: Teorias, Aplicações e Derivações16CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES A geometria é uma das mais importantes matérias de estudo transver-sal a todas as grandes civilizações da Antiguidade. O entendimento do espaço tridimensional e consequente procura de mecanismos de representação do mesmo no plano foi sempre uma das pedras de toque da utilidade da geometria para as artes. A sua aplicação na arquitectura, pintura ou escultura ao longo dos tempos fez com que se revestisse de inúmeras as-sociações simbólicas, sendo posta inclusivamente ao serviço de fundamen-tos religiosos, tanto no Ocidente como no Oriente. Seja pela exploração de padrões, pelo estudo das proporções, pela riqueza conferida à composição visual ou pela determinação e desenvolvimento dos fundamentos da pers-pectiva linear, a geometria tem um lugar de importância maior na história da Arte. Isto é evidente na sua importância prática para a engenharia aplicada à arquitectura egípcia, na relevância que assume para os cânones de proporção clássicos, ou nos fundamentos simbólicos das artes medievais (com particu-lar foco nas lojas de construtores de catedrais na Europa). A sua recuperação como base da proportio renascentista marcará o cuidado com a composição visual nas épocas que se seguem.No século XX a compreensão de determinadas competências geométricas tem aplicação nas artes visuais sob diversas formas, continuando a trazer no-vidade e mudança; note-se desde logo a sua relevância para a ideia de des-construção do espaço cubista ou para a proposta de simultaneidade tempo-ral no futurismo. No mesmo século, o pensamento de pintores e escultores ligados ao abstraccionismo geométrico leva a uma riquíssima teorização da geometria ligada à práxis artística. Em Portugal isto tem particular eco, como aliás se nota no conjunto de artigos aqui publicados.Contudo, o tema, com vasta profundidade histórica, artística e cultural, tem es-tado esquecido nos debates recentes do mundo universitário, como que fora de moda, pelo que a sua convocação para estudos actuais se apresenta como um desaio particular que a Convocarte resolveu avocar. Prevíamos que as suas potencialidades se manifestassem de diversas formas: desde abordagens à tratadística, ao confronto de tempos e movimentos culturais mais marcados pela geometria com outros menos aderentes, passando pelo debate da actua-lidade (ou possível crise) da geometria na arte (ver em exemplo o ensaio de Peter Halley: «A Crise da Geometria», in Arts Magazine, nº10, 1984), marcando linhas de actualidade no estudo da geometria aplicada à arte.17Foi interessante veriicar que se reuniram vários estudos contemplando o uso da geometria como instrumento de estudo da obra de arte, ou mesmo abordando a aplicação de princípios geométricos em movimentos, estilos ou técnicas artísticas particulares, pondo-os em relação com campos diferentes (desde a matemática à ilosoia), passando ainda pela aplicação da geometria em diversas artes (inclusi-vamente como elemento de analogia entre as mesmas), desde a arquitectura à es-cultura, passando, de forma mais recorrente, pela pintura. Outro ponto de interesse tem a ver com a abrangência temporal e mesmo geográica dos casos abordados, que se estenderam da arte rupestre à contemporaneidade, e do sudeste asiático ao (muito rico e bastante trabalhado) caso nacional. É de referir ainda as múltiplas extensões do tema que vieram a lume, desde interessantes abordagens ao tema do ponto de vista da pedagogia, a leituras historiográicas do próprio contexto de aplicação da geometria na compreensão da obra de arte.Contemplando os resultados da convocação proposta pelos dossiês temáticos dos números 2 e 3 da Convocarte, pudemos subdividir (com as devidas ressalvas a que este tipo de repartição artiicial obriga) o prolíico conjunto de artigos reunidos em três linhas fundamentais. Neste segundo número da revista, o dossiê congrega um grupo de abordagens que teorizam sobre conceitos da própria geometria (aplicada à arte), propondo visões renovadas da mesma como tópico pleno de autonomia; e um grupo de artigos que se caracterizam pela expansão que apresentam do tema em si, focando a geometria no campo das artes quando ligada a outras áreas do saber (como a antropologia ou o ensino). O terceiro número reunirá um ecléctico grupo de estudos de caso que focam a pertinência da geometria para a História da Arte, desmultiplicando-se em diversas abordagens que reforçam a multiplicidade de aplicações que o tema oferece ao debate académico.A abrir os dossiês temáticos dos números 2 e 3 da revista Convocarte, apresentam--se duas entrevistas a pintores que se dedicam simultaneamente à teoria de arte, com particular foco na importância da geometria para a pintura. James Mai (no2) e António Quadros (no3) respondem a uma série de questões colocadas pelos editores sobre o espaço que ocupa a geometria na relação entre a sua prática ar-tística e a teorização sobre a mesma. As entrevistas são pertinentemente seguidas dos artigos de cada um dos autores sobre a geometria na obra de Joseph Albers e Nadir Afonso, respectivamente.As entrevistas e artigos respectivos não serão meros preâmbulos, mas desde logo servem de introdução à multiplicidade de perspectivas que o tema dos dossiês implica. O segundo número prossegue com cinco artigos, muito distintos, que pro-põem teorias sobre a geometria na arte, com um forte pendor operativo,esboços não fossem meras anotações, mas verdadeiros es-tudos laboratoriais envolvendo autênticas experiências cientíicas que tor-navam possível a compreensão de tudo o que rodeava a vida do artista. Neste campo se coloca a descoberta das leis da perspectiva linear onde teve destaque a compreensão da Matemática e da Geometria associada à capacidade de desenho, ou seja, todo um exercício intelectual que era necessário empreender, articulado com a destreza artística, para se obter a construção rigorosa de um espaço em perspectiva que veio revolucionar o modo de fazer e compreender a arte, cujas obras adquiriram, assim, um carácter cientíico. O espírito cientíico que então impregnou os artistas conduzia-os à ob-servação e compreensão dos fenómenos da natureza e do próprio ser hu-mano, portanto, muito para além da mera representação mimética. Como resultado desse novo modo de encarar o mundo começaram a surgir diver-sos tratados cientíicos, sobre temáticas relacionadas particularmente com as artes e, entre eles, os tratados de geometria e perspetiva que recupera-vam alguns estudos de diversos matemáticos gregos como os de Euclides, por exemplo. Esta atitude vai trazer inúmeras inovações no domínio da pintura graças à aplicação de regras matemáticas e geométricas em todo o processo de elaboração das obras de arte, nomeadamente no que se refere à construção rigorosa do espaço em perspectiva e à representação exacta das proporções, o que reforçava a ideia de que a pintura era «cosa mentale», como muito bem sublinhava Leonardo da Vinci nos seus escritos.Com estas considerações queremos salientar a importância da liga-ção entre a Arte e a Geometria justiicando, também, que as meticulosas composições realizadas pelos pintores tinham por base estudos geométri-cos de composição e que a sua utilização não se limitava somente a obter resultados inovadores no campo da perspectiva, da harmonia das formas, na ordem interna e na proporção dos vários elementos, mas era também — LUÍS ALBERTO CASIMIRO104CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESusada como modo de reforçar a mensagem iconográica subjacente. Para fundamentar esta nossa convicção iremos apresentar exemplos consideran-do três vertentes: a perspectiva linear, a construção de rectângulos e suas divisões internas e determinadas iguras geométricas.1- Perspetiva LinearAs experiências pictóricas de Filippo Brunelleschi (1377-1446) sobre a perspectiva, realizadas em Florença, foram o ponto de partida para que os artistas compreendessem como realizar pinturas que criassem no observador a ilusão da profundidade espacial. Porém, foi Leon Battista Alberti (1404-1472) quem logrou o feito de sistematizar as regras do processo de construção de um espaço em perspetiva e que viria a inluenciar gerações de artistas duran-te vários séculos. No seu tratado Della Pittura (1435), Alberti desenvolveu um método, algo complexo, mas rigoroso em termos geométricos, propondo três etapas necessárias para a construção perspética do espaço pictórico, tendo como base os ladrilhos regulares de um pavimento que funcionava como se se tratasse de um tabuleiro de xadrez. A primeira etapa consistia em fazer o desenho da vista frontal desse espaço axadrezado, sobre uma superfície «vertical» que era considerada como sendo o plano de interseção dos raios visuais, tal como se pode ver na igura1, da nossa autoria.No fundo, tal superfície não seria mais que o plano do quadro onde se representa o que os olhos vislumbram e se materializa a pintura. Uma vez desenhada a linha do horizonte, sobre ela considerava o ponto de fuga e, na linha de base, assinalava as divisões que se pretendiam deinir neste pavimen-to como se se tratasse de um verdadeiro «tabuleiro de xadrez» (marcadas na igura com pontos vermelhos). O passo seguinte consistia em unir cada um desses pontos ao ponto de fuga por meio de segmentos denominados «linhas de fuga». Ficava por deter-minar a colocação exacta das linhas paralelas ao plano do quadro, de forma a deinirem as várias quadrículas do pavimento, cujas dimensões iam diminuin-do à medida que aumentava a distância em relação ao observador, tal como era percebido na realidade. O desenho rigoroso dessas linhas horizontais constituía, até então, a maior diiculdade para os artistas que as calculavam segundo normas arbitrárias, pois não tinha sido ainda criado um procedimen-to para deinir, com rigor matemático, a proporção em que o espaço deveria diminuir à medida que se caminhava para o «ininito».Alberti resolveu esta questão recorrendo a uma construção auxiliar: a vista de peril. O observador situava-se agora de modo a que fosse desenhado de peril o plano do quadro como se pode ver no lado esquerdo da igura 1. Os raios visuais que partem do olho do observador e se dirigem para cada um dos pontos do pavimento (marcados a vermelho) interceptam o plano do quadro e determinam as divisões assinaladas a verde1. A marcação destes pontos reveste-se da maior importância pois será através deles que, de uma 105— LUÍS ALBERTO CASIMIROforma rigorosa, se consegue determinar as linhas horizontais a im de se obter o espaço construído rigorosamente em perspectiva linear.A construção inal, correspondente à terceira etapa descrita por Alberti, resulta da conjugação das duas construções anteriores. Nesta fase são desenhadas as linhas paralelas ao plano do qua-dro a partir dos pontos verdes obtidos na etapa anterior e, assim, se consegue obter o desenho rigoroso de um espaço em perspectiva. A com-provação de que esta construção estaria correta poderia ser obtida mediante uma construção auxiliar. Caso o desenho estivesse correto, o traçado das diagonais das «quadrículas» dese-nhadas no pavimento (linhas amarelas na igu-ra 1) deveriam não só constituir a diagonal de todos os espaços que atravessam, como conluir para um único ponto situado sobre a linha do horizonte, o denominado «Ponto de Distância» pois ele fornece, na verdade, a distância a que o observador se encontra do plano do quadro. A construção desenhada na igura 1 veriica estas circunstâncias, pelo que poderemos concluir que se trata de um espaço correctamente desenhado em perspectiva segundo o método de Alberti. A aplicação correta deste esquema construtivo deverá ter como resultado que a medida entre o Ponto de Fuga e o Ponto de Distância deve ser exactamente igual à distância entre o Observador Figura 1 – Construção de um espaço em perspectiva e elementos da perspectiva linear106CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESe o Plano do Quadro na vista de peril. De facto assim acontece como pode ser comprovado na igura 1 através das setas a azul, indicando, portanto, que estamos perante a construção rigorosa de um espaço em perspectiva.Vários desenhos e pinturas inacabadas realizados por artistas do Renas-cimento comprovam que a construção do espaço em perspectiva era obtida mediante este tipo de recursos, como pode ser constatado em certos desenhos de Paolo Uccello (1397-1475) e de Leonardo da Vinci (1452-1519) nos quais, entre os vários elementos básicos que integram a perspectiva linear a que nos referimos, se destacam as linhas de fuga, o ponto de fuga, a linha do horizonte. Importa chamar a atenção para que o ponto de fuga principal, enquanto ponto de convergência do maior número de linhas de fuga (dado que pode existir mais de um ponto de fuga, recurso usado frequentemente para evitar grandes deformações perspécticas) torna-se um ponto para onde converge o olhar do observador de uma forma quase imediata e intuitiva, aspecto que se torna importante destacar atendendo aos objectivos deste nosso trabalho. De facto, em nossa opinião, os pintores, ao construíremrigorosamente o espaço em perspectiva para nele proporcionarem os diversos elementos da compo-sição, estavam não apenas a utilizar um recurso geométrico, mas também a atribuir ao ponto de fuga um signiicado especial. Para fundamentar este nosso ponto de vista apresentamos a igura 2, que ilustra a pintura da Anunciação, do Museu de Lamego, da autoria de Vasco Fernandes.Os diversos estudos que realizámos, comprovam a existência de uma construção geométrica rigorosa, bem como a utilização propositada de cer-tas iguras geométricas como teremos oportunidade de esclarecer. No que se refere à localização do ponto de fuga principal, assinalado no lado esquerdo da igura 2, veriicamos que ele se encontra exactamente sobre a cabeça da igura representada num pequeno painel por detrás da Virgem Maria. Pensa-mos não se tratar de uma simples coincidência pois, na verdade, a persona-gem representada nesse painel é Jesus que surge segundo a iconograia do Pantocrator. Esta representação coloca-o sentado no seu trono e segurando na mão esquerda o globo do Universo, enquanto que, com a direita, realiza o gesto oratório como se pode comprovar na imagem central da mesma igura 2. Dadas as reduzidas dimensões desse mesmo painel e a sua localização em plano secundário, a sua percepção poderia facilmente passar despercebida ao observador. Com a opção de colocar a igura de Jesus sobre o ponto de fuga, Vasco Fernandes consegue, de uma forma subtil, que o olhar do observador se foque no Filho de Deus que, no fundo, é a igura principal de toda a com-posição alusiva ao tema da pintura: a Encarnação do Verbo Divino anunciada pelo Arcanjo São Gabriel e representada em primeiro plano.Deste modo, o rigor construtivo da perspectiva linear permitiu colocar em destaque um importante elemento iconográico que, de outro, se tornaria se-cundário. Assim, a construção geométrica, no que se refere às linhas de fuga 107e ao ponto de fuga, contribuiu para reforçar o signiicado iconográico do tema da Anunciação, e sublinhar a importância da presença de Jesus no contexto da pintura.2- Construção de Rectângulos e suas Divisões HarmónicasA construção de determinados rectângulos e a utilização das respectivas divisões harmónicas, constitui outro dos aspetos relevantes que ilus-tram o modo como a geometria se encontrava presente na génese estrutural das pinturas e, por vezes, directamente ligada aos elementos icono-gráicos mais importantes contribuindo para re-forçar a mensagem iconográica. Assim, iremos proceder ao estudo de alguns dos rectângulos mais utilizados em pintura analisando o modo como são construídos, certas divisões internas e de que forma eles, efectivamente, condicionam a pintura e mesmo a mensagem iconográica. A nossa experiência de investigação no es-tudo dos rectângulos mostrou-nos que a forma mais directa para tentar determinar qual o tipo de rectângulo utilizado pelo pintor é calcular o seu «módulo». Este consiste num valor numérico Figura 2 – Anunciação (1506-1511) - Vasco Fernandes - Lamego, Museu Regional— LUÍS ALBERTO CASIMIRO108CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESque é obtido pela razão entre as dimensões da pintura e deine uma relação entre tais grandezas. Uma vez obtido esse número, ele pode ser comparado com os valores previamente determinados para os módulos dos principais rectângulos e que, para mais fácil consulta podem ser apresentados numa tabela2. Apenas para referir alguns exemplos, o denominado Rectângulo √2 (raiz quadrada de 2) possui o módulo de 1,414; o Rectângulo √3 possui o mó-dulo de 1,732 enquanto o Rectângulo de Ouro possui como módulo o valor de 1,618. Por sua vez, o rectângulo conhecido por Sesquiáltero (ou Diapente) cujas proporções são de 3/2, tem como módulo 1,5 enquanto o rectângulo denominado por Sesquiquarta obedece às proporções 5/4 da qual resulta o módulo de 1,253. Um dos rectângulos mais conhecidos desde a Antiguidade Clássica é o designado Rectângulo de Ouro construído a partir de um quadrado de base e estudado já por Euclides (séc. IV a. C.) nos «Elementos»4. Esta igura desde cedo se tornou muito importante para artistas e arquitectos, não apenas pelas suas dimensões harmoniosas cujos lados se encontram divididos segundo a Divina Proporção, como pelas propriedades das divisões internas e que per-mitem obter diversas variantes dinâmicas muito apreciadas5.Um exemplo da utilização rigorosa deste rectângulo pode ser visto na pintura da Anunciação do Museu de Grão Vasco, em Viseu, que ilustramos na igura 3. Com efeito, esta pintura possui as dimensões de A. 131 x L. 81 cm, das quais resulta o módulo6 de 1,617. Veriicamos que o módulo do Rec-tângulo de Ouro é de 1,618 o que dá uma diferença de uma milésima entre os dois valores. Assim, se construirmos um Rectângulo de Ouro com 81 cm de lado menor, o lado maior resultaria com a medida de 131,058 cm ou seja uma diferença inferior a um milímetro, portanto absolutamente insigniicante perante as dimensões da pintura de Viseu.O rigor envolvido nas dimensões da pintura leva-nos a concluir que, com muita probabilidade, o Rectângulo de Ouro foi usado intencionalmente como marco da pintura. Sendo assim seria natural que também algumas das suas divisões internas fossem utilizadas pelo artista. Tal conirmação pode ser feita mediante a determinação dos elementos básicos da perspectiva linear: a linha do horizonte, o ponto de fuga e as linhas de fuga, tal como se ilustra na igura 3. Curiosamente veriicámos que tanto a linha do horizon-te como, por consequência, o ponto de fuga principal (F1), se situam sobre o segmento horizontal que faz parte do quadrado inicial empregue para a construção do Rectângulo de Ouro. Esta situação parece-nos ser intencional e, portanto, somos levados a acreditar que a escolha das dimensões para esta pintura privilegiou o Rectângulo de Ouro e suas divisões internas, sendo estas usadas para a organização interna dos elementos da pintura.Um aspecto importante a salientar no processo construtivo do Rectân-gulo de Ouro é que se pode determinar, de imediato, no seu interior, os de-nominados «Pontos de Ouro», quatro no total, que resultam da intersecção 109dos segmentos que unem, perpendicularmente, a Secção Áurea dos lados7. Este procedimento ica mais claro através do método construtivo utilizado por Euclides e que ilustramos no lado esquerdo da igura 4. Após o rebatimento do segmento MD, em que M é o ponto intermé-dio do lado AH do quadrado inicial, efectua-se novo rebatimento, desta vez, do segmento GH, obtendo-se sobre o lado horizontal do quadra-do (HD) o Ponto de Ouro8. Chama-se a atenção para o facto dos pontos D e H coincidirem com a Secção Áurea dos lados maiores da constru-ção inal ACEG que constitui o Rectângulo de Ouro. Como é óbvio, efectuando este mesmo rebatimento para o segmento DE iria obter-se outro Ponto de Ouro sobre a mesma linha hori-zontal. O mesmo aconteceria para os segmentos correspondentes existentes na parte inferior do rectângulo podendo, assim, serem determinados quatro Pontos de Ouro. No caso de se tratar de rectângulos com outras dimensões, os Pontos de Ouro podem ser determinados através do cál-culo da Secção Áurea de cada um dos lados e, posteriormente, proceder à sua união. O Ponto de Ouro constitui um local do espaço pictórico para o qual, de forma inconsciente se dirige o olhar do observador. Para sabermos se os pintores conheciam e utilizavam, de facto, este recurso para salientar determinados elementos da composição, deter-minámos a Secção Áurea dos lados e procedemos à análise de algumas pinturas cujo resultado se ilustra nas iguras 4 a 6.Na pintura Adoração dos Reis Magos, de Diego Velázquez (1599-1660), ilustrada na i-gura 4, veriicamos que o artista posicionou a cabeça do Menino Jesus exactamente sobre umdos Pontos de Ouro, conduzindo para esse ponto a atenção do observador e, assim, subli-nhar a importância iconográica do Menino no contexto de toda a composição.Do mesmo modo, na obra Narciso e Eco, pin-tada por John William Waterhouse (1849-1917) Figura 3 – Anunciação (c. 1502-1505) – Oficina de Francisco HenriquesViseu, Museu Grão Vasco— LUÍS ALBERTO CASIMIRO110CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕES[igura 5], veriicamos que a cabeça de Narciso também se encontra num dos Pontos de Ouro, mostrando efectivamente que o artista preten-deu dar enfase a tal personagem e salientar o carácter dramático do episódio da lenda que inspirou a pintura.Por sua vez, Georges Seurat (1859-1891) utiliza também o Ponto de Ouro como centro privilegiado para a intercepção do mais desta-cado conjunto de linhas verticais e horizontais da pintura estruturando, assim, em termos geo-métricos, a sua composição mediante estes dois fortes eixos perpendiculares que unem pontos opostos da Secção Áurea assinalada sobre os lados da pintura. A frequência da utilização deste recurso mostra que não se trata de simples coincidên-cia, mas de uma intenção clara em utilizar a geo-metria como forma de reforçar o signiicado de certos elementos presentes e para eles chamar a atenção do observador.Figura 4 – Construção do Rectângulo de Ouro segundo Euclides. Adoração dos Reis Magos (1619) - Diego Velázquez - Madrid, Museo del Prado111Para comprovar a importância de conhecer o módulo de um rectângulo no processo da análise geométrica vamos utilizar a pintura da Anunciação da igreja matriz de Ferreirim e que ilustramos na igura 7. A pintura tem as seguintes dimensões: A. 128 x L. 91 cm, a que corresponde o módulo de 1,407. Entre os diversos módulos de rectângulos por nós estudados veriicámos que o Rectângulo √2 (raiz de 2) possui como módulo a grandeza 1,414 um valor aproxima-do até às centésimas em relação ao módulo da pintura em análise.Processo de construção do Rectângulo √2Para conirmar experimentalmente estes va-lores veriicamos que se construímos um Rectân-gulo √2, tendo por base um quadrado de 91 cm (a mesma medida da pintura em apreço) iríamos obter, para o lado maior, a medida de 128,67cm valor extremamente aproximado da altura que possui a pintura da Anunciação dos Mestres de Ferreirim. Partindo desta hipótese de trabalho e sobrepondo o Rectângulo √2 sobre a pintura, tal como se pode ver pelas linhas a vermelho na igura 7, constata-se que existe uma adapta-ção perfeita entre a construção geométrica e o Figura 5 – Narciso e Eco (1903) - John William Waterhouse - Liverpool, Walker GalleryFigura 6 - A ponte de Courbevoie - Georges Seurat (1885) - London, Courtland Institutes Galleries— LUÍS ALBERTO CASIMIRO112CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESespaço pictórico. Uma importante comprovação em favor da utilização deste rectângulo pelo ar-tista surgiu ao determinar o Ponto de Fuga (PF). Tal como no exemplo da igura 3, também neste caso se observa que o Ponto de Fuga se encon-tra situado sobre o lado superior do quadrado de base. A importância deste ponto continua a veriicar-se ao comprovar que a linha vertical que o atravessa serve de eixo para colocação do centro construtivo dos arcos da abóbada desenhada na parede de passagem entre a an-tecâmara e o quarto da Virgem Maria. Estamos, pois, convictos que não foi mero acaso a utiliza-ção do Rectângulo √2 mas que, de facto, ele foi usado pelos artistas como parte importante do esquema geométrico de composição.3- Figuras GeométricasPor im, nesta relação entre a Arte e a Geome-tria queremos analisar algumas iguras geométri-cas e demonstrar que elas podem ser utilizadas não só com o intuito de obter uma composição equilibrada e harmoniosa, mas também com o Figura 7 - Anunciação - Mestres de Ferreirim (c. 1534) - Ferreirim, Igreja do Convento. Processo de construção do Rectângulo √2113— LUÍS ALBERTO CASIMIROobjectivo de reforçar o signiicado iconográico dos elementos que enqua-dram. Para tal utilizaremos apenas três iguras: a circunferência, o quadrado e o denominado Triângulo de Ouro. Começamos por esclarecer o signiicado próprio de cada igura: a circun-ferência, sem princípio nem im, é considerada a igura geométrica perfeita. Com o seu centro omnipresente simboliza Deus, o céu e o divino9. O quadrado, por sua vez, representa a terra com os seus quatro pontos cardeais, os quatro rios do paraíso, os quatro ventos e os quatro elementos. É, portanto, símbolo do humano, do que é terreno e material10. O triângulo, em particular o triân-gulo equilátero, pelo facto de ser uma igura constituída por três lados e três ângulos iguais, representa a Santíssima Trindade: o Deus Uno e Trino que, de acordo com o dogma cristão, sem deixar de ser um único Deus é formado por três pessoas consubstanciais, iguais e distintas11. Este mesmo signiicado pode ser aplicado a todo o tipo de triângulo, nomeadamente ao Triângulo de Ouro que aqui será analisado. A interpretação referida para cada uma das iguras geométricas conside-radas isoladamente, pode ganhar novos matizes quando elas se encontram as-sociadas entre si. Assim, no caso da circunferência estar inscrita no interior do quadrado o simbolismo corresponde à conjugação dos respetivos signiicados: representa o divino que se insere, se integra, no humano. Todavia, quando o círculo está sobrepujando o quadrado, a nossa leitura aponta para o divino que se sobrepõe, orienta ou se revela ao humano. Apresentaremos alguns exemplos para ilustrar o modo como os pintores izeram uso de tais iguras geométricas a im de reforçar o signiicado iconográico dos elementos envolvidos ou até mesmo do sentido global da obra.Em primeiro lugar, ilustramos o caso do círculo que se inscreve no quadrado. Para tal recorremos à Anunciação de Vasco Fernandes do Museu de Lamego, representada na igura 2. A nossa pesquisa levou-nos a considerar a existência de um esquema geométrico de composição em que na base da pintura esta-ria um quadrado formado pelo lado menor do espaço pictórico envolvendo as personagens do Anjo Gabriel e da Virgem Maria. Justiicámos também que, dentro dele, se inscrevia o círculo o que seria sobretudo marcado pela postura e vestes da jovem de Nazaré12. De acordo com a Tradição da Igreja a Encarnação ocorre logo após a mãe de Jesus ter dado a sua anuência à proposta do anjo através das palavras “Ecce Ancilla Domini, iat mihi secundum verbum tuum” (Lc 1, 38). A partir desse ins-tante Jesus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, é concebido no seio da Virgem Maria, ou seja, encarna no ventre de sua mãe. Poderemos, portanto, concluir que, a partir de tal momento, a natureza divina se inscreveu na natureza humana. O assunto é propício a debates teológicos e não é difícil perceber que apresentaria grandes diiculdades para ser traduzido em termos iconográicos. Porém, a questão foi devidamente resolvida pelo artista recorrendo à geometria mediante a utilização da circunferência que se insere no interior do quadrado.114CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESCuriosamente, tal sucede não apenas no que se refere às duas personagens, mas também se verifica no padrão dos ladrilhos que formam o pavimento da habitação da Virgem: são formas quadradas nas quais se inscreve um círculo. Parece-nos que há, de facto, uma intenção claramente assumida em salientar este momento da história da humanidade: a Encarnação do Verbo Divino que, ao ser concebido no seio da Virgem de Nazaré, se insere na natureza humana. Este caso parece-nosser um exemplo conclusivo quanto ao facto das iguras geométricas serem utilizadas pelo seu signiicado próprio como reforço da mensagem iconográica que o artista pretende traduzir.Uma demonstração clara da utilização do círculo sobrepujando o quadra-do é-nos dada pela pintura do Baptismo de Jesus de Piero della Francesca (1415-1492) [igura 8]. Torna-se evidente a conjugação destas duas iguras geométricas, unidas pelo diâmetro do círculo onde se localiza a pomba, sím-bolo do Espírito Santo, e que estabelece a ligação entre o céu e a terra. Assim se pode entender em termos iconográicos que a acção humana do baptismo, levado a cabo por João, está sob a orientação, a proteção e a vontade divina simbolizadas pela forma semicircular do remate da pintura.Utilizamos ainda esta mesma pintura para salientar a última igura geo-métrica a que queremos fazer referência: o Triângulo de Ouro13, que ilustra-mos na igura 8.De acordo com as nossas pesquisas, em termos geométricos, realizadas sobre esta pintura de Piero della Francesca e aqui tornadas públicas pela pri-meira vez, entendemos que o Triângulo de Ouro se encontra desenhado sobre o tronco de Jesus tendo o vértice superior no centro do segmento comum às duas iguras geométricas, ponto esse onde também se situa a cabeça da pomba alusiva ao Espírito Santo. Por sua vez, os cotovelos de Jesus apoiam--se sobre o lado inferior do triângulo cujos vértices se encontram sobre o se-micírculo inferior. Veriica-se, ainda, que os braços estão orientados segundo os lados oblíquos do Triângulo de Ouro, enquanto os antebraços seguem a inclinação da mediatriz dos ângulos maiores. Estas linhas assinalam a Secção Áurea dos lados e tais pontos foram utilizados por Piero para nivelar a localiza-ção dos ombros como se pode ver através da construção ilustrada na igura 8. Piero della Francesca, além de pintor, foi um eminente matemático. Como tal, estamos convencidos que a utilização destes recursos geométricos, não constitui mera coincidência, mas antes foram empregues, conscientemente, como forma de proporcionar e reforçar o carácter sobrenatural da igura de Jesus. Com efeito assim lhe atribuiu uma presença mais importante e mais signiicativa que a igura de João, em consonância com a voz de Deus-Pai que, segundo os relatos bíblicos, se fez ouvir após o baptismo revelando a transcen-dência desta epifania aqui magistralmente plasmada por Piero. Estamos pois, perante um caso paradigmático da perfeita colaboração entre a Geometria e a Arte com resultados muito positivos em termos da harmonia da composição e do reforço do signiicado iconográico da obra de arte. 115— LUÍS ALBERTO CASIMIROConclusãoPerante os exemplos apresentados nos quais se torna clara a relação existente entre a Arte e as Ciências Exactas, nomeadamente a Geometria, veriicámos que os artistas em diferentes épo-cas se mostraram familiarizados com diversos recursos proporcionados pela geometria, desde a perspectiva linear, às regras de construção dos rectângulos, bem como com certos esquemas de composição baseados nas divisões internas do espaço pictórico até às principais figuras geométricas.Como tivemos oportunidade de demonstrar, tais conhecimentos foram aplicados de forma prática no campo da pintura determinando não apenas um esquema geométrico de composição como génese estrutural da obra de arte e permi-tindo aos pintores resolverem certos problemas da composição, mas também como forma de obterem obras mais equilibradas e devidamente proporcionadas. Além disso, na nossa interpre-tação concluímos, mediante diversos exemplos, que o emprego de tais recursos geométricos, Figura 8 - Baptismo de Cristo (c. 1450) - Piero della Francesca - London, National Gallery Pentágono e construção geométrica do Triângulo de Ouro116CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESnomeadamente, de certas iguras geométricas foi feito tendo em conta o seu signiicado simbólico próprio como forma de reforçarem a mensagem ico-nográica que pretendiam transmitir tanto em certos elementos particulares como na composição geral.Estamos convictos que a análise iconográica das obras de arte, realizada segundo os princípios do Método Iconográico proposto por Erwin Panofsky14 pode ser complementada pela aplicação do que denominámos por Método Geométrico, ou seja, uma abordagem complementar que tem em conta as possibilidades fornecidas pela Geometria com o objectivo de tentar determi-nar o esquema geométrico de composição, ou seja as opções do pintor no momento de elaborar a sua obra e, como tal, realizar, também, uma análise iconográica mais aprofundada.Notas1 Esta construção parte do prossuposto que existe unicamente um ponto de vista único e fixo: o observador verá apenas com um dos seus olhos e não se poderá mover, pois caso contrário alterará todo o sistema construtivo. Todas as construções partem deste princípio do ponto de vista único, tal como foi ilustrado nos cadernos de Leonardo da Vinci e como é também comprovado pela construção dos «perspectógrafos», máquinas para facilitar o desenho em perspectiva. Os princípios deste sistema permanecerão válidos durante séculos e só serão postos em causa no início do século XX com a pintura de Paul Cézanne.2 Estas conclusões e a tabela referida resultaram da nossa investigação para a Tese de Doutoramento e servem de base para os trabalhos dentro desta área. Ver: CASIMIRO, Luís Alberto Esteves dos Santos – A Anunciação do Senhor na Pintura Quinhentista Portuguesa. Porto: FLUP, 2004, Vol. I, p. 883-893. Tese disponível online a partir do seguinte endereço: http://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/18025.3 Tornando-se inviável explicar os termos e a construção desta categoria de rectângulos no espaço desta publicação, remetemos os leitores mais interessados nas pesquisas desta área para a consulta do Volume I da nossa Tese de Doutoramento, p. 889-893.4 Cf. EUCLIDES – Elementos. Madrid: Gredos, 1994, Livro VI, Proposição 30. A construção é apresentada também por BOULEAU, Charles – Tramas. La geometría secreta de los pintores. Madrid: Akal, 1996, p. 76.5 As aplicações práticas deste rectângulo e das suas propriedades foram amplamente estudadas por Jay Hambidge. Ver: HAMBIDGE, Jay – Practical Applications of Dynamic Symmetry. New York: The Devin-Adair Company, 19606 Como referimos, o módulo de um rectângulo é um valor numérico que quantifica a razão entre as dimensões dos seus lados. O módulo mantém-se, portanto, inalterável para rectângulos de lados proporcionais, permitindo, assim, perceber de imediato qual o tipo de rectângulo que está em análise.7 Habitualmente, a Secção Áurea de um segmento (também denominada por Divina Proporção) é assinalada pela letra grega F (phi), como homenagem ao escultor célebre grego Fídias (c. 480- 430 a. C.) letra que iremos utilizar em todo este trabalho para assinalar tais pontos.117— LUÍS ALBERTO CASIMIRO8 Cf. EUCLIDES – Elementos. Livro VI, Proposição 30. Esta mesma construção é também apresentada por BOULEAU, Charles – Tramas. La geometría secreta de los pintores. Madrid: Akal, 1996, p. 76.9 Cf. BIEDERMANN, Hans – Dicionário ilustrado de símbolos. São Paulo: Melhoramentos, 1999, p. 96-98.10 Ibidem, p. 97, 315.11 Ibidem, p. 368-369.12 A imagem da direita na figura 2 apresenta uma faixa vertical cinzenta do lado esquerdo. Com efeito, na nossa Tese de Doutoramento o estudo da perspectiva levou-nos a concluir a existência de um corte lateral do painel com 6 cm de largura, aspecto que neste contexto seria moroso explicar, mas que traduzimos mediante o acrescento feito na devida proporção. Essa alteração não afecta a determinação do Ponto de Fuga.13 Neste contexto, não se justifica explicar em pormenor a construção do Triângulo de Ouro. Todaviadada a importância das suas divisões internas podemos referir que este triângulo isósceles se encontra no interior do pentagrama sendo formado por um lado do pentágono e os segmentos que o unem ao vértice oposto. Verifica-se que o ângulo menor mede 36º enquanto cada um dos outros ângulos medem 72º. Traçando a linha mediatriz dos dois ângulos maiores (dividindo-os pois em dois ângulos de 36º), ela vai dividir os lados opostos do triângulo na sua respectiva Secção Áurea ou Divina Proporção, que assinalámos pela letra F.14 PANOFSKY, Erwin – Estudios sobre Iconología. 10ª edición. Madrid: Alianza Ed., 1994.Bibliografia CitadaALBERTI, Leon Batista – De la pintura y otros escritos sobre arte. Madrid: Tecnos, 1999.BIEDERMANN, Hans – Dicionário ilustrado de Símbolos. São Paulo: Melhoramentos, 1999.BOULEAU, Charles – Tramas. La geometría secreta de los pintores. Madrid: Akal, 1996.CASIMIRO, Luís Alberto Esteves dos Santos – A Anunciação do Senhor na Pintura Quinhentista Portuguesa (1500-1550). Análise Geométrica, Iconográfica e significado Iconológico. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, 2 vols.EUCLIDES – Elementos. Madrid: Gredos, 1994, vol. 2.HAMBIDGE, Jay – Practical Applications of Dynamic Symmetry. New York: The Devin-Adair Company, 1960.PANOFSKY, Erwin – Estudios sobre Iconología. 10ª edición. Madrid: Alianza Ed., 1994.Bibliografia ComplementarCAETANO, Joaquim de Oliveira – Maestro del retábulo de la Catedral de Viseo. In EL ARTE en la época del tratado de Tordesillas. Valhadolid: SVCTT/CNCDP, 1994, pp. 207-209 Catálogo.CARR-GOMM, Sarah – A linguagem secreta da arte. A explicação dos códigos e símbolos cifrados na pintura ocidental. Lisboa: Editorial Estampa, 2003.COMAR, Philippe – La perspective en jeu: les dessous de l’image. Evreux: Éditions Gallimard. D.L. 1996. Découvertes Gallimard Sciences, 138.118CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESDURER, Albrecht – De la Medida. Madrid: Ed. Akal, 2000. Fuentes de Arte, 16.ESTEBAN LORENTE, Juan Francisco – Tratado de Iconografia. Madrid: Istmo, 1990.FRANCESCA, Piero della – De la perspective en peinture. Paris: In Medias Res, 1998.FRANCISCO Henriques: Um pintor em Évora no tempo de D. Manuel I. 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Boletim da Academia Nacional de Belas Artes. IV (1938) 5-38.VIATOR, Johannes – De Artificiali Perspectiva. In IVINS, William Mills – On the Rationalization of Sight. New York: Da Capo Press, 1973. Fac-simile das edições de Toul em 1505 e 1509.Contactar autor (a) – luis.casimiro357@hotmail.com119J o ã o C a b e l e i r aArquitecto e Professor Auxiliar na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho. Responsável pela cadeira de Geometria e membro do Lab2Pt.In Portugal, the Perspectiva pictorum et architectorum (1693), by Andrea Pozzo, is shed both into scientific systematizations by Inácio Viera (1716), stating perspective principals and apparatus applied to the deception of the eye, along with the development of architectural illusions such as the Quadratura painted by Gonçalves Sena (1754), at Santarém’s Jesuit College, that openly asserts the pictorial resources of spatial visual manipulation. This article observes technical and formal strategies undertaken by Sena, whose work is consequent to: reatise circulation among the city’s elite (producing a Portuguese translation); local imagery demands (after the departure of Simões Ribeiro who introduced and mastered the local quadraturist production); assimilation of Pozzo’s aesthetic and technical model (via the roman treatise); or by request of the Ignatian community (materializing an imagery program coincident with the one implemented by Pozzo at the Collegio Romano church).Keywords: Quadratura, Architecture, Illusory Space, Perspective, Treatise, Society of Jesus, Andrea Pozzo, Gonçalves Sena, Santarém.IntroduçãoApesar das experiências no âmbito de uma Pintura Architecta,1 empreendidas por Francis-co Venegas ou António Bernardes nos séculos XVI e XVII, a Quadratura (nos seus fundamentos técnicos e conceptuais) só marca presença nos espaços nacionais a partir dos alvores do século XVIII. Um género pictórico, de declarada intenção arquitectónica, que interfere no espaço percebido corporalizando conteúdos da óptica, matemática e geometria. Sendo incontornável o referente italiano na implementação desta modalidade imagética e es-pacial, a sua origem não se encontra coninada à hegemonia de uma fonte sendo a prática nacional resolvida num hibridismo (Raggi 2004; Reis 2006) entre referentes consequentes à acção prática e formativa de mestres italianos ou a absorção de conteúdos teóricos e imagéticos por via da tratadística especializada. Assim sendo, surgem nomes formados na esteira de Vincenzo Bache-relli (1672-1745) como Vitorino Manuel Serra, António Pimenta Rolim, João Nunes de Abreu e António Lobo que constituem a primeira geração de quadraturistas nacionais. Simultaneamente, o sucesso editorial da Perspectiva pictorum et architectorum (1693), do Jesuíta Andrea Pozzo, repercute-se amplamente por via da máquina Ciência Perspéctica e Imaginário Arquitectónico, de Roma para a Província Portuguesa.120CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESpropagandística da Companhia de Jesus, res-soando em Portugal conforme se conirma pelas adopções coetâneas (Vieira 1716; Sanches 1716; Vasconcellos 1733) e traduções (Seixas 1732; Vilaça 1768; Vasconcellos c. 1730/45), a par da contaminação de obras coevas pelo léxico pre-sente nas ilustrações do tratado.Porém, o género não é exclusivo aos círculos da capital portuguesa expandindo-se a acção e gosto quadraturista a núcleos regionais que vacilamentre a adopção informada e uma transformação progressiva da técnica, linguagem arquitectónica e imaginário num processo de simpliicação, redução e hibridação dos modelos. Em Santarém, António Simões Ribeiro (c. 1680-1755), formado na esteira da produção lisboeta, desenvolve experiências que denunciam ciência e capacidade técnica na aplicação dos formulários bacherellianos introdu-zidos na capital durante a década anterior e que, posteriormente, Luís Gonçalves Sena (1713-90) cruza com a estética de Pozzo. É precisamente a Assunção da Virgem (1754) de Sena (Imagem 1), para a abóbada da capela-mor do Colégio Jesuíta de Santarém, trazida a lume por estudos recentes no âmbito da história de arte (Mello 2002; Raggi 2004) a par da análise demorada da sua dimen-são arquitectónica e projectiva (Cabeleira 2015), que aqui nos interessa aprofundar. Imagem 1 - Confronto entre a Entrada de Santo Inácio no Paraíso (1691-94) de Pozzo e a Assunção da Virgem (1754) de Sena executando a transformação da imagem de Pozzo (compressão do nível das colunas) para ajuste entre alinhamentos horizontais que definem a construção (pavimento da galeria, balaustrada, cornija e frontão). Fonte: JC121— JOÃO CABELEIRAAvaliando-se a obra de Sena no âmbito da absorção e manipulação de modelos, nomeadamente o de Pozzo (1693, 1700), explora-se o potencial da tratadística especializada, na difusão técnica, imagética e conceptual da qua-dratura permitindo à comunidade inaciana de um núcleo regional, no caso a do colégio de Santarém, levar a cabo programa imagético concordante ao da sua congénere romana. Uma indagação sob a qual importa, na continuidade da nossa análise incluída em Cabeleira (2015) descortinar como é que a Casa Professa poderá ter interferido na importação da imagem desta quadratura? Em que sentido a formação de Sena, fundada no estudo da tratadística, con-dicionou o resultado imagético da obra? E, até que ponto a obra se subordina ou liberta dos modelos absorvidos? A construção de um gosto espacialNo início do século XVIII o ambiente escalabitano encontra-se em agita-da renovação intelectual e estilística assistindo-se, em alinhamento com os principais centros nacionais, à passagem de uma pintura de tectos tendencial-mente plana e decorativa para uma outra de acentuada tridimensionalidade e intenção arquitectónica. Em Santarém, o ensaio de arquitecturas perspectivadas é inaugurado com o tecto da nave (1710-23) da igreja do Colégio de Nossa Senhora da Con-ceição que, apesar de impressionante na sua dimensão (40,0x14,6m) e força decorativa, revela ainda um domínio instável de regras basilares da perspec-tiva. A multiplicação de pontos de convergência e a variabilidade de critérios concorrem na deinição de uma estrutura perspéctica incoerente que impos-sibilita a agregação do representado e, consequentemente, a anulação do plano pictórico. Porém, ressaltam daí pretensões de um imaginário igualmente presente, na contextura local, na produção de aparatos efémeros e cénicos que, servindo de suporte à retórica visual subjacente a festividades regulares e extraordinárias, atestam a circulação de valores imagéticos da cultura barroca.Na Relação sumaria das festas (1728), acerca dos festejos em honra da ca-nonização dos santos Jesuítas Gonzaga e Kostka, descrevem-se mecanismos imagéticos e espaciais de suporte ao evento. Centrando-se a comemoração no Colégio, o documento revela o recurso a iguras de luzes (transformando o frontispício da igreja do colégio), pintura (tornando presente a igura dos santos), tragicomédia (dando vida aos feitos veneráveis) e aparatos de falsas arquitecturas que, na linha do ideário dos theatrum Sacrum, digniicam a cape-la-mor e capelas laterais do templo, ainda não concluídas à época. Da descri-ção ressalta a intencionalidade arquitectónica dos aparatos dando a perceber a sua eicácia na sugestão de tridimensionalidade, agradável engano do olhar que só do tacto iava a experiencia (Relação 1728, 11).Paralelamente, na igreja do Hospital da Ordem Terceira de São Francis-co (1723), António Simões Ribeiro concluíra o programa quadraturista para o intradorso da abóbada do subcoro e sete das capelas laterais da igreja. Em 122CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕEScoerência com a autonomia de cada uma das entidades arquitectónicas e correspondente programa arquitectónico ilusório, decorativo e iconográico, Ribeiro deine estruturas perspécticas autónomas. As composições revelam um léxico assente em falsas cartelas, cornjas, molduras, balcões e balaustra-das preenchendo os vazios com grinaldas e lorões segundo um esquema que dadas as exíguas dimensões em que opera não conduzem o olhar além da espessura da construção, servindo as falsas arquitecturas mais à deini-ção de um aparato decorativo do que a um efectivo arrombamento espacial. Contudo, excepção deverá ser feita às capelas de S. Luís Rei de França e da Glória do Espírito Santo onde a representação se articula com a construção sugerindo a dissolução das superfícies numa extensão vertical e lateral, que dilata a coniguração e limite do espaço percebido. Espaço arquitectónico pintado.Se a introdução do gosto quadraturista actualizado e informado tem, em Santarém, Ribeiro como principal agente, a meados da centúria a produção é deinida por Sena cuja obra para a abóbada da capela-mor da igreja do Colé-gio da Companhia de Jesus marca o momento máximo da produção local e, simultaneamente, o im deste tipo de operação imagética e espacial. Luís Gonçalves Sena nasce em Santarém em 1713, recebendo aí formação com todas as limitações implícitas à província, conforme evidencia Benedicto (1791, 5) no elogio fúnebre do autor. Neste panorama, a sua aprendizagem resultará de um espírito autodidacta que o orienta numa multiplicidade de géneros, “hum perfeito Florista, hum peregrino Paizista, hum magniico Figuris-ta, hum excellente Retratista, e sábio Perspectivo”, conforme Benedicto (1791, 10), cumprindo a regra dos artistas de província desarredados dos círculos especializados da capital. Face ao constrangimento da província, o pintor trata de formar livraria reunindo as obras que o informam na arte da pintura (BENEDICTO 1791, 8), seja em relação à codiicação cientíica de suporte à prática, nomeadamente o conhecimento em geometria e perspectiva, a par do estudo em iconograia cujos manuais o informam sobre os temas, histórias e lógicas imagéticas. Não nos debruçando sobre a sua prática enquanto pintor de cavalete, veriica-se que entre os anos de 1748 (tecto da sacristia da Misericórdia de Santarém) e 1754 (tecto da capela-mor do Colégio Jesuíta escalabitano) Sena desenvolve claras capacidades técnicas para avançar na execução de pers-pectivas arquitectónicas. Mas, como terá o autor progredido de um formulário plano ao domínio da grande imagem de espaço? A progressão detectada poderá ser consequente a: demandas geradas com a partida de Simões Ribeiro para o Brasil, que introduzira e dominara a produção quadraturista local; a assimilação do modelo estético e técnico de Pozzo, por via da tratadística especializada; ou a imposição de modelo por parte dos inacianos que desejam concretizar para a sua casa programa imagético à 123— JOÃO CABELEIRAluz do realizado para a igreja do Collegio Romano. Um avanço que evidencia uma forte consciência espacial, integrando desígnios de ilusão e transforma-ção do suporte pictórico regulados pela ciência perspéctica. Do arco temporal relativo a este salto técnico e conceptual dever-se-ão referir três obras de Sena que, embora desaparecidas e sem uma datação precisa, podem contribuir para clariicar este avanço na apreensão do modelo técnico da quadratura. Referimo-nos ao tecto em perspectiva do subcoro do convento de S. Domingos dos Frades (c.1750), ou ainda,da segunda metade do século XVIII, os tectos da capela-mor e nave da Igreja de S. Martinho a par do tecto da nave da Igreja do Salvador, todas em Santarém. A partir da informa-ção registada pelo cónego Joaquim Duarte Dias, e analisada por Mello (2001, 118) revela-se a apetência das obras na anulação da curvatura das abóbadas, testando-se mecanismos de transformação perceptiva do suporte pictórico através do recurso a falsa balaustrada frequentemente enunciada e ilustrada pela tratadística, como patente em Dubreuil (1649, 54) ou Pozzo (1700, Figura 88ª). Contudo, se o templo de S. Martinho teria pintura anterior ou, pelo menos, projecto de Ribeiro (já que a descrição do cónego coincide com o esquema incluído na Primeira parte de prospectiva de Pintores e Arquitectura, f.110v, e o qual é identiicado como sendo de Ribeiro)2 o certo é a observação e estudo do legado de Ribeiro terá feito certamente parte do percurso formativo de Sena.Retomando a abóbada da capela-mor do Colégio Jesuíta escalabitano, a obra assevera abertamente as intenções da propaganda jesuíta expressas na potenciação da imagem como “(…) brilhantíssimo espelho das virtudes, hum lagello rhetorico, e mudo dos vícios, e hum espirituoso incentivo para a per-feiçaõ Moral, e Politica do Varaõ sábio, e catholico.” (BENEDICTO 1791, 14). Simultaneamente, o mesmo autor vincula Sena aos domínios exigidos pela quadratura, nomeadamente a composição arquitectónica e destreza pers-péctica, classiicando-o Arquitecto: “(…) quem duvidará de ser este ingénuo Pintor hum grande Architecto, ou Perspectivo, vendo a Capella mór da magni-ica Igreja, (…) Aonde elle com a maior nobreza mostrou em perspectiva todos os poderes da Arte” (BENEDICTO 1791, 11). Deste modo, Sena ultrapassa ao olhar e entendimento dos seus contemporâneos a condição de pintor para, ainda que a partir de conhecimentos, técnicas e matéria pictórica, operar no âmbito do espaço. Formulação técnica da perspectiva em portugal. Os conteúdos de Perspectia pictorum et architectorum (1693) repercu-tem-se em Portugal marcando presença nos manuscritos de Inácio Vieira, no-meadamente o Tractado de Prospectiva (1716), e sendo difundidos por via da acção deste matemático jesuíta na Aula da Sphera do Colégio de Santo Antão de Lisboa. O tratado romano é ainda citado, acerca da teoria das ordens, por José Sanches, Perspectiva Matemática Assombrada Aos Rayos (1716) ou Iná-cio da Piedade Vasconcellos, Artefactos symetriacos e geométricos (1733), 124CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESpodendo-se airmar que a obra de Pozzo era conhecida, estudada e divulgada em Portugal ainda antes das traduções para português que, contudo, perma-neceram inéditas e manuscritas. A primeira das traduções, Prespectiva de pintores & architetos (1732), com-preende ambos os tomos da obra. Porém, ainda que o primeiro seja traduzido pelo Padre João Saraiva e o segundo pelo Arquitecto José de Figueiredo Sei-xas, o aspecto do documento leva a crer que esta tradução poderia ter servido de apoio teórico na execução de quadraturas, aparatos cénicos e projectos arquitectónicos (face à colaboração de Seixas com Nicolau Nasoni), conforme anotações e acréscimos clariicando a sequência operativa exposta e ampla-mente analisada por Trindade (2008). Igual propósito terá desempenhado a tradução empreendida por Frei José Vilaça, Libro de Prespectiva e hé tamben de Architetura (1768) tal como a Primeira parte de prospectiva de Pintores e Ar-quitectura (c. 1730/45), que inclui na sequência do manuscrito uma digressão por assuntos relativos à escultura. Porém, a atribuição desta última tradução oscila entre o Padre Manuel Pereira, segundo Serrão (2003), Luís Gonçalves Sena, conforme Raggi (2004, 593), e Inácio da Piedade de Vasconcellos, por Cabeleira (2015, 311), sendo que, apesar das diferenças o documento resul-tará com certeza do inluxo gerado a partir do Colégio Jesuíta de Santarém, logo coincidente ao círculo em que opera Sena.A par da recepção do tratado de Pozzo em Portugal, simultâneo à intro-dução da prática da quadratura por mestres italianos, só a partir de inícios do século XVIII se conhecem trabalhos de monta na ordenação teórico/prática da ciência perspéctica, excepção seja feita ao manuscrito quinhentista de António Rodrigues. Neste processo o Tractado da Óptica (1714), Tractado de Prospectiva (1716), Tractado da Catóptrica (1716) e Tractado de Dióptrica (c. 1717) de Inácio Vieira, e o Tratado Matemático que contem a Óptica especulativa e prática ou perspectiva (1709) de Domingos Vieira revelam a assimilação e sistematização de conteúdos da tratadística disponível difundida a partir das lições da Aula da Sphera e da Aula da fortiicação, respectivamente. Se a obra de Domingos Vieira incide na matéria útil à Arte Militar (posição seguida por Azevedo Fortes, também do círculo da Academia Militar, numa breve incursão pela perspectiva no Tratado do modo mais fácil e exato de fazer as cartas geográicas de 1722), Inácio Vieira examina, na sequência dos quatro tratados, as condições da visão e interpretação gráica do visto direccionando conteúdos à prática da representação. Mas se a prática poderia ser aplicável ao campo da resolução e antevisão da construção, a obra de Inácio Vieira valoriza lógicas imagéticas que permitem, a partir da pintura, quadratura e cenograia, conformar um espaço sensitivo (Imagem 2). Neste âmbito a perspectiva versa na simulação de aparências ao invés do registo exacto e cientíico do mundo concreto. Uma abordagem que implica um profundo conhecimento da pers-pectiva naturalis e perspectiva artiicialis exortando a maravilha da natureza e o prodígio da produção artística e cientíica no engano do olhar. 125— JOÃO CABELEIRANesta linha os conteúdos da perspectiva são orientados ao simulacro espacial perseguindo a visão de um mundo imaginário, desaiador de lógicas perceptivas e racionais. A ciência perspéc-tica é assim tomada como instrumento da acção espacial em que através da matéria pictórica se exploram capacidades propositivas da imagem quadraturista operando no âmbito da arquitectura.A assimilação do modelo romano às circuns-tâncias locais. Perseguindo a compreensão da quadratu-ra de Sena nas suas valências compositivas, or-namentais, estruturais e espaciais, surgem-nos coincidências com modelos difundidos no Tomo I de Perspectia pictorum et architectorum (1693) e cujo acesso por parte do autor se aigura como Imagem 2 - Redesenho das figuras 282 e 283 de Vieira (1716), nas quais se propõe a simulação perspéctica, de sotto in sú, de um espaço quadrado e circular. Fonte: JC126CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESseguro a julgar pela sua circulação entre a elite escalabitana. Confrontando a imagem de Sena com as ar-quitecturas imaginárias que conferem espacialida-de à Entrada de Santo Inácio no Paraíso (1691-94), produzidas para o templo romano de Santo Inácio por Pozzo, é evidente a iliação ao referente italiano. Uma coincidência entre a quadratura escalabitana e as iguras 98ª e 99ª do tomo I de Pozzo (1693), forjada na simultaneidade de tratamento da ba-laustrada, modelação do arco e frontão, recorte e modinatura da cornja e disposição das colunas coríntias que balizam o vão central (imagem 3). Contudo, o sincronismo detectado não é directo sendo que Sena ajusta o modelo às circunstâncias espaciais em que opera, seja ao nível da resolução da estrutura perspéctica (ajuste do centro projectivo à relação entre observador e superfície de projec-ção, a par da abrangência da imagem dentro do cone visual) coadunação de escala (dimensão e coniguração do suporte tectónico à quadratura), como da resolução compositiva (integrando outros referentesformais e alinhando o espaço proposto à prática construtiva coetânea).Neste processo é evidente a reorganização da planta, em função de um espaço rectangular com menor desenvolvimento longitudinal, e reconigu-ração dos alçados, ainda que manifestando arranjos similares. Por outro lado, atendendo à conigura-ção do suporte pictórico reduz-se a profundidade Imagem 3 - Confronto da perspectiva de Sena com a figura 99ª de Perspectiva pictorum et architectorum (1693, Roma) a partir de ambos os eixos de composição Fonte: JC127— JOÃO CABELEIRAaparente do primeiro nível, que na obra de Pozzo servia à integração de lunetas e janelões laterais, simpliicado em função de mênsulas que balan-çam a falsa construção e encetam a indução do impulso vertical. Por im, na compatibilização de escala da imagem ao espaço da capela, e ajuste a um menor distanciamento entre a abóbada e o olhar, comprimem-se elementos da estrutura delineada. Se o espaço físico é menor, os factos representados sofrem uma redução proporcional que, do confronto gráico das obras, se correspon-de à compressão dos fustes em 2/3 face aos ele-mentos homólogos do modelo. Também, dada a menor dimensão do espaço o olhar é condicionado verticalmente anulando-se extensões laterais do espaço virtual. Assim, enquanto na obra de Pozzo os arcos triunfais exprimem a espessura aparente da construção vislumbrando-se o céu por detrás do arco, Sena encerra a visão prolongando o in-tradorso dos falsos arcos (imagem 4).Ainda nesta sequência, o autor escalabitano revê a paleta cromática (na caracterização material das falsas arquitecturas) e iguração (vinculada a distinto programa iconográico). Sendo as ilustra-ções do tratado despojadas de cor, ou de anotações respeitantes a estas, a paleta empregue subordi-na-se a vínculos com a matéria construída. Uma relação imprescindível à síntese pretendida entre construído e representado capacitando a materia-lidade induzida de verosimilhança com a materia-lidade concreta do espaço de suporte. Assim, se o mármore claro e homogéneo do templo romano de Santo Inácio se relecte nas cores empregues por Pozzo na caracterização da estrutura ilusória, Sena explora uma ampla e vigorosa paleta capaz de responder a apetecidas continuidades com a envolvente física fortemente qualiicada por em-brechados de mármore, madeira policromada e falsos fundais marmóreos. Da observação do tratado de Pozzo, além das iguras relativas ao tecto de Santo Inácio sobressai da igura 89ª uma matriz compositiva coinciden-te ao nível da métrica e relações proporcionais Imagem 4 - Reconstrução de hipotético pro-jecto do espaço ilusório de Sena a partir de confronto com a planta e alçados da figura 96ª de Perspectiva pictorum et architectorum (1693, Roma) considerando a reorganização da planta e rearranjo dos alçados operados pelo pintor português. 128CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESe compositivas das falsas arquitecturas de Sena (imagem 5). A partir de uma mesma lógica de al-çados, ordenados por amplo vão central ladeado de módulos de menores dimensões, Sena explora o tema moderno da serliana ajustado à combina-tória barroca, adoptando em simultâneo elemen-tos coríntios e compósitos, em linha com a prática construtiva coeva.Se a caracterização dos módulos laterais aponta já caminhos distintos entre Pozzo e Sena (a substituição do nicho de linguagem clássica por amplo vão de verga recta em cuja profundidade se detecta a espessura da parede), a grande dife-rença reside no perímetro ao nível do pavimento dos balcões e balaustradas. No caso da igura 89ª os eixos são valorizados por balcões convexos se-micirculares, ladeados por mênsulas binárias que recortam a modinatura da laje. Na proposta de Sena os balcões são rectos permitindo maior am-plitude visual ao espaço central dando a perceber o desenvolvimento em profundidade da constru-ção ilusória. Percorrendo as diferenças dever-se-á apontar a variação intercalada dos alçados (que Imagem 5 – sobreposição à fig 89ª de Perspectiva pictorum et architectorum (1693, Roma) com elementos homólogos (esboço perspéctico e perfil) definidos a partir da desconstrução de Assunção da Virgem (1754, Santarém) evidenciando a proximidade à matriz. Fonte: JC129— JOÃO CABELEIRAna igura 89ª são equivalentes e que Sena distingue alternadamente), remate em profundidade da composição (a cimalha contínua empregue por Pozzo e a introdução de recortes por Sena), o apoio da coluna que organiza os módu-los (substituindo o pintor português a mênsula binária por uma única de maior dimensão e com peril de maior ondulação) e a rotação entre planos (retirando-se a coluna no ângulo dos alçados e ajustando a proporção do talhe da cornja).À variação alternada dos alçados Sena não só inverte o seu posicionamento (os arcos do eixo transversal de uma correspondem aos do eixo longitudinal da outra, e vice-versa) como altera a coniguração dos seus remates. Se os arcos do eixo transversal da quadratura romana são delimitados por entablamento recto, em Santarém sobrepõe-se ao entablamento frontão contracurvado re-cortado, enquanto aos arcos do eixo longitudinal da igura de Pozzo se suprime a platibanda lateral (opção que aliás o autor italiano toma na pintura do tecto ainda que no tratado apareça delineado de modo distinto) recortando-se em Santarém o frontão, pilastras e aletas contra o céu. Mas se a igura 89ª de Pozzo serve de matriz reguladora ao espaço imagi-nário, forçando um sistema de vocação centralizante, na igura 86ª detectamos uma estrita coincidência entre a sequência mênsula, plinto, coluna, capitel e cornja aí representada e aquela empregue por Sena. O elemento além de ser-vir a valorização tridimensional do alçado, marcação modular e reconiguração do perímetro espacial é ainda, apesar da compressão do fuste face a constran-gimentos de escala do espaço em que Sena opera, o factor mais decisivo no aparente impulso vertical proporcionado pela quadratura. Se os contornos do elemento conduzem o olhar para além da abóbada, a sua intencionalidade é acelerada por se libertar do alinhamento da parede (consequente ao balanço da mênsula que a suporta) e pelo contraste cromático com a construção que lhe serve de fundo (entre o falso mármore verde do fuste e o rosa da construção). Do mesmo modo os arcos laterais delineados por Sena denotam uma clara i-liação no frontão das iguras 32ª a 35ª de Pozzo, um modelo ajustado segundo eliminação das iguras, anjos ou fogaréus que, dada a dimensão da abóbada escalabitana, perturbariam a percepção do céu aberto. Remetendo ainda ao mesmo formulário de referência as mênsulas da igura 79ª aproximam-se dos elementos equivalentes que suportam toda a construção ilusória ou apoiam o lintel recto de cada um dos nichos dos módulos laterais dos alçados (Imagem 6).Porém, neste processo de assemblagem levado a cabo por Sena surgem ainda elementos externos ao formulário da perspectiva de Pozzo. Referimo-nos tanto às altas mísulas que balizam os arcos do módulo central, coincidentes a elementos homólogos que modulam as galerias do corpo da igreja do Meni-no-Deus (1711) e as arquitecturas ilusórias (1731) no tecto do mesmo templo de Lisboa, a par do emprego de um frontão contracurvado, o qual revela a li-bertação da matriz pozziana para integrar o léxico da experiência construtiva e decorativa coeva fortemente inluenciada pelo tratado de Domenico Rossi, Studio d’architettura civile (1702, 1711, 1721). 130CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESPerante estas ligações o autor revela capa-cidades de absorção e assimilação do formulá-rio arquitectónico e decorativo coevo (de nítida filiação num barroco romano actualizado)ou da produção quadraturista nacional. Verte-se assim sobre a imagem arquitectónica a experiência es-pacial e formal que caracteriza a contextura em que Sena se move. Importante desta sincronia é ainda a capacidade de, sobre o modelo pozzia-no apreendido, dotar as arquitecturas represen-tadas de um espírito feérico mais próximo da matriz emiliana que domina o gosto e modelo que emana a partir dos círculos eruditos da ca-pital. Uma referência patente na proliferação de lorões e grinaldas (suspensas dos arcos, como ornados de gala, ou ostentados por putti) ou à vibração cromática do conjunto que se coordena tanto com a policromia das madeiras e embutidos marmóreos que caracterizam o espaço interno da capela, e sentido de gloriicação subjacente à iconograia.O espaço da ilusãoMas se até aqui evidenciamos as fontes do formulário arquitectónico aplicado por Sena, como é que se organiza e conigura o espaço representado? Que relação estabelece o espaço Imagem 6 - Confronto entre a fig 89ª de Perspectiva pictorum et architectorum (1693, Roma) e esboço perspéctico de Assunção da Virgem (1754, Santarém) sobrepondo-se, à direita, elementos provenientes das figuras 80ª, 86ª e 99ª de Pozzo (1693, Roma). Fonte: JC131— JOÃO CABELEIRAinduzido pela quadratura com a construção que lhe serve de suporte?O processo de anulação da curvatura da abó-bada organiza-se a partir da sanca de madeira policromada que remata os planos laterais da capela-mor. Alicerçando-se a estrutura ilusória nos planos laterais da construção induz-se, simul-taneamente, a sua extensão vertical e contracção do perímetro através de falsas mênsulas que ser-vem de recurso à passagem entre alinhamentos e modulação ixada pelo lambrim marmóreo, pilastras e sanca de madeira policromada, e a lógica compositiva induzida pelas arquitecturas imaginárias transformando e alternando ritmos e relações entre cheios e vazios (imagem 7).A eixo dos planos laterais da capela-mor, coroando a pilastra central de madeira policro-mada, Sena delineia uma grande concha que trava o impulso vertical da pilastra e serve, pelo seu balanço oblíquo, de apoio aos falsos balcões tensionando transversalmente o espaço induzi-do. Lateralmente a concha é balizada por três mênsulas: uma central, de maiores dimensões e alinhada a eixo do vão das tribunas abertas à ca-pela-mor, cujo movimento contracurvado reforça o seu balanço e impulso vertical; e duas menores, ladeando a anterior, com peril de voluta susten-tada por querubim que reforçam a aparência de uma solidez estrutural. O valor das mênsulas é enfatizado pela cor sendo as menores de ama-relo ouro, coincidindo com o papo de rola que faz a transição entre a extensão do plano vertical da parede e soito da falsa galeria. Já a mênsula maior, de falso mármore branco, coincide na sua coloração e modinatura com o balcão envolvente conferindo continuidade com o nível sucessivo e servindo de base ao alinhamento vertical que gere a falsa construção.Neste sentido enquanto a disposição das mênsulas serve simultaneamente lógicas da cons-trução e das arquitecturas perspectivadas (ampa-rando o peso da falsa construção e depositando-o a eixo dos vãos das tribunas), o espaço erguido Imagem 7 - Esquema interpretativo, sobre alçado lateral da capela-mor expondo relações rítmicas, alinhamentos e relação entre cheios e vazios do construído e proposta arquitectónica ilusória. Fonte: JC132CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESacima destas rompe com lógicas compositivas da capela redimensionando-se e recompondo--se em função de sequências métricas, rítmicas e formais libertas dos constrangimentos do edii-cado acentuando dissonâncias construtivas. É na contradição tectónica consequente à alternância cruzada de vazios, transferência cruzada de apoios, rotação de eixos e reconiguração da métrica e valor plástico das formas, que se permite a alte-ração de lógicas compositivas.À estrutura visual unidireccional definida pela construção sobrepõe-se uma outra redireccionando o enfoque visual ao eixo vertical que extravasa o intradorso da abóbada e se prolonga pelas arquitecturas imaginárias que enquadram o céu onde se materializa o transcendente. A tensão visual gerada no eixo vertical e pelo par de eixos ortogonais que ordenam a composição expressa na quadratura é acentuada pelas formas aplicadas. Neste sentido as colunas e pilastras que flanqueiam os balcões ao centro de cada um dos alçados, aceleram a profundidade percebida, repercutindo-se ainda no recorte da cornija, induzido o observador num espaço autocentrado consequente à transformação do rectângulo conformado pela construção. Uma operação de transformação poligonal coincidente às lógicas da prática construtiva coeva, repetindo variantes do tema (polígono irregular de quatro e oito lados inscritos no rectângulo base do perímetro da capela) em sucessivos es-tratos horizontais alinhados no eixo visual vertical que estrutura a imagem (Imagem 8). Uma lógi-ca assente na suspensão de continuidades que, como a quebra de sancas e cornjas, enfatizam os módulos centrais, ou, como a colocação de elementos em balanço, reorientam o olhar dia-gonalmente no interior da composição para os alçados sucessivos desmantelando arestas do paralelepípedo base. Assiste-se assim à deinição de contrapontos cuja sequência entre rectângulo da planta e polígono oitavado reforçam o sentido autocentrado da composição e cuja oposição de Imagem 8 - Confronto entre a fig 89ª de Perspectiva pictorum et architectorum (1693, Roma) e esboço perspéctico de Assunção da Virgem (1754, Santarém) sobrepondo-se, à direita, elementos provenientes das figuras 80ª, 86ª e 99ª de Pozzo (1693, Roma). Fonte: JC133— JOÃO CABELEIRAângulos côncavos e convexos perturba a leitura da intersecção dos planos. A situação é reforçada acima da linha de cornja pelo recorte dos frontões que, apontando ao centro da composição, anulam o efeito de moldura para inte-grar no espaço representado a visão da Virgem. Uma estratégia que coloca o lugar da revelação num contínuo visual (expandido por mecanismos cénicos e quadraturistas, sintetizados pelo olhar) cujo vértice é o observador posicio-nado no espaço corpóreo da capela.ConclusãoDa cogitação em torno da quadratura de Sena averiguou-se que esta toma as ilustrações de Perspectiva pictorum et architectorum (1693), adoptando daí a matriz espacial e componentes arquitectónicos recombinados em função de novas condicionantes espaciais. De facto Sena revela competência na mani-pulação e conjugação do formulário e matriz espacial pozziana, regulando-os em função das circunstâncias espaciais em que opera, potenciando o impulso vertical e condução do olhar, ao mesmo tempo que responde a especiicida-des da mensagem iconográica. Porém, do processo especulado fundado na assemblagem das ilustrações do tratado de Pozzo, o autor escalabitano evita a formulação do projecto arquitectónico abreviando a sequência operativa su-gerida no tratado do Jesuíta italiano.Deste modo, a sua sequência operativa dispensaria estádios preparatórios correspondentes à acção especíica da arquitectura seja no seu âmbito instru-mental (relativamente à resolução gráica da forma e do espaço no desenho de planta, secção e alçado), teórico (o domínio da teoria das ordens a par da consequente coerência compositiva e proporcional) ou tectónico (face à con-gruência e razão construtiva). O autor parece necessitar apenas de reconhecer fundamentos da perspectiva, nomeadamente a convergência de rectas homó-logas e a recessão perspéctica, e dominar condições de ajuste perceptivo (que certamente farão parte da sua prática pictórica) visando potenciar capacidades de reconhecimento e verosimilhança da imagem com o natural. Se do exposto se poderiacolocar em dúvida a distinção de Sena como “(…) grande Architecto, ou Perspectivo (…)”, conforme Benedicto (1791, 11), conside-ramo-lo perspéctico no sentido em que é capaz de montar uma imagem credível e como tal de ‘dar a ver’ ou ‘ver através de’, perspicere. Já enquanto arquitecto, apesar de este operar sobre a imagem do espaço temos dúvidas acerca do seu domínio da matéria arquitectónica. De facto a análise da imagem por Cabeleira (2015) evidenciou incongruências internas ao nível da composição (relação entre partes, remates e verosimilhança com a prática construtiva) que nos remetem para uma falta de correspondência à soda architettura, ainda que do ponto de vista da sua impressão visual a imagem concretize as suas intenções espaciais. Como tal, veriica-se que os arranjos são sempre mais determinados pela verossimilhança perceptiva do que pela verdade absoluta da medida e lógica construtiva, sendo que, a formulação da imagem não integra um 134CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESpensamento arquitectónico mas tão-somente um seu simulacro. Não que em Pozzo encontremos sempre uma composição arquitectónica absolutamente coerente com as possibilidades da tectónica, mas se os ajustes aí são do foro crítico e especulativo da construção, numa exploração compositiva livre de constrangimentos físicos, em Sena estes recaem sobre um ónus estritamente imagético vinculado à indução de espaço. Mesmo assim, a quadratura de San-tarém expressa capacidades na combinatória e rearranjo da forma e imagem arquitectónica adaptando-os às circunstâncias físicas do suporte resolvendo a perspectiva de modo robusto e eiciente na percepção do arrombamento da superfície e comunicação de arquitecturas imaginárias. BibliografiaCABELEIRA, João. 2015. Arquitecturas imaginárias. Espaço Real e Ilusório no Barroco português. Guimarães: [s.n.], 2015. Tese de doutoramento em Arquitectura apresentada à Escola de Arquitectura da Universidade do Minho, 2015.DUBREUIL, Jean. La Perspective pratique, nécessaire à tous peintres, graveurs, sculpteurs, architects, orfevres, brodeurs, tapissiers, età autres se servans du Dessein. Par un Parisien, Religieux de la Compagnie de Jesus. Paris: Melchior Tavernier, 1649. FORTES, Manuel de Azevedo. Tratado do modo mais fácil e exato de fazer as cartas geográficas. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, 1722.MELLO, Magno Moraes. Os tectos pintados em Santarém durante a fase barroca. Santarém: Câmara Municipal, 2001.MELLO, Magno Moraes. Perspectiva pictorum: as arquitecturas ilusórias nos tectos pintados em Portugal no século XVIII. Lisboa: [s.n.], 2003. Tese de doutoramento em História de Arte apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 2002. POZZO, Andrea. Perspectiva pictorum, et architectorum. Prospettiva de pittori, e architetti. Tomo I. Trento: Temi, 2009. (1ª ed Roma: Giacomo Komarek Boemo, 1693).POZZO, Andrea. Perspectiva pictorum, et architectorum. Prospettiva de pittori, e architetti. Tomo II. Trento: Temi, 2009. (1ª ed Roma: Giacomo Komarek Boemo, 1700). Primeira parte de prospectiva de Pintores e Arquitectura. Mostrase o methodo mais fasil e espedito de deliniar com estilo prospetico, tudo aquilo que pertence a Arquitetura, inventado e [?], e primeiramente publicado em Roma, por Fr. Andre Poço, da Companhia de Jesus. Porem agora pª favor, e uzo dos estudiozos não muytos sientes desta Arte, se fes de velume mais piqueno, por João Boxbartlo, empresor. Anno 1719. Santarém: manuscrito, c.1719. (BFG 5203/Reservados).RAGGI, Giuseppina. Arquitecturas do engano: a longa construção da ilusão. Lisboa: [s.n.], 2004. Tese de doutoramento em História da Arte apresentada ao Departamento de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2004.Notas1 Termo tomado de Holanda (1548) referente à invenção, pesquisa e representação pictórica do espaço.2 Se da tradução de Pozzo surge referência à autoria do tecto por Simões Ribeiro, da cronologia organizada por Reis (2005, 197 e 207) ressalta o lançamento da primeira pedra do templo de S. Martinho em 1716 sendo que este só fica concluído em 1746, data em que Ribeiro se encontraria já no Brasil.http://catalogo.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?session=PR32042079173.89807&profile=bn&uri=search=AL~!Pozzo,%20Andrea%201642-1709&term=Pozzo,%20Andrea%201642-1709&ri=45&aspect=subtab62&menu=search&source=~!bnphttp://catalogo.bnportugal.pt/ipac20/ipac.jsp?session=PR32042079173.89807&profile=bn&uri=search=AL~!Pozzo,%20Andrea%201642-1709&term=Pozzo,%20Andrea%201642-1709&ri=45&aspect=subtab62&menu=search&source=~!bnp135— JOÃO CABELEIRAREIS, Vítor dos. O Rapto do Observador: Invenção, Representação e Percepção do Espaço Celestial na Pintura de Tectos em Portugal no Século XVIII. Lisboa: [s.n.], 2006. Tese de doutoramento em Teoria da Imagem apresentada à Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2006. Relação sumaria das festas, que em a canonização dos gloriosos santos Luiz gonzaga, e Stanislau Kostka, celebrarão os Padres da Companhia de Jesus do Collegio de Santarem (…). Lisboa ocidental: oficina de joseph antonio da sylva, 1728.SANCHES SILVA, José. Perspectiva matemática assombrada aos raios do mais brilhante astro. Évora: officina da Universidade, 1716.SEIXAS, José de Figueiredo. Prespectiva de pintores & architetos. Porto: manuscrito, 1732. (BUC, Cod. 222).TRINDADE, António. Um olhar sobre a perspectiva linear em Portugal nas pinturas de cavalete, tectos e abóbadas : 1470-1816. Lisboa: [s.n.], 2008. Tese de doutoramento em geometria apresentada à Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2008. TRINDADE, António Oriol. A Pintura Integrada em Tecto e Abóbadas e a Perspectiva Linear. Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2015.VASCONCELLOS, Ignacio da Piedade. Artefactos symetriacos e geometricos (…). Lisboa: Joseph Antonio da Sylva, 1733.VIEIRA, Domingos; CARVALHO, José Monteiro de. Tratado de Matemática que contém a óptica especulativa e prática ou perspectiva. Lisboa: manuscrito, 1709/44. (BAM, 3875 v.)VIEIRA, Inácio. Tractado da Catóptrica. Lisboa: manuscrito, 1717. (BN Cod. 5165)VIEIRA, Inácio. Tractado de Óptica. Lisboa: manuscrito, 1714. (BN Cod. 5169)VIEIRA, Inácio. Tractado de Prospectiva. Lisboa: manuscrito, 1716. (BN Cod. 5170)Contactar autor (a) – joaocoelho@arquitectura.uminho.pt136CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESPisando Arte e Matemática em Lisboa Alda Car valho1, Carlos Pereira dos Santos2,Jorge Nuno Si lva3, Ricardo Cunha Teixeira41.Omnipresença das simetriasEm museus de ciência é muito comum encontrar placas giratórias com imagens de rostos humanos como se ilustra na Figura 1.Figura 1 (à esquerda): O que há de estranho nesta imagem?Um visitante curioso, ao passar por tal imagem, pode ser tentado a girar a placa para poder olhar para a cara na sua «posição correta». É exatamente nessa altura que o cenário ica mais interessante. Como pode o leitor facilmente verii-car virando esta página ao contrário, a cara passa a assumir um aspeto monstruoso. A questão que se coloca é a seguinte:Por que razão não se tem a mesma sensação ao olhar para a igura de pernas para o ar?A resposta a esta pergunta prende-se com ques-tões puramente psicológicas. Embora de pernas para o ar, há pontos importantes como os olhos, a boca ou as orelhas que estão nas posições corretas e simétricas em relação ao eixo central da cara. As coisas invertidas são o contorno, o nariz e as sobran-celhas da cara. O nosso íntimo sente-se bem com a disposição simétrica dos olhos, boca e orelhas atribuindo pouca importância ao resto. A seleção natural criou em nós expectativas face à simetria.prático.Na procura de esclarecer metodologias geométricas aplicadas em pintura, Simão Palmeirim e Luís Casimiro apresentam artigos que propõem rever o processo de 18CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESconstrução de uma obra, do ponto de vista da composição, procurando apurar as competências geométricas utilizadas por determinados autores, com particular foco no contexto nacional dos séculos XV e XVI.Abordando o que se passa nos dois séculos seguintes, João Cabeleira retrata a recepção da perspectiva linear em território nacional, dando particular atenção ao caso de Gonçalves Sena. Vasco Lopes propõe uma relexão sobre a representação do espaço tridimensional no plano pictórico, relacionando construção perspéctica e composição visual; e António Araújo elucida alguns dos problemas recorrentes da perspectiva clássica e, focando o conceito de anamorfose, propõe inclusivamente uma forma de representação bidimensional do espaço, em perspectiva esférica total.Invertendo a direcção na relação bi-dimensão – tri/multi-dimensão, Inez Wjnhorst apresenta uma parte da sua investigação geométrica, que partindo do triângulo pita-górico nos propõe representações bidimensionais de um espaço hiperdimensional.Numa expansão das potencialidades do tema e no mesmo enquadramento (da representação da tridimensionalidade), José Revez aborda teoricamente as poten-cialidades que as novas tecnologias, particularmente as digitais, oferecem ao pen-samento e reconhecimento do espaço no projecto artístico; e Eduardo Duarte e António Trindade excursam sobre a representação de um elemento arquitectónico gótico em duas pinturas nacionais atribuídas a Nuno Gonçalves.O tema permitiu outras extensões de fundamento teórico, nomeadamente centra-das na importância da simetria como um dos conceitos essenciais da abordagem geométrica às artes. Carlos Pereira dos Santos explicita as classiicações matemá-ticas dos tipos de simetria possíveis e apresenta exemplos de cada uma dessas ti-pologias presentes nos padrões das calçadas lisboetas. Madalena Grimaldi expõe a pertinência da simetria para a percepção e reconhecimento de faces, a partir dos exemplos da obra de quatro pintores particulares. Delinda Collier por sua vez, sem focar necessariamente a simetria, aborda, do ponto de vista da história da arte, uma das práticas de desenho (num sentido abrangente) mais ligadas ao padrão como elemento visual, o sona, da África Central.Ainda numa perspectiva expandida do tema, neste caso ligado à pedagogia, há dois artigos que põem em paralelo casos particulares do contexto educacional em Portugal (sobre os modelos de geometria descritiva da escola politécnica) e no Bra-sil (sobre visualização geométrica e releitura plástica nas artes visuais); o primeiro de Odete Palaré e o segundo de Maria e Daniel Rodrigues.Simão Palmeirim19Entrevista a James MaiWhat motivates the need for geometry in your practice?I have 2 related answers to the question, the irst is practical, the second is philosophical. First, I employ geometry as an underlying framework for com-position by dividing the picture-plane by some regular method. This kind of compositional geometry has a long and rich history in visual art, and I see it as an essential part of the enduring language of painting. It would be more accurate for me to say geometries rather than geometry, because there are many different kinds and degrees of compositional geometry. I employ both grid and golden ratio (phi) geometries, and these offer quite different pos-sibilities for composition—the most obvious difference being that grids rely on whole-number, simple-fraction relationships, while phi geometry involves irrational numbers. These geometries are, in my view, the painter’s equiva-lent to music’s time signature and poetry’s meter. Geometry is the necessary starting point for all my compositions because it offers an objective, measured pattern of sizes, shapes, proportions, and angular orientations that give order and meaning to our perceptions.The second answer explains my underlying philosophy about compositional geometry. The compositional divisions described in the irst answer do not originate in external conventions of measure such as centimetres or inches, but instead reside in the picture-plane itself as partitions of its edges and its area. The same plane can be divided into a vast array of grids of different fre-quencies (3x3, 4x4, 6x10, 11x13, etc.) and different angles (vertical-horizontal, 45-degree diagonals, 30-degree diagonals, etc.). And that plane can be divided not only by grids, but also by the golden ratio (phi), or root-2 ratio, or a host of other root-number geometries (sometimes referred to as “dynamic symme-try”). My point is that all these geometries coexist in any given picture-plane, and I consider these many geometries to be patterns of energy inherent in the plane itself. An analogy to this might be Chladni patterns, where a sprinkling of sand on a metal plate will assume a host of different standing-wave patterns depending on the frequency at which the plate is vibrated. The hundreds of different symmetrical Chladni patterns are latent in the plate, but each is re-vealed by a different vibration frequency. The geometry of the picture-plane can be thought of in a similar way: the plane holds in it all possible geomet-ric divisions as potential patterns of energy. In this case, “patterns of energy” means the particular geometric pattern that provides an ordering principle for 20CONVOCARTE N.º 2 — ENTREVISTAcomposition. My attitude is not that the plane is an empty ield that should be illed by the artist—rather, the plane is already full and the artist’s task is to select and shape those inherent energies toward some creative purpose.How is geometry important for the combinatorial processes in your work, and can you explain what they are?The geometry I use in combinatorics is distinct from the compositional geom-etry I mentioned before, and it constitutes the other major use of geometry in my work. A large portion of my work involves the development of sets of geometric shapes whose members are bound together by both similarities and differences. Those shapes are usually based upon regular polygons be-cause polygons have distinct properties: a certain number of vertices and edges, speciic vertex angles and edge-lengths, internal symmetries, and so on. My method is to vary those properties using permutation procedures to systematically generate a family of related forms. For example, if we start with a pentagon and allow each of its 5 edges to be curved instead of straight, and we allow each of those curved edges to assume 1 of 2 states, convex (curved outward) or concave (curved inward), then there are 8 distinct forms that result from the permutations of those 2 states. The 8 forms constitute a form-set, where all forms are related by similarity of features, but each form is unique in its arrangement of those features. Also important to my purposes, the form-set is both non-redundant, in that no form matches any other form even if rotat-ed or relected, and complete, in that all forms possible from the permutation rules are present in the set. I have developed a variety of different form-sets by combinatorial and permutational methods, and I use these sets to popu-late my compositions. While the convex-concave pentagon is a rather simple example, and the resulting set is small, other form-sets have included over 200 unique forms, and in those cases I select small subsets for compositions.I have 2 purposes for working with geometric form-sets generated by combina-tions and permutations. The irst is to explore the boundaries of our perception of order. That is, when a form-set appears in a composition,É exatamente o facto de estarmos programados Motifs in one or two directions can be classified mathematically by the types of symmetries they possess, and that classification gives rise to seven frieze patterns and to seventeen wallpaper patterns. Rosettes are other type of patterns in which the repetition of the design occurs about a single point, within a limited region of the plane. Rosettes are either dihedral or cyclic, depending on the presence or absence of mirror symmetries. Many Portuguese pavements are beautiful artistic works: all the seven friezes, cyclic rosettes, dihedral rosettes and twelve of the seventeen types of wallpapers were detected in Lisbon. In this paper, we exemplify some of these artistic works, highlighting, in particular, the work in Rossio dos Olivais, carried out by Fernando Conduto. In 2014, the Ludus Association and the University of Lisbon published the Baralho de Simetrias - Calçadas de Lisboa, a deck of cards to disseminate this subject to the largest possible number of people. We also discuss that initiative.Keywords: portuguese pavement, symmetry, wallpapers, friezes, rosettes.Instituto Superior de Engenharia de Lisboa & CEMAPRE, Centro de Análise Funcional Estruturas Lineares e Combinatórias, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, NICA-Universidade dos Açores.137dessa forma que nos liberta de olhar atentamente e conscientemente para os pormenores. Nós procuramos alguma simetria e isso basta. Biologica-mente faz todo o sentido; somos muito mais rápidos e menos esforçados a avaliar potenciais perigos se bastar um relance sobre alguns pontos em vez de uma atenção focada em todos os pormenores. Depois de virar a placa, tudo é mais inesperado. Nesse caso, os importantes fatores olhos, boca e orelhas estão invertidos. E aqui soam os alarmes! A cara parece-nos horrível; detetamos problemas evidentes nas simetrias esperadas. Basta um relance para os detetarmos.A simetria aparece na natureza pelas mais variadas razões. Uma bastante lógica relaciona-se com o equilíbrio. Há imensos dispositivos biológicos que funcionam melhor aos pares para desempenhar as suas funções. Um ser hu-mano anda melhor com duas pernas pela simples razão de que, dessa forma, uma perna pode apoiar-se no chão enquanto a outra perna dá o passo em frente. Esse simples facto faz com que muitos outros órgãos iquem a fun-cionar melhor aos pares. Por exemplo, é sabido que uma pessoa que oiça só de um ouvido se equilibra pior. Milhares de pensamentos do tipo podem ser utilizados para defender a utilidade das distribuições simétricas. Se tivermos uma perna mais pesada do que a outra ou uma perna mais curta do que a outra temos novamente mais problemas na nossa função de locomoção. E, é claro, estas considerações não acabam no ser humano, sendo válidas para a generalidade dos seres vivos. Com duas asas iguais voa-se melhor, etc.Há também um papel importante nas simetrias relacionado com a eco-nomia no armazenamento de informação. Repare-se que, para guardar a informação relativa às asas de uma borboleta, admitindo que as asas são perfeitamente simétricas, basta guardar a informação relativa a uma asa (a informação da outra é obtida por simetria). As próprias operações aritméti-cas têm propriedades que não são mais do que fenómenos de simetria. A comutatividade de certas operações é um caso desses. Por exemplo, em re-lação à multiplicação,3x2 é igual a 2x3; e o mesmo para quaisquer números a e b, axb é igual a bxa. Isso signiica que uma memorização da tabuada da multiplicação requer apenas a memorização de metade da tabuada. Este é um pequeno exemplo da forma simples como o conhecimento de uma si-metria pode ajudar uma melhor eicácia no armazenamento de informação (neste caso, a memorização da tabuada).Ainda quanto à omnipresença das simetrias, uma palavra sobre a forma como a constatação de uma simetria pode ajudar na construção de um racio-cínio lógico. Quanto a esta ideia, nada melhor do que recordar um episódio clássico. Um dos grandes nomes da história da matemática foi o alemãoKarl Friedrich Gauss(1777-1855). As suas contribuições foram em grande número, apresentando uma enorme soisticação em praticamente todas as áreas da ma-temática. Dizem que Gauss tinha um professor muito severo que não aceitava brincadeiras nas suas aulas. Como Gauss já era muito bom em matemática e — ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRA138CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESachava as aulas do professor pouco interessantes, encontrava-se quase sempre distraído. O professor, vendo que Gauss não estava atento, resolveu dar-lhe um castigo: somar todos os números de 1 a 100, com o objetivo de entreter Gauss durante muito tempo para que não atrapalhasse a sua aula (provavel-mente este episódio não passa de um interessante mito). Mas o professor não contava com a habilidade que Gauss possuía para a matemática. Em poucos minutos, Gauss somou todos os números de 1 a 100, deixando o professor espantado. Vejamos como Gauss realizou esses cálculos de forma tão rápida e precisa: ele reparou que 1+100 dá exatamente o mesmo resultado do que 2+99 pois de 1 para 2 ganha-se uma unidade e de 100 para 99 perde-se uma unidade. Se o que se ganha com a alteração da primeira parcela é o mesmo que o que se perde com a alteração da segunda, o resultado mantém-se igual. Com o mesmo argumento, prova-se que as somas 3+98, 4+97, etc., devem ser todas iguais a 101. O que Gauss fez foi identiicar uma simetria na soma dos primeiros cem números naturais, aproveitando esta propriedade para empa-relhar cuidadosamente as parcelas em seu proveito. Uma vez que a soma tem 50 pares de parcelas, com este emparelhamento, Gauss foi capaz de calcular corretamente a soma com a conta 50x101=5050. Devido ao facto de a mate-mática estar recheada de fenómenos de simetria deste género, torna-se muito útil o treino que consiste em detetar e perceber as simetrias existentes nos mais variados contextos. É por esse motivo que este tópico é bastante relevante.2. Isometrias do planoPara que melhor se perceba o conceito matemático de simetria, é im-portante explorar em primeiro lugar o conceito de isometria do plano. Numa linguagem simpliicada, pode dizer-se que uma isometria é um movimento que permite manipular uma igura mantendo exatamente a sua forma e o seu tamanho. Isto signiica, por exemplo, que não pode haver efeito de «elastici-dade» em parte alguma da igura. Em termos rigorosos, uma isometria é uma transformação do plano que, quando aplicada a uma igura, ou seja, a um con-junto de pontos, mantém as distâncias entre os seus pontos—daí «iso», igual. Por exemplo, uma translação de pontos do plano é uma isometria (Figura 2).No plano, existem três isometrias fundamentais. A sua compreensão é a base para um melhor conhecimento das transformações geométricas e, como veremos, para uma melhor compreensão do conceito matemático de simetria plana.2.1. TranslaçãoComo referido anteriormente, uma translação consiste num «deslizar» de um objeto, em linha reta, de uma posição para outra. Os elevadores e as escadas rolantes são bons exemplos do quotidiano que ilustram o conceito.Para que uma translação ique bem determinada, é necessário estabe-lecer qual a distância, direção e sentido que se deve aplicar. No plano, a 139— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAcaracterização de uma translação ica simpliica-da. Para tal, basta saber qual a distância a per-correr para a esquerda ou para a direita e qual a distância para cima ou parabaixo. No exemplo apresentado no canto superior direito da Figura 2, estipulada certa unidade de comprimento, o lagarto desloca-se 3 unidades para a direita e 2 unidades para baixo. A matemática usa objetos denominados vetores para representar econo-micamente a informação «3 para a direita» e «2 para baixo». A informação é representada ape-nas por (3,-2). A primeira coordenada do par diz respeito ao número de unidades a deslocar para a direita/esquerda (associa-se o sinal «-» ao movimento para a esquerda) e a segunda coor-denada diz respeito ao número de unidades a percorrer para cima/baixo (associa-se o sinal «-» ao movimento para baixo). Sendo assim, para descrever bem uma translação, é necessário apresentar um vetor que contenha a informa-ção sobre o deslocamento. Por exemplo, uma Figura 2: Isometrias no plano140CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕEStranslação segundo o vetor (-2,4) está associada a movimentos de pontos do plano duas unidades de comprimento para a esquerda e quatro unida-des de comprimento para cima.Definição 1: Dado um vector �⃗, chama-se translação do plano deinida pelo vector �⃗ à transformação �: ℝ2 → ℝ2 tal que �(�)=� �⃗.É muito comum, ao falar-se de transformações geométricas, falar-se do objeto que é alvo da transformação (neste caso �) e da imagem que é o resul-tado da transformação (neste caso �’). Utiliza-se uma plica para os distinguir.2.2. RotaçãoUma rotação está naturalmente associada ao ato de rodar. Bons exem-plos quotidianos são os relógios analógicos e as rodas gigantes presentes em muitas feiras.Para uma rotação estar bem deinida, tem de se responder a três ques-tões: rotação à volta de quê?, qual a amplitude da rotação?, em que sentido se processa a rotação, a favor ou contra os ponteiros do relógio? Consideran-do rotações no plano, a primeira pergunta pode ser respondida indicando um ponto, o centro de rotação. Além disso, um ângulo orientado pode ser facilmente expresso em graus (ou noutra unidade de amplitude escolhida para o mesmo efeito) juntamente com o sinal «+» ou «-». O sentido positivo é atribuído ao sentido anti-horário; a razão para tal tem origem no sentido do movimento aparente do Sol. Um observador no hemisfério norte como, por exemplo, na cidade de Lisboa, desde que voltado para norte, segue o movimento do Sol rodando a cabeça da direita para a esquerda, no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Sucede exatamente o mesmo com a sombra que se projeta no chão atrás de si.Sendo assim, desde que esclarecida a posição do centro e o ângulo orientado, a rotação ica bem deinida. Ao centro, na Figura 2, vê-se o lagar-to rodado 60º em torno de O.Definição 2: Dado um ponto O e um ângulo orientado , chama-se rota-ção do plano de centro O e ângulo a à transformação �: ℝ2 → ℝ2 tal que, se � for um ponto de ℝ2 e �'=�(�), então ŌĀ =ŌĀ’ e ∠���′= α.2.3. ReflexãoA melhor forma de compreender uma relexão consiste em recordar alguns fenómenos que conhecemos em relação a espelhos. No projeto para crianças Ciência a Brincar5 Descobre a Matemática! [7], a dada altura, fala-se do país da cara metade, onde todos os seres são metade opacos, metade transparentes. Essa ideia originou bonitos desenhos feitos por crianças. Para se poder ver na totalidade os seres de tão bizarro país, o instrumento indicado é um espelho. 141— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAA imagem reletida de metade dos seres permite completar os seus corpos. Outra situação do género, aproveitando a mesma ideia, surge nas tradicionais brincadeiras envolvendo recortes de papel.Para que uma relexão plana ique bem determinada, é necessário saber-se qual é a reta que constitui o eixo (intimamente ligado à posição do espelho). Na realidade, cada ponto terá a sua imagem espelhada do outro lado do eixo exactamente à mesma distância deste. Repare-se que o objeto da transforma-ção, tal como a sua imagem podem «cruzar o eixo», como se ilustra na linha inferior, ao centro, na Figura 2. Nesses casos, os fenómenos espelhados apre-sentam uma ligeira diferença devido ao facto de a generalidade dos espelhos apresentar um lado baço. Relativamente ao mesmo exemplo, a utilização de um espelho resultaria num fenómeno como o que se apresenta na linha infe-rior, à direita, na Figura 2. A existência de um lado baço nos espelhos permite efeitos mágicos muito antigos. Definição 3: Dada uma reta �, chama-se relexão do plano de eixo � à trans-formação �: ℝ2 → ℝ2 tal que, se � for um ponto de ℝ2 e �'=�(�), então a mediatriz do segmento deinido por � e �' é �.Recuperando agora a questão inicial relativa ao conceito de simetria, é importante frisar que, ao contrário das isometrias que estão formalmente muito bem deinidas, o termo «simetria» é consideravelmente mais abran-gente e subjetivo. A simetria, falando de uma forma não matemática, está ligada a sensações de equilíbrio e harmonia, podendo essas manifestações ser encontradas na arte, na ciência, na natureza, etc. Utilizando uma visão mais matemática, podemos objetivar mais o seu signiicado. A palavra «simetria» tem a sua origem no grego σνμμετριa (σνμ «com» e μετριa «medida»). Sendo assim, na sua génese, a palavra aponta para algo mensurável. Um objeto com muita simetria tem alguma lógica suscetível de ser medida e compreendida. Historicamente a palavra simetria sempre apareceu fortemente relacionada com a noção de relexão e imagens espelhadas. Por exemplo, se olharmos para as letras do alfabeto, algumas icam invariantes por relexão se posicio-narmos bem um eixo – esse eixo bem posicionado é usualmente designado «eixo de simetria». Muitas letras admitem um eixo de simetria. Por exemplo, o «A» admite um eixo vertical e o «B» admite um eixo horizontal. Repare-se que estamos a usar o verbo «admitir» querendo focar a atenção na transformação que deixa a letra imóvel. Há letras que até admitem mais do que um eixo de simetria como, por exemplo, o «X». A compreensão da invariância não é mais do que a compreensão de uma repetição, de um padrão. É nesse sentido que essa invariância pode trazer uma sensação de harmonia e equilíbrio. Se compreendemos uma coisa então sentimo-nos bem. Coloca-se agora uma questão pertinente: Por que é que devemos dar um estatuto tão importante apenas à relexão?142CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESObserve-se a parte esquerda da Figura 3, um trabalho famoso do artista holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972).Quem observa o Snakes tem quase forçosa-mente um sentimento forte em relação à sua har-monia e equilíbrio. Há algo que se repete; há um padrão evidente. No entanto, a igura não aceita nenhum eixo que a deixe invariante por relexão.Considere-se o ambigrama da parte direita da Figura 3, uma palavra escrita de tal forma que, se for rodada 180º, mantém exatamente a mesma vi-sualização. Mais uma vez, não podemos deixar de icar indiferentes à harmonia deste desenho (expe-rimente virar a página ao contrário). Novamente, a igura não aceita eixos que a deixem invariante por relexão. Modernamente, é comum adotar-se um conceito de simetria mais abrangente e de acordo com a globalidade dos nossos instintos e perceções. À luz dessa visão mais abrangente, já podemos descrever matematicamente a simetria existente em exemplos como os que foram expostos. Cos-tuma-se associar o conceito de simetria apenas à noção de invariância, independentemente se esta é obtida por uma relexão ou por outra transformação geométrica. Uma igura apresenta «muita simetria» Figura 3: À esquerda, a obra Snakes (1969) de M. C. Escher; À direita, um ambigrama.143se o grupode transformações que a deixem na mesma for rico e não trivial. No caso da ilustração de Escher, rotações de 120º e 240º (1/3 e 2/3 de volta, respe-tivamente) deixam a igura na mesma. Em relação ao ambigrama, como já foi mencionado, uma meia-volta deixa a igura invariante. Muitas possibilidades de invariância levam naturalmente a padrões existentes nas iguras, o que transmite forte sensação de harmonia.2.4. Noções relacionadasEstando bem deinidas as isometrias planas fundamentais, pode agora en-tender-se melhor algumas noções relacionadas. Um primeiro conceito impor-tante prende-se com a noção de movimento rígido. Voltando à rotação do la-garto ilustrada na Figura 2, pode intuir-se facilmente que esta pode ser efetuada através de um movimento sobre o plano, sem que a igura se deforme. Isto quer dizer que se se recortar a imagem do lagarto, a transformação pode ser feita sem ter de se sair do plano – por esse facto, a rotação dizse uma «isometria direta». Considerese agora a relexão do lagarto, também ilustrada na Figura 2. Nesse caso, após recortar o lagarto, não é possível obter a imagem reletida com mo-vimentos rígidos sobre o plano. É necessário sair com o lagarto para o espaço e virá-lo ao contrário para levar a cabo a tarefa. É possível efetuar a transformação através de movimentos rígidos, mas é forçoso sair das duas dimensões do plano. Por esse motivo, a relexão diz-se uma «isometria oposta».Também se deve mencionar o conceito de «ponto ixo». Há isometrias que deixam alguns pontos imóveis. Quer isto dizer que há objetos que coincidem com as suas imagens (pontos ixos). Os centros das rotações são pontos ixos. Os pontos pertencentes aos eixos das relexões também são pontos ixos. A Ta-bela 1 resume a informação.Isometrias planas Com pontos fixos Sem pontos fixosDiretas Rotações TranslaçõesOpostas Relexões Relexões deslizantesTabela 1: Isometrias diretas/opostas; com/sem pontos fixos.Outro assunto distinto, mas de grande importância, diz respeito à com-posição de isometrias. Uma isometria mantém distâncias; sendo assim, ao efetuar-se duas isometrias consecutivas o resultado é ainda uma isometria, uma vez que nenhuma das duas altera distâncias. Considere-se a parte es-querda da Figura 4, relativa a uma translação segundo o vetor �⃗ logo após uma relexão em torno de �.O Lagarto foi transformado em Lagarto' por meio de uma relexão. Em seguida, Lagarto' foi transformado em Lagarto'' por meio de uma transla-ção. Repare-se que, ao contrário de outras operações, a ordem com que se — ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRA144CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESefetuam as transformações interessa. A compo-sição de isometrias não é comutativa. Vejase, na parte direita da mesma igura, como o resultado seria diferente se se tivesse efetuado primeiro a translação e só depois a relexão. Contudo, há uma situação em que a com-posição de uma translação com uma relexão é comutativa. Tal veriica-se quando o eixo de relexão é paralelo ao vetor da translação. Estas transformações chamam-se relexões deslizantes e desempenharão um papel relevante no que resta do artigo.Há composições de isometrias que se reduzem a uma isometria única. Por exemplo, uma translação segundo �⃗ logo após uma translação segundo �⃗ reduz-se a uma única translação segundo �⃗+�⃗. Na realidade, todas as composições foram anali-sadas geometricamente e demonstra-se que as únicas isometrias planas que são autónomas, no sentido em que não se reduzem, são as transla-ções, rotações, relexões e relexões deslizantes [2,5,8]. É comum chamar-se a este conjunto de quatro transformações, as quatro isometrias do plano. A composição de quaisquer duas destas quatro transformações resulta de novo numa das quatro (ver Tabela 2).Figura 4: Composição de isometrias.145Composição Reflexão Translação Rotação Reflexão deslizanteReflexão T ou Rot Ref ou RD Ref ou RD Ref ou RDTranslação Ref ou RD T Rot Ref ou RDRotação Ref ou RD Rot T ou Rot Ref ou RDReflexão deslizante T ou Rot Ref ou RD Ref ou RD T ou RotTabela 2: T - Translação; Rot – Rotação; Ref – Reflexão; RD – Reflexão Deslizante.Figura 5: Avenida da Liberdade, Lisboa. Em cima, rosácea cíclica. Em baixo, rosácea diedral.3. Rosáceas, frisos e padrõesAlguns objetos destacam-se pela sua im-pressionante simetria. As rosáceas são coni-gurações planas limitadas, normalmente apre-sentadas numa disposição circular, que podem manter-se inalteradas quando sujeitas a rotações ou, eventualmente, a relexões. São comuns em objetos artísticos e arquitetónicos. A Figura 5 mostra duas rosáceas em calçada portuguesa na Avenida da Liberdade, em Lisboa.A simetria da rosácea em cima é evidente: há um conjunto não trivial de rotações que dei-xam a igura invariante. Além da rotação trivial correspondente a 0º (que consiste em não lhe tocar), as rotações de 90º, 180º e 270º também produzem invariância. Em termos rigorosos, todos os múltiplos de 1/4 de volta produzem invariância. Por esse motivo, é habitual dizer-se que uma rosácea deste género é do tipo C4; «C» a primeira letra da palavra «cíclica» e o núme-ro 4 relacionado com o facto de os quartos de volta serem a chave para a caracterização das simetrias desta rosácea.A rosácea em baixo ainda exibe mais sime-tria. Tal como no primeiro caso, podemos detetar invariância por meio de múltiplos de rotações de 0º, 90º, 180º e 270º. No entanto, há uma di-ferença entre os dois exemplos: esta rosácea também ica invariante por meio de relexões. — ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRA146CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESPor motivos que veremos em seguida, dizemos que esta rosácea é do tipo D4; «D» a primeira letra da palavra «diedral». Surgem naturalmente duas questões:1) Será que as rosáceas do tipo diedral, por admitirem relexões, estão associadas a efeitos obtidos com espelhos?2) Será que, quando uma rosácea admite rotações e relexões, estas são sempre em igual número como na rosácea diedral da Figura 5 (4 rotações e 4 relexões)?Comecemos por dar resposta à primeira questão. Diedro é o análogo tridimensional do conceito de ângulo. É deinido como o espaço entre dois semiplanos com origem numa reta comum (aresta do diedro). A amplitude do diedro coincide com a amplitude do ângulo plano obtido cortando o diedro com um plano perpendicular à sua aresta. Se tivermos «fatias» de rosácea, podemos produzir bonitas iguras com auxílio de um diedro espelhado. No entanto, apenas no caso em que a rosácea admite relexões se observa uma coincidência entre a rosácea original e a que é produzida com o diedro espe-lhado. Essa é a razão da denominação «diedral». Consideremos as obras de Escher, Snakes (1969) e Circle Limit IV (Heaven and Hell) (1960) produzidas com um diedro espelhado (Figura 6). Se olharmos com atenção, percebemos que há um problema com as Snakes (compare-se com o original exposto na Figura 3).O problema surge devido ao facto de essa rosácea não ser do tipo diedral. Outra interessante forma de constatar o mesmo efeito consiste em traçar um segmento de reta numa folha. Depois, à medida que se fecha o diedro, é pos-sível observar polígonos regulares. No limite, a imagem tende para uma circun-ferência perfeita.A resposta à segunda questão também é airmativa; consegue-se demons-trar que, quando uma rosácea admite rotações e relexões, estas são sempre em igual número. Alguns autores atribuem este resultado a Leonardo da Vinci e chamam-lhe «Teoremade Leonardo da Vinci» [8]. São famosos alguns dos seus desenhos, como a «Flor da Vida» no Códice Atlântico, (f. 307v) ou muitos outros e variados esboços de rosácea.Definição 4: Uma rosácea é uma igura plana cujo grupo de simetrias é inito.A classiicação do grupo de simetrias de uma rosácea não é complicada. Na prática, apenas é necessário identiicar o motivo que se repete em torno do cen-tro de rotação e contar o número de repetições(�). Depois, resta veriicar se só há simetrias de rotação (rosáceas ciclícas) ou se também há simetrias de relexão (rosáceas diedrais). Uma igura com grupo de simetria C1 é considerada assimétrica (desprovida de simetria), uma vez que a única forma de a transformar em si própria é através da rotação trivial de 360/1 = 360º (ou, se preferirmos, de 0º). Já uma igura com grupo de simetria D1, para além da rotação trivial, apresenta uma simetria de relexão. Para 147o grupo de simetria C2, temos uma simetria de rota-ção de 360/2=180º e a rotação de 180+180=360º (ou seja, a rotação trivial). Para o grupo D2, há ainda a considerar duas simetrias de relexão (com eixos de simetria perpendiculares). Por sua vez, o grupo C3 contém as rotações de 360/3=120º, 120+120=240º e 120+120+120=360º. Para o grupo D3, há que acrescen-tar três simetrias de relexão, e assim sucessivamente. Há também desenhos ininitos com muita simetria, como são os casos dos frisos e dos pa-drões. Os frisos têm natureza unidimensional, podendo observar-se «partes de friso» nas mais variadas manifestações artísticas. Varandas antigas em metal exibem usualmente um tipo de simetria associado aos frisos (imaginando que a varanda se prolonga ininitamente nos dois sentidos, para a direita e para a esquerda). Outro exemplo típico relaciona-se com as tapeçarias tradicionais. Os padrões têm natureza bidimensional – o desenho cobre todo o plano. Também podemos observar «partes de padrão» em variadas manifestações Figura 6: Diedros espelhados.— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRA148CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESartísticas. São inúmeros os casos de praças em cidades por todo o mundo com pavimentos elegantes e simétricos. As paredes também são altamente propícias a obras do mesmo género.Considere-se o friso existente, entre outros locais, na calçada da Rua do Ouro em Lisboa (Figura 7).Imagine-se o friso prolongado ininitamen-te para a esquerda e para a direita. Uma simples inspeção visual permite perceber que existem translações que o deixam exatamente na mesma. Se movermos o friso segundo o vetor marcado a verde na parte superior da Figura8, o desenho manter-se-á inalterado. Existem zonas do dese-nho (motivos) que se considerarmos repetidas segundo múltiplos inteiros do dito vetor (para a esquerda ou para a direita, conforme o inteiro seja negativo ou positivo), produzem o friso na totalidade. Estes motivos são a «ideia artística do friso». Repetem-se na sua globalidade, no dese-nho, nas cores e no posicionamento5. É importante salientar que não se pode falar de «o» motivo. O mesmo desenho pode ser pensado considerando motivos diferentes. A comparação entre a parte superior e parte central da Figura 8 elucida isso mesmo.Mesmo em relação ao «comprimento» do vetor (norma ou módulo, como se diz em lin-guagem mais formal), é possível considerar vá-rias hipóteses. Nas partes superior e central da Figura 8, foi considerado um vetor não nulo com o menor comprimento possível — vetor de módu-lo mínimo – no entanto, a ideia poderia ter sido apresentada com um vetor maior em norma, mas não seria «económico» nesse sentido — parte in-ferior da Figura 8.Elencadas as ideias fundamentais relativas aos frisos, estamos em condições de apresentar a deinição matemática.Definição 4: Um friso é uma igura plana ili-mitada veriicando a seguinte condição: Existe um vector não nulo �⃗, tal que as possíveis translações Figura 7: Friso da Rua do Ouro, em Lisboa. Em cima, fotografia (2007) de Dias dos Reis.Figura 8: Motivos repetidos do friso da Rua do Ouro..149— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAque deixam a igura inalterada são exatamente as translações segundo um múltiplo inteiro de �⃗.Repare-se que, por deinição, um friso tem de apresentar alguma simetria; um friso aceita pelo menos translações invariantes. Uma pergunta pertinente, que justiica a classiicação dos frisos que explicaremos mais à frente, é a seguinte:Além das translações, poderá um friso aceitar outras isometrias que o mantenham inalterado?A resposta é airmativa. Considere-se o exem-plo lisboeta da Rua Nova do Almada (Figura 9).É simples constatar de que se trata mesmo de um friso, na medida em que há um motivo que se repete sucessivamente ao longo de uma faixa. No entanto, este friso mantém-se inalterado através de outras isometrias além das translações referidas na deinição; também aceita relexões e meias voltas. São as isometrias «extra» que per-mitem elaborar uma elegante classiicação dos frisos. Na realidade, é possível provar-se que exis-tem exactamente 7 tipos de friso [2,5,8]. Na Figura 10, mostra-se o padrão que está na zona da Capela de Santo Amaro em Lisboa.Figura 9: Friso da Rua Nova do Almada, Lisboa.Figura 10: Padrão de Santo Amaro. Em cima, fotografia (2008) de António Dias dos Reis.150CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESNovamente, imagine-se o padrão prolongado ininitamente por todo o plano. Uma simples inspeção visual permite perceber que existem trans-lações que o deixam exatamente na mesma. Dada a sua natureza bidimen-sional, desta vez consideramos dois vetores marcados a verde. Na imagem, os motivos aparecem também delimitados a verde. Se movermos o padrão segundo múltiplos inteiros de qualquer um dos vetores ou segundo «mis-turas» (por exemplo, 3 verticais para cima juntamente com 4 horizontais para trás) o desenho manter-se-á inalterado. O termo técnico para estas «misturas» é «combinação linear com coeicientes inteiros».Tal como no caso dos frisos, podemos considerar dois vetores não nulos de módulo mínimo. E, mais uma vez, não se pode falar de «o» mo-tivo. Exatamente o mesmo desenho poderia ser pensado considerando motivos diferentes desfasados, tal como no exemplo apresentado para o caso dos frisos.Definição 5: Um padrão é uma igura plana ilimitada veriicando a se-guinte condição: Existem dois vetores não nulos com direcções distintas �⃗ e �⃗, tais que as possíveis translações que deixam a igura inalterada são exactamente as translações segundo uma combinação linear com coei-cientes inteiros de �⃗ e de �⃗.A questão anteriormente colocada relativamente aos frisos, continua a ser premente no que diz respeito aos padrões:Além das translações, poderá um padrão aceitar outras isometrias que o mantenham inalterado?A resposta é novamente airmativa. No caso dos padrões, a classiica-ção envolve um número maior de casos distintos. Em 1891, o cristalógra-fo russo Evgraf Fedorov (18531919) descreveu 17 tipos de padrão [3]. Ao longo dos tempos, muitos outros investigadores realizaram interessantes estudos e propuseram notações próprias [2,5,8].4. Classificação das simetrias planasComo visto anteriormente, a menos de número de repetições, há dois tipos de rosáceas essencialmente diferentes – cíclicas e diedrais. As rosá-ceas caem num dos dois tipos dependendo se, além de rotações, aceitam ou não relexões.Os frisos e os padrões também podem ser classiicados usando as quatro isometriasdo plano. A análise matemática destes objetos revelou a existência de 7 frisos e 17 padrões. Para os sete frisos pode ser usada, por exemplo, a notação do matemático húngaro László Fejes Tóth (19152005) ou a notação cristalográica. O luxograma relativo à sua classiicação pode ver-se na Figura 11.Considere-se o padrão da Praça do Município, em Lisboa (Figura12).151— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAPercorrendo o luxograma, constata-se que o friso não aceita meia-volta, não aceita relexão horizontal, mas aceita relexão vertical (eixos a azul). Na notação de Tóth é designado por F21.Pode ver-se o luxograma relativo aos de-zassete padrões na Figura 13.Considere-se o padrão da Praça do Muni-cípio, em Lisboa (Figura 14).Percorrendo o luxograma, constata-se que o padrão aceita quartos de volta (centros a ver-melho) e meia-volta (centro a verde). Além disso, aceita relexões (eixos a verde). Finalmente, os centros de rotação pertencem a eixos de rele-xão. Na notação de Tóth é designado por W41.Além das notações utilizadas nos luxogra-mas das Figuras 13 e 15, há outras notações para explicitar as simetrias das iguras planas. O matemático William Thurston (19462012), medalha Fields em 1982, propôs uma notação especialmente útil para a descrição dos frisos e padrões (em inglês, orbifold notation). Figura 11: Fluxograma para a classificação matemática dos frisos.Figura 12: Friso da calçada da Igreja de São Julião, Lisboa. 152CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESA sua notação tem duas vantagens consi-deráveis: é intuitiva e está na base do elegante «Teorema Mágico», que descreveremos mais à frente. Mais tarde, John Horton Conway (1937), um dos maiores matemáticos vivos à data em que se escreve este artigo, foi coautor do lindíssimo livro Symmetries of Things (com Heidi Burgiel e GoodmanStrauss) [2]. Nessa obra, escrita de um ponto de vista avançado, podemos encontrar a análise de inúmeros conceitos matemáticos soisticados relacionados com simetrias. O livro mencionado utiliza a notação de Thurston, sendo em larga medida um grande contributo para a divulgação da mesma.Considere-se o padrão da calçada da Biblio-teca Nacional, em Lisboa (Figura 15).Para construir a sequência de símbolos de Thurston, o leitor deverá pensar primeiro nas rotações invariantes. No exemplo exposto na Figura 15, o padrão aceita duas rotações essen-cialmente diferentes de amplitude 180º (1/2 de volta). Sendo assim, na simbologia de Thurston, terão de aparecer dois símbolos «2». Em segundo lugar, o leitor deverá pensar se o padrão aceita relexões simples. Neste caso, veriica-se. Acei-tando relexões simples, a escrita deverá incluir o símbolo «O». Se o padrão não aceitasse nenhuma Figura 13: Fluxograma para a classificação matemática dos padrões.Figura 14: Padrão da Praça do Município, Lisboa. Em cima, fotografia de Dias dos Reis. Motivo de Eduardo Nery (1938-2013).153— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRArelexão simples, não apareceria nenhum asteris-co na escrita. Em terceiro lugar, observando que há centros que pertencem aos eixos de relexão e que há centros que não pertencem, esse facto deve ser esclarecido na escrita. A notação de Thurston é posicional, no sentido em que os sím-bolos respeitantes a centros que não pertencem a eixos são colocados à esquerda do asterisco e os centros que pertencem a eixos são colocados à direita do asterisco. No caso concreto, a nota-ção seria 2*2, uma vez que um dos centros per-tence ao eixo e o outro não pertence. Em quar-to lugar, o leitor deverá ter atenção às relexões deslizantes autónomas (as relexões deslizantes correspondentes a relexões simples compostas com uma translação fundamental ou a efeitos de meia volta não são contabilizadas). No caso em que há relexões deslizantes autónomas é usado o símbolo «X». Quando o padrão não admite nenhuma simetria além das translações é usado o símbolo «O». Só se utilizam dois «» quando o padrão admite apenas duas relexões simples distintas. Por exemplo, observando o padrão da Figura14, facilmente se constata que o código é *442. Todos os números ficam à direita do «*», uma vez que todos os centros de rotação pertencem a eixos de reflexão.Antes de iniciar a explicação da notação de Thurston relativa aos frisos, convém esclarecer que, dada a sua natureza unidimensional, há pelo menos um centro de rotação a ser considerado. Considere-se a Figura 16, respeitante à rotação de uma zona de um friso. Com um pequeno esforço de imaginação, é possível visualizar que quanto mais longe estiver o centro, mais a faixa rodada se adapta ao friso original. Devido a esse facto, dizse que os frisos aceitam sempre um ponto ininito (∞) como cen-tro de rotação. Podem inclusivamente aceitar dois pontos ∞ no caso em que o friso não aceita ne-nhuma simetria horizontal (nem relexão simples, nem relexão deslizante, nem meia-volta). Tendo em conta o ponto ininito, a notação de Thurston Figura 15: Padrão da calçada da Biblioteca Nacional, Lisboa.Figura 16: Ponto infinito como centro de rotação invariante.154CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESfunciona exatamente da mesma maneira também para os frisos. A Tabela 3 resume, nesta notação, todos os 7 frisos e 17 padrões.17 tipos de padrão 7 tipos de friso*632 632 *442 442 *333 *22∞ 22∞ 2∞333 *2222 2222 4*2 3*3 2*22 *∞∞ ∞∞22* ** *X XX 22X O ∞* ∞XTabela 3: Frisos e padrões na notação de Thurston.Para entender o enunciado do «Teorema Mágico» anteriormente mencionado, é necessário atribuir valores numéricos aos diversos símbolos da notação de Thurston.1) Aos símbolos relacionados com as rotações, 2, 3, 4, 6 e ∞, são atribuí-dos os valores n-1 ̸n se se encontrarem à esquerda de um asterisco ou metade desses valores se se encontrarem à direita de um asterisco. No caso do ponto ininito, para n muito grande, n-1 n̸ resulta num valor próximo de 1. Sendo assim, o valor atribuído ao ininito é 1 se este estiver à esquerda de um asterisco, e ½ se este estiver à direita de um asterisco. A informação pode ser sintetizada como se mostra na Tabela 4.Símbolo de rotação Esquerda de * Direita de *2 1/2 1/43 2/3 1/34 3/4 3/86 5/6 5/12∞ 1 1/2Tabela 4: Atribuição de valores relativa ao «Teorema Mágico».2) Aos símbolos «*» e «X» é atribuído o valor 1.3) Ao símbolo «O» é atribuído o valor 2.Uma das tarefas mais importantes destinadas a um matemático consiste em encontrar e demonstrar resultados gerais, a partir de casos particulares. Quer isto dizer, a constatação de propriedades válidas para uma vasta famí-lia de objetos, com base em propriedades fundamentais que estes possam ter em comum. Por exemplo, o «Teorema de Pitágoras» aplica-se a todos os triângulos rectângulos, por muito diferentes que sejam em tamanho e forma. 155— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRADe certa maneira, ao fazer isso, um matemático tem a sensação que captou algo que faz parte da «alma» dos objetos em estudo; separou o essencial do acessório. Esse processo é realmente fascinante.O «Teorema Mágico» é algo desse género. Por muito diferente que possa ser a classiicação de um friso ou de um padrão, uma coisa não muda: a soma dos valores atribuídos aos símbolos de Thurston resulta sempre em dois [2]. Enumerando todas as combinações possíveis de símbolos cuja soma resulteem 2, obtêm-se exatamente 24 possibilidades; os 17 padrões e os 7 frisos. Por exemplo, 3*3 resulta na soma 2/3+1+1/3 = 2. Outro exemplo, 632 resul-ta na soma 5/6+2/3+1/2 = 2. O mesmo para todos os outros casos. Parece que se pode dizer que a arte plana, matematicamente falando, se resume ao número 2!5. As simetrias da calçada portuguesa num baralho de cartasA calçada portuguesa é altamente original no domínio dos pavimentos públicos. Tratase de um chão em pedra, baseado em calcários dispostos de forma homogénea. Alia durabilidade, utilidade e beleza.A dita originalidade deve-se aos motivos utilizados – motivos geométri-cos, motivos igurativos, motivos alusivos a atividades, motivos regionais – e à competência técnica e estética do artíice que efetua o assentamento, o calceteiro.A calçada portuguesa é uma herança histórica da técnica de construção romana, de que existem inúmeros exemplos em Portugal, como a estrada romana situada em Alqueidão da Serra. Podem destacar-se dois momentos fundamentais de lorescimento da calçada portuguesa; a criação das cha-madas «Ruas Novas» junto às áreas ribeirinhas no reinado de D. João II (séc. XIV) e o grande terramoto de Lisboa em 1755, em que se assistiu à abertura de novas ruas, bem como a recuperação de ruas antigas (maior desenvolvi-mento desta temática em [4,6]).Muitos passeios portugueses são bonitos frisos, padrões, ou rosáceas. Em Lisboa, é muito fácil pisar conigurações altamente simétricas, susceptíveis do tipo de análise matemática exposto nas secções anteriores. O projeto Sime-tria Passo a Passo, levado a cabo em 2010 por Ana Cannas da Silva e apoia-do pela Fundação Calouste Gulbenkian [9], fez um primeiro levantamento matemático relativo a estas obras lisboetas. Até 23 de Junho de 2010, todos os 7 frisos, rosáceas cíclicas, rosáceas diedrais e 11 dos 17 padrões tinham sido encontrados na capital de Portugal, faltando apenas os 632, 333, *333, 22X, 4*2 e O (notação de Thurston). Uma sequela do projeto Simetria Passo a Passo é o livro Simetria Passo a Passo – Calçadas de Portugal [1], lançado pela mesma autora em 2016.Recentemente, os autores deste trabalho encontraram um exemplo em falta, classiicado como «O». Sendo assim, atualmente, há 5 padrões não identiicados em Lisboa.156CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESRepare-se que os 7 frisos, 17 padrões e 2 rosáceas (diedral e cíclica) originam um total de 26 objetos. Como 26 é o número de cartas de 2 naipes de um baralho usual, a Associação Ludus e a Universidade de Lisboa lançaram em 2014 um baralho baseado nesta coincidência. O Baralho de Simetria - Calçadas de Lisboa é uma iniciati-va de divulgação, procurando fazer chegar esta temática ao maior número de pessoas possível.O baralho tem cartas–problema (espadas e copas) e cartas–solução (paus e ouros). Cada carta–problema tem um motivo. O objetivo do desaio consiste em tentar identiicar uma zona de Lisboa com esse motivo, bem como classiicar matematicamente o pavimento. As cartas estão organizadas por cores. Por exemplo, a solução do 10 de espadas está no 10 de paus; a solução do Ás de copas está no Ás de ouros.As cartas–solução mostram um local de Lis-boa onde existe o motivo proposto nas cartas--problema respetivas (local que pode não ser único). A classiicação matemática é explicitada em três notações – Thurston, cristalográica e Tóth. Na Figura 17 mostram-se alguns exem-plos. Em cima, o padrão Mar Largo, proposto pelo tenente-general Eusébio Furtado Pinheiro (17771861) ¾ esse padrão aparece um pouco por todo o mundo [4,6]. Para o baralho, a esco-lha recaiu na envolvência da pavimentação do icónico Padrão dos Descobrimentos. Trata-se de um traçado branco e preto que tenta recriar o ritmo das ondas do mar. Ao centro, o bonito padrão entrelaçado de João Abel Manta (1928-), presente na Praça dos Restauradores. Em baixo, o friso da faixa lateral do Parque Eduardo VII, obra levada a cabo pelo arquiteto Francisco Keil do Amaral (1910-1975). Há 5 padrões em Lisboa por identiicar. Por essa razão há 5 cartas abstratas. Os locais ima-ginários foram batizados com os nomes dos 5 sólidos platónicos.Há um local muito interessante no Rossio dos Olivais, no Parque das Nações em Lisboa. Figura 17: Algumas cartas do Baralho de Simetria - Calçadas de Lisboa.157— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAO pavimento, em calçada portuguesa, utiliza o desenho de um curso de água, levado a cabo pelo artista Fernando Conduto [10]. Na Figura 18, mostra-se uma panorâmica do Google Earth. Toda a via se trata de um friso em calçada portu-guesa, como se de um canal de água se tratasse. Na curva, há um «desaguar» para um padrão. A unidimensionalidade transforma-se em bidimen-sionalidade, uma metamorfose artística.A construção artística transmite a ideia de que a água corre para o rio. Primeiro num canal (em calçada), depois numa «abertura» (também em calçada) e, inalmente, a «mistura» imaginária com o rio Tejo, que está logo ali. Essa constru-ção pede uma rara mistura friso/padrão ¾ um friso é especialmente adequado para a parte do canal, um padrão é especialmente indicado para a parte da abertura.Para levar a cabo a obra, foram utilizados 6 módulos (parte superior da Figura 19). Os módu-los M1 e M2, utilizados no friso, têm uma ina faixa escura por razões logísticas; serve para melhor ligarem com outra zona do local. Essencialmente, os módulos M1 e M2 são iguais aos módulos M3 e M4. Sendo assim, o que é importante é analisar os módulos M3, M4, M5 e M6.O artista, de forma inteligente, desenhou os módulos de forma a poderem ser conectados de mais do que uma forma. Dessa maneira, foi possível servirem simultaneamente a abordagem unidimensional e bidimensional. Por um lado, os módulos M3, M4, M5 e M6, podem ser conec-tados em forma de quadrado, de maneira a for-marem o motivo de um friso de tipo «∞∞» (parte central da Figura 19). Por outro lado, os módulos M3 e M4 podem ser conectados em forma de retângulo, de maneira a formarem o motivo de um padrão de tipo «O» (parte inferior da Figura 19). Esta dualidade só funciona devido ao facto de os módulos M3 e M4 terem sido desenhados para poderem ligar tanto na horizontal como na vertical. Pode ver-se, na Figura 20, a explicação da dupla utilização sobre a planta utilizada na obra.Figura 18: Friso e padrão.Figura 19: Em cima, módulos utilizados na calçada do Rossio dos Olivais, no Par-que das Nações. 158CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESPor esse motivo, esse cantinho de Lisboa onde se dá a «abertura ao rio» trata-se de um padrão de tipo «O», sem simetrias a não ser translações, colocado no valete de ouros, carta fatal do ilme The Cincinnati Kid.Para ajudar na classiicação, uma das cartas do baralho é um espelho. A própria caixa do ba-ralho tem um ambigrama. Podem ver-se em [11] alguns vídeos de exempliicação, a globalidade das cartas-problema e das cartas-solução, e a distribuição dos motivos escolhidos em Lisboa.AgradecimentosNas Figuras 9, 12 e 16, foram utilizados tra-balhos de António Dias Reis [12], a quem agra-decemos a disponibilidade total.Nas Figuras 6 e 14, foram utilizadas fotograias do Arquivo Municipal de Lisboa, a quem também agradecemos.Agradecemos ao artista Fernando Conduto a amável prontidão com que acedeu a uma ques-tão sobre o seu trabalho no Rossio dos Olivais.Em algumas imagens, foi utilizado um sof-tware de geometria dinâmica [13] para a recons-trução de alguns motivos vistos de cima. Dada a diiculdade de obtenção de boas fotograias nessas condições, o procedimento revelou-se bastanteadequado.Figura 20: Explicação matemática da planta do Rossio dos Olivais.159Referências[1] Cannas da Silva, A. Simetria Passo a Passo – Calçadas de Portugal, Edições CTT, 2016.[2] Conway, J., Burgiel, H., Goodman-Strauss, C. The Symmetries of Things, A K Peters, 2008.[3] Fedorov, E. The Simmetry of Regular Systems of Figures (russo), A. Yakob, St. Petersburg Mineral Soc., Series 2, 1891.[4] Henriques, A., Moura, A., Santos, F. The Portuguese Pavements Handbook, Direcção Geral de Energia e Geologia, 2009.[5] Martin, G. Transformation Geometry: An Introduction to Symmetry, New York, Springer-Verlag, 1982.[6] Matos, E. Calçada Portuguesa/Portuguese Stone Pavement of Portugal, Sessenta e Nove Manuscritos, 2011.[7] Simões, C. Ciência a Brincar 5 – Descobre a Matemática, Bizâncio, 2006.[8] Umble, R., Han, Z. Transformational Plane Geometry, Series Textbooks in Mathematics, Taylor & Francis Group / CRC Press, 2014.[9] http://www.math.ist.utl.pt/~acannas/Simetria[10] http://www.portaldasnacoes.pt/item/fernando-conduto-1[11] https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6[12] http://www.pbase.com/diasdosreis[13] https://www.geogebra.orgNotas1 acarvalho@adm.isel.pt2 cmfsantos@fc.ul.pt3 jnsilva@cal.berkeley.edu4 ricardo.ec.teixeira@uac.pt5 Existem classificações que contemplam a possibilidade de mudanças de cor (ver, por exemplo, [2], capítulo 11).— ALDA CARVALHO | CARLOS PEREIRA DOS SANTOS | JORGE NUNO SILVA | RICARDO CUNHA TEIXEIRAContactar autor (a) – ver notas 1, 2, 3 e 4http://www.math.ist.utl.pt/~acannas/Simetriahttp://www.math.ist.utl.pt/~acannas/Simetriahttp://www.portaldasnacoes.pt/item/fernando-conduto-1http://www.portaldasnacoes.pt/item/fernando-conduto-1https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6https://sites.google.com/site/cpshomepage/matematica-recreativa/recreational-mathematics/matematica-recreativa-2/matematica-recreativa-3/matematica-recreativa-4/matematica-recreativa-6mailto:cmfsantos@fc.ul.ptmailto:ricardo.ec.teixeira@uac.pt160CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESM a d a l e n a R i b e i r o G r i m a l d i Arquiteta - Professora Associada DE do Departamento de Técnicas de Representação Gráica, UFRJ.The brain is provided with specialized cells to detect and encode aspects of the human face, like those related to identity as well as to signals denoting emotion. This system is available not just for standard settings, considering that truncated images of faces or those having their patterns mingled with extrinsic elements are also able to be recognized. The author correlates this specific kind of perception with a geometric analysis of components used in the making of visual illusions. In line with this, the paper displays works by celebrated artists who used a geometry calculator to create ambiguities and upside-down illusions, such as Salvador Dalí, René Magritte, Giuseppe Arcimboldo and Ken Knowlton.Keywords: perception; representation of faces; visual illusion; geometric analysis and ambiguity in art.Reconhecimento de facesO ser humano é um “especialista” em reconhe-cer rostos e extrair mínimas informações deles em frações de segundos. Com um único olhar somos capazes de identiicar outra pessoa, seja ela amiga ou inimiga, bem como perceber expressões, suge-rindo origens, tendências emocionais, qualidades de saúde, alguns dados sociais e outros indicadores. Questionamos então, quais são os limites humanos no reconhecimento de faces, quais são as áreas do cérebro envolvidas nesse processo. E inalmente, como somos capazes de fazer esse processamento e a partir de que idade? Numa experienciação realizada com bebês, em 1961, pelo psicólogo americano Robert Lowell Fantz1, apresentou-se a igura de um rosto desenhado “cor-retamente”, ao lado de outros dois construídos com as mesmas formas, mas dispostas de modo misturado (Figura 1). O grupo de crianças, entre 2 e 3 meses, gastou mais tempo olhando para o desenho da face que mais se assemelhava a um rosto humano, ou seja, aquela com a coniguração “correta”, comprovando que o reconhecimento facial está presente desde os primeiros meses de vida. É claro que, nessa faixa etária, não somos capazes de associar explicitamente um conjunto de características, como linhas, formas e contornos pre-sentes na construção gráica do conceito do rosto, A Geometria da Ilusão na Percepção e no Reconhecimento das Faces161porém o fato de ainda no berço prestarmos aten-ção aos desenhos “corretos” indica que o reco-nhecimento facial é um dos pilares fundamentais nos processos de interação social.A mesma experienciação foi repetida por Morton e Johnson (1991), só que desta vez as imagens foram apresentadas em movimento, sem um controle especíico. Nesse caso, os bebês se detiveram mais nas que estavam embaralhadas. Essa decorrência permitiria concluir que infor-mações são vitais para a sobrevivência, razão pela qual eles teriam passado mais tempo ten-tando rastrear e reconhecer o rosto materno ou de algum familiar. Outra descoberta feita nesse estudo é que bebês com mais de seis meses de idade preferiram as iguras com faces “corretas”, ao invés das outras, demonstrando que já con-seguiam distinguir deformidades. O ilósofo e cientista cognitivo Zenon Pylyshyn (2003, p.1), em seu livro Seeing and Visualizing: It’s Not What You Think, airma que apesar da evolução no estudo do órgão da visão e da per-cepção visual, o processo que nos leva a “ver” e “visualizar” ainda não foi totalmente explicado. De acordo com o autor, falta entender a natureza da própria consciência, o que permite questio-nar se é possível ter a compreensão cientíica da visão sem, primeiramente, apreender o mistério Figura 1: Faces construídas para o experimento de Robert Lowell FantzAcervo do Curso de Especialização em Técnicas de http://www.jstor.org/stable/1126959?se-q=1#page_scan_tab_contents— MADALENA RIBEIRO GRIMALDI162CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESda consciência. Admite-se que existe uma estreita relação entre o conteúdo da visão e a memória que afeta diretamente a percepção visual. Por isso, é preciso considerar que as observações de cunho cientíico sobre o órgão da visão não devem ser estudadas isoladamente. Cabe destacar que a visão estéreo não está presente na época do nasci-mento; os bebês nascem praticamente cegos, apenas enxergando de forma “borrada” o que se encontra diante de si. Além disso, o órgão da visão pode ser daniicado se for temporariamente privado de input por um agente inter-no, como a catarata, por exemplo,ou externo, como uma venda. Contudo, o Professor Pawan Sinha2, especialista no estudo da visão e da neurociência computacional airma no vídeo intitulado On how brains learn to see, de 2009, que ex-cegos podem ter uma recuperação factível, mesmo que tenham pas-sado por grandes privações visuais. Ele cita o caso de crianças com cataratas congênitas, submetidas a cirurgias de substituição das lentes opacas pelas de acrílico, que recuperam parte da visão. Não obstante, o desenvolvimento tardio desse sentido diiculta-lhes a identiicação de objetos. Em sua pequisa, o professor Sinha descobriu que tais problemas ocorrem porque o mundo delas é fragmentado, como se fosse formado por colagens. Conclui que a coordenação motora visual precisa receber informações de maneira dinâmi-ca, ou seja, o estímulo da imagem em movimento serve como alicerce para conduzir à integração visual e ao reconhecimento. Deduz-se, portanto, que o cérebro tem que ser ‘ensinado’, e isso requer domínio do espaço físico e uma educação do olhar, sendo a cognição parte essencial do processo perceptivo. Segundo Pinker (2008), lidamos com essa realidade porque nosso pensamento e ação são guiados por um conhecimen-to estável e sólido, cuja construção é feita ao longo dos anos. O neurologista britânico Oliver Sacks, em seu livro “O olhar da mente” (2010), relata exames feitos com diversos pacientes que possuíam diiculda-des de visualização distintas e também conclui que o ser humano necessita de uma espécie de aprendizado, da compreensão de um código ou convenção para reconhecer os objetos. Segundo ele, pessoas de culturas primitivas que nunca viram fotograias talvez não cheguem a distinguir suas próprias ima-gens, isto é, este complexo sistema para o reconhecimento de representações visuais precisa ser ensinado pelo cérebro. Torna-se, então, relevante aprender algumas noções sobre como formas tridimensionais são representadas em superfícies bidimensionais. Determinadas investigações da neurociência comprovam que a percepção de rostos e das expressões faciais envolve áreas extensas e diversiicadas no cérebro. As informações são processadas de um modo associado, que tam-bém abarca a memória. A pesquisa feita pelos neurobiólogos Hershler e Ho-chstein (2005) mostra que um ser humano com capacidade de visão “normal” consegue distinguir em poucos segundos a face humana no meio de diversas outras imagens, ao passo que utiliza o dobro do tempo para distinguir a face 163— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIde um animal. Ainda segundo o estudo, tal processo ocorre porque retemos na memória as tonalidades e traços da isionomia humana, e no caso de ob-jetos eles existem inúmeras cores e formas, o que esclareceria o tempo maior gasto para a identiicação de outras formas. Por esse motivo, somos especia-listas em “achar” rostos em diferentes conigurações. Contudo, também existe uma diferença entre o que realmente se vê e a imagem que o intelecto ‘fabrica’ devido à sua interferência na realidade, pois nada do que é visto é compreendido somente pelo sentido da visão. Como salienta Gombrich (2007), para “ver” é preciso antes de tudo conhecer, uma vez que toda representação se fundamenta em convenções. Segundo o autor, desenhar o que não conhecemos é fácil; difícil é representar o que faz parte do nosso mundo real. Outro aspecto a ser abordado é o fato de que a memória é fundamental para se fazer associações; isto porque a linguagem e a memória são vizinhas no cérebro e, graças a essa proximidade, procuramos semelhanças para reco-nhecer o que estamos vendo. A capacidade inata do ser humano de estabelecer conexões auxilia na so-lução de problemas mal propostos, uma vez que adiciona suposições idealiza-das para resolver diversos enigmas. Em virtude de não termos uma memória perfeita, conseguimos gerar novas possibilidades de análise e de criação. “O cérebro é um bom computador, simplesmente por ser uma memória ruim. É esta memória ruim que alimenta o processo da computação” (DE BONO, 1971, p. 9). No entanto, esse aspecto também traz desvantagens por criar diiculda-de de distinguir a realidade daquilo que fornecemos como suplemento no processo de reconhecimento de algo real. Isso pode ser facilmente compro-vado com um desenho inacabado para o qual a imaginação do observador é despertada, projetando as informações incompletas; tal fato indicaria que a percepção está diretamente relacionada com a memória. Um dado importante sobre as associações é que a mente tende a “ver” formas perfeitas, ou seja, transformamos em descrições mentais idealizadas aquilo que vimos previamente e já registramos. Assim, algumas pessoas sentem diiculdade para identiicar outras como testemunha ocular por não consegui-rem separar o que realmente viram do que constituiu apenas sua interpretação mental. Num estudo publicado em 28 de maio de 2016, na revista Association for Psychological Science, intitulado Memories of Spence, informou-se que simplesmente acessar memórias já as aumenta ou distorce, e que ao lembrar de algo estamos mudando ativamente o que vimos. Muitas vezes reconhece-mos os traços, mas não enxergamos realmente o que está diante de nós, e tão somente idealizamos o que estamos vendo. Na foto da artista americana An-gelina Jolie, a face parece estar de cabeça para baixo. Caso a colocássemos na posição normal, perceberíamos que os olhos e a boca estão invertidos e o semblante da atriz se apresenta como o de um ‘monstro’, porém ainda assim somos capazes de identiicá-la (Figura 2). http://www.psychologicalscience.org/index.php/convention/memories-of-spence.html164CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESDe acordo com a pesquisa feita pelo psicó-logo Stuart J. McKelvie (1995), poucas pessoas percebem a imagem grotesca enquanto ela está invertida. Isso ocorre porque nos centramos nas formas que constituem os rostos: olhos, nariz, boca, etc, mas não reconhecemos faces apenas por esse conjunto de características. Organiza-mos o reconhecimento holisticamente, a visão conjunta é codiicada e inclui pistas sobre a po-sição relativa dos vários atributos. Avaliamos as formas conhecidas sem nos preocuparmos com o seu posicionamento. O exemplo dado serve, igualmente, para corroborar o pensamento do psicólogo David Marr (2010), ao airmar que quando usamos um referencial de alinhamento para reconhecer uma forma representada numa posição que não seja a dos eixos cartesianos x e y, não conseguimos adaptar-se facilmente. Esse sentido de orientação foi igualmente analisado pelo psicólogo Irvin Rock (1984) que, por meio de testes e estudos referen-tes a formas geométricas iguais posicionadas em diferentes arranjos, constatou que usualmente, seguimos uma orientação norte – sul, leste – oeste.Figura 2: Tem alguma coisa errada?http://pinturaquefala.blogspot.com.br/2013/09/angelina-jolie-boca-carnuda-labios-desenho-ilusao--de-otica-quando-voce-vir-brad-pitt-.html165— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIO recurso de alinhamento foi utilizado duran-te séculos nas ilusões Upside Down3 por artistas, com o propósito de criticar ou questionar pessoas poderosas. No passado, essa apreciação crítica muitas vezes não podia ser feita abertamente, valendo-se então de charges que possuíam um instrumental para ironizar políticos e autorida-des. Quando o observador girasse a imagem de cabeça para baixo, poderia encontrar uma anotação sutil (ou não tão sutil) no arranjo con-fuso, aparentemente acidental. Deste modo, se a mensagem subversiva fosse descoberta pelas autoridades, o artífice simplesmente pediria desculpas e insistiria na pura aleatoriedade das linhas (Figura 3). O indivíduo interpreta mentalmente as ima-gens dúbias, em função da melhor estimativa e suposição dentre as compatíveis com a sua própria “realidade”.É particularmente intrigante nesse tipo de iguras a possibilidade de vê-las de maneiras diferentes apesar de as distintas conigurações, em geral, serem corretas, não existindo, portanto, uma razão para o processa-mento cerebral escolher uma em detrimento da outra. Snowden e Troscianko (2012) comentam que o inconsciente cognitivo é capaz de enxer-gar não somente uma suposição, mas várias, sem que o indivíduo se dê conta de que isso está acontecendo. Na arte, podemos destacar as ilusões visuais na construção de rostos com iguras duvidosas e construções geometricamente calculadas cons-truídas com objetos diversos. Nas iguras “nor-mais” distinguimos a forma e o fundo; o espaço Figura 3. Ilusões Upside Downhttp://www.crookedbrains.net/2007/08/matchbo-x-illusion-here-are-some-images.html166CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESem volta delas usualmente é claro e vazio, o que nos faz descartá-lo. Assim, quando um artista usa esse espaço “vazio”, tornando-o outro objeto, acaba produzindo uma ilusão. As chamadas imagens ambíguas trazem para o ser humano uma dimen-são diferente de acordo com algum ponto de atenção, fazendo com que as iguras possuam um duplo sentido; dependendo de como o cérebro de cada pessoa funciona, alguns podem ter mais facilidade para ver uma represen-tação, enquanto os demais provavelmente visualizam melhor outra imagem. Então, como processamos as associações com imagens ambíguas? Os “olhos” não gostam de ser “enganados” e buscam respostas. A mente procura uma interpretação para tentar restaurar a forma correta e concreta do objeto representado. Essa associação é uma ferramenta extremamente valiosa, por-que permite buscar diferentes alternativas e conceber novas iguras. Para tentar entender o processamento das informações visuais ambíguas no cérebro, um grupo de pesquisadores da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, utilizou uma obra de Salvador Dalí. Eles pediram para voluntá-rios analisarem o quadroSlave Market with the Disappearing Bust of Voltaire (Mercado de Escravos com o Busto de Voltaire desaparecendo), de 1940, e dissessem o que viam inicialmente: “Uma aglomeração de pessoas ou o busto do ilósofo Voltaire?”. Apinturaa óleo apresenta uma ilusão construída intencionalmente, em que o rosto de Voltaire é composto a partir de uma construção geométrica com imagens de outras formas. Embora seja possí-vel observar ambas as iguras, geralmente, as pessoas veem uma delas em primeiro lugar.Posicionou-se o grupo de participantes em frente à obra de Dalí, para que os cientistas mapeassem os subsídios adquiridos pelo cérebro dos observado-res enquanto olhavam o quadro. Veriicou-se, então, que os dois hemisférios cerebrais começaram a se comunicar rapidamente ao apreender a pintura como um todo, em razão das diferentes possibilidades de leitura da imagem. Nas palavras de Philippe Schyns (2016), um dos autores do estudo, “De-pois de cerca de 100 milissegundos de processamento pós-estímulo que o cérebro processa características muito especíicas, como o olho esquerdo, o olho direito, o canto do nariz, o canto da boca (da pintura)”. Para reunir tudo que a mente captava sobre a imagem do rosto de Voltaire, ou seja, ambas as opções de leitura, o grupo pesquisado demorou cerca de 200 milissegundos. Essa investigação ainda precisa ser mais aprofundada para obter-se um maior número de dados e, consequentemente, ampliar o entendimento sobre o mecanismo que determina qual imagem é vista primeiramente e quais são as variações mentais entre os diferentes observadores. No entanto, Schyns airma que já existem muitas aplicações possíveis para a investigação. Uma delas é a de desenvolver nos robôs a capacidade para processar dados vi-suais de maneira a serem programados para observar o mundo da mesma maneira que os seres humanos. 167— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIOutra evidência sobre a ideia de que o reco-nhecimento das faces não é armazenado apenas pelas características independentes e, sim, pelo conjunto global aparece no estudo de Andrew Young (1987), fenômeno que qualiicou de “faces de quimera”, associando-o ao monstro mitológico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente, por meio de uma combinação hetero-gênea ou incongruente de elementos diversos.Na experienciação, ele juntou duas meias faces de indivíduos famosos em uma única ima-gem e constatou que, em geral, os observadores reconhecem mais facilmente os rostos quando veem as metades isoladamente do que quando as partes são montadas, gerando uma “nova” face (Figura 4). Essa habilidade de processar informações sobre faces permite reconhecer os amigos e os inimigos, mesmo que tenham detalhes parecidos como nariz, olhos, e outras características. Isso talvez aconteça porque a percepção de faces é de particular importância nas atividades hu-manas diárias. Precisamos reconhecer pessoas, familiares, amigos, colegas de trabalhos, entre tantos outros para saber que atitudes devemos ter perante elas. Embora pareça simples perceber essas ca-racterizações, não se sabe ao certo como a mente Figura 4: Qual é mais fácil de identificar? A Face de Quimera ou as duas metades ligeiramente deslocadas? Na parte superior temos o ator Morgan Freeman e na parte inferior o Presidente dos Estados Unidos Barack Obama.Fonte: da autoral168CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESas processa. É certo que nossa capacidade de identiicar faces é intuitiva. Por isso, quando viajamos para um local distante e com uma cultura diferente da nossa, muitas vezes temos a sensação de que os rostos de seus nativos se pa-recem; isso ocorre também com faces de negros e brancos. Um estudo feito por Bothwell, em 1989, constatou que indivíduos negros têm mais facilidade para distinguir outros negros do que os brancos e vice-versa; e que isso é um indicativo de que somos capazes de reconhecer mais facilmente indivíduos pertencentes a grupos similares ao nosso do que aos díspares. Outro dado sugestivo sobre o reconhecimento e a geometria das faces pode ser observado nas caricaturas. Elas representam um retrato que distorce traços marcantes para criar uma semelhança visual facilmente identiicável. Na literatura, são deinidas como sendo a descrição de um ser humano por meio da extrapo-lação de certas características e da simpliicação de outras. As iguras caricatas podem insultar ou elogiar, servir para um propósito político ou somente entre-ter; o termo deriva do italianocaricare - carregar - signiicando, essencialmente, “retrato carregado”. Ao acentuar as peculiaridades de um rosto, os cartunistas estão, de fato, tentando reproduzir a maneira como os cérebros codificam os indivíduos, tornando as faces mais facilmente reconhecidas.De modo semelhante, pode-se identiicar o humor ou a falta dele, uma vez que as demonstrações faciais permitem reconhecer emoções, percepção esta aparentemente comum em todas as partes do mundo. Um teste feito por Meltzoff and Moore (1977), com meninas de 12 anos de idade de diferentes nacionalidades, comprovou essa tendência ao constatar que elas identiicaram expressões de alegria, tristeza, raiva e dor, em imagens embaralhadas. A expe-rienciação também evidenciou que estamos habilitados a praticar julgamentos sobre a beleza ou a ausência dela, ou mesmo emitir opiniões subjetivas basea-das num simples olhar de um rosto. Comumente, as pessoas veem rostos como objetos inanimados, sombras, formação de luzes e nuvens, montanhas e outras conigurações, em diferentes lugares do globo terrestre e até em outros planetas. Um exemplo clássico é a foto de satélite na região de Cydonia de Marte, muitas vezes chamada de “Face de Marte”, que muitos acreditavam ser prova daexistência de seres extrater-restres. Entretanto, fotos de alta resolução, tiradas a partir de vários pontos de vista, demonstraram que a “face” é na verdade uma formação rochosa natural.O fenômeno psicológico de visualizar rostos em objetos inanimados é chamado de Pareidolia e envolve um estímulo visual em que a mente percebe um padrão familiar de algo que, na realidade, não existe concretamente. Essa habilidade está presente desde cedo em nossas vidas e também engloba os sons, caso em que uma sequência de ruídos é interpretada como palavras ou frases com algum signiicado para o ouvinte. Em seus cadernos, Leonardo da Vinci anotou sobre pareidolia, conside-rando-a um dispositivo útil para pintores. Em síntese, aconselha que antes de se iniciar um novo trabalho, se observe as similaridades que existem entre as 169— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIparedes manchadas com vários pigmentos e as diferentes paisagens. O desen-volvimento dessa aptidão permitiria vislumbrar um número ininito de formas bem concebidas que poderiam ser representadas graicamente4.Entende-se que as formas aleatórias, surgidas sem intenção ou ação humana, podem adquirir alguma coniguração reconhecível e mesmo inteligível por parte de quem as observa. Uma provável explicação para este fenômeno está relaciona-da com a evolução da espécie humana, ou seja, a necessidade de sobrevivência fez com que se desenvolvesse a obrigação de identiicar os rostos de seus pares.Um exemplo de como a pareidolia está presente no cotidiano das pessoas são os popularesemoticons5. Esses desenhos são interpretados pelo cérebro hu-mano como sendo expressões faciais. Os símbolos utilizados nas comunicações através de mensagens de texto pela internet e celulares, são úteis para transmitir sentimentos e emoções. Cabe ainda destacar que o fenômeno da pareidolia é pessoal, ou seja, mesmo que alguém esteja enxergando um rosto humano numa determinada forma geométrica outra pessoa talvez não veja a mesma imagem. Provavelmente, isso ocorre por reletir as crenças de cada um, razão pela qual, geralmente, pes-soas religiosas alegam ver o rosto de Jesus Cristo em certos lugares, enquanto os ateus não conseguiriam identiicá-lo com facilidade.A geometria da ilusão na arteDesde a idade antiga, a simetria é um fator determinante dos cânones da beleza e compreende, além do traçado antropométrico, a ideia de que uma ima-gem esteticamente bela deve apresentar proporções harmônicas. Na concepção clássica, observa-se que a relação entre o todo e as partes pode ser expressa em números inteiros (THOMAS, 2006).O Homem Vitruviano, desenhado por Leonardo da Vinci num dos seus diários, representa uma igura masculina desnuda separadamente e simultaneamente em duas posições sobrepostas com os braços inscritos num círculo e num quadrado. Esse cânone das proporções, elaborado por Da Vinci, foi fundamentado nos trabalhos do arquiteto romano Marcus Vitruvius Pollio, intitulados De Architectura. Em seu terceiro livro, ele descreve as harmonias do ser humano, apresentando um modelo ideal segundo um raciocínio matemático, que deine regras básicas para a construção da coniguração geométrica (Vitruvian Man - The Proportions of the Human Figure).AMona Lisa tem a proporção áurea nas relações entre o tronco e a cabeça, bem como nos elementos da face. Seusolhos estão situados em subdivisões áureas da tela. Dividindo-se a altura do seu crânio pela medida da sua mandí-bula, obtém-se um resultado de 1,618.... se construirmos um retângulo em torno do seu rosto, veremos que está na proporção áurea. Poderemos subdividir este retângulo usando a linha dos olhos para traçar uma reta horizontal e teremos novamente a razão 170CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESáurea. Poderemos continuar a explorar esta proporção em várias outras partes do corpo. (LAURO, 2005, p. 44)No caso especíico dos rostos, segundo Wildberger (2005), o homem proporcional possui um rosto dividido horizontalmente em três partes con-gruentes: uma delas vai desde o início do cabelo até as sobrancelhas, outra desde as sobrancelhas até o acúleo do nariz, e a terceira se estende do acúleo do nariz até o queixo.Outro preceito a ser destacado diz respeito ao formato ovalado da face humana, mais largo na parte superior da cabeça e mais estreito na parte do queixo. Se dividirmos verticalmente esta igura oval, cuja largura total deve medir dois terços de seu comprimento, podemos construí-la utilizando a si-metria, embora saibamos que na realidade as metades não são perfeitamente iguais em nenhuma isionomia humana. Para os efeitos deste estudo de pro-porções, porém, assumiremos essa simetria. A regra clássica também deine que os olhos estão colocados na linha que divide o rosto ao meio horizontalmente, considerando-se como limites o topo superior (incluindo o cabelo) e o da base do queixo. Assim sendo, a distância entre os olhos deve corresponder, no plano horizontal, exatamente à largura do diâmetro nasal.As sobrancelhas são posicionadas ligeiramente acima desta linha media-na e as partes inferiores do nariz e do lóbulo das orelhas estão alinhadas. Por im, a parte de baixo do lábio inferior se baliza sobre uma reta situada entre a do nariz e a do queixo. Alguns artistas de renome, como Salvador Dalí, René Magritte, Giuseppe Arcimboldo e Ken Knowlton, entre outros, se apropriaram desta calculada geometria para construir obras ambíguas. Eles se utilizaram das proporções clássicas na construção com objetos gerasdo a percepção de “rostos” ilusórios. Salvador Dalí Os quadros de Salvador Dalí chamam a atenção pela combinação de imagens bizarras com excelente qualidade plástica. Na obra Apparition of Face and Fruit Dish on a Beach (Aparição de Face e Fruteira na Praia), de 1938, Dalí usa uma ilusão visual ambígua para compor a “face” com outras formas dentro da composição, uma técnica que ele usou em muitas das suas obras. Analisando-a geometricamente pela regra clássica de construção, para a “face” criada por Dalí pode-se “ver” claramente a adequação da regra na composição geométrica dos objetos presentes no desenho do “rosto” (Figura 5A e 5B).Nota-se a aplicação da razão áurea na imagem, construindo-se um retân-gulo ao redor da face e obtendo-se o número de ouro” 1,618 como resultado, ao dividir sua altura pela largura. O retângulo áureo é considerado a forma geométrica mais agradável à vista e essa proporção auxilia no reconhecimen-to do rosto humano. 171— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIAlém da “face”, também se percebe a “fruteira” na parte superior, num jogo de ambiguidades onde processamos ora uma imagem, ora outra. Sua técnica “brinca” com a imaginação do observador, agrupan-do iguras e objetos para formar uma nova imagem. Diversas formas ainda ajudam na composição da tela, como as pessoas as iguras humanas situa-das ao lado das rochas, o cenário de uma praia com uma ilha no horizonte e as montanhas, porém tais elementos desempenham um papel secundário na observação da pintura. René Magritte O artista belga René Magritte praticava o surrea-lismorealista, também conhecido como “realismo mágico”6. Sua arte retrata imagens insólitas, dando a ideia de algo real, ao mesmo tempo em que cria paradoxos visuais, sempre à procura do contraste entre o tratamento realista dos objetos e a atmos-fera irreal dos conjuntos. Empregou processosilu-sionistas utilizando-se de símbolos recorrentes, tais como otorsofeminino, o chapéu coco, ocastelo, arochae ajanela, entre outros. Suas telas apresentam metáforascom represen-tações realistas obtidas pela justaposição de objetos comuns, sendo que de um modo impossível de ser encontrado na vida real. São imagens altamente simbólicas construídas como quebra-cabeças que instituem imagens ambíguas. Owe are not only looking at the characteristics of the forms themselves, but we are also search-ing for the relationships among them—the principles which join the different forms together as a set. These relationships are themselves non-material, but they are revealed through the material attributes of the forms. My intent is to give palpable presence to this invisible web of relationships, and I want to do this in a purely visual way, without verbal or mathematical explanations. This is sometimes challenging when sets are large or the forms are complex, so I am in search of the limits of our perceptual ability to recognize these orders. To adapt this apprehension of order to visual perception, I carefully choose colours, positions, sizes, and angular orientations to reveal the underlying 21relationships. The second purpose in creating such form-sets is to engender a recognition of “wholeness”. If the individual forms are recognized as consti-tuting a set, that set may also be recognized as non-redundant and complete—no form is repeated and no form is missing. In this way, I intend each work to be an experience of completeness, of wholeness, at least within the context of formal permutations. In sum, the perceptual engagement with order is my overriding purpose. How many levels of order can we apprehend visually? How many individual forms can we discern as constituting a complete set? Ultimately this is a conceptual process, but it is rooted directly in perception. I am simply trying to ind, and perhaps to extend, the boundaries of our per-ceptual experience of order. You’ve mentioned two primary directions for your work: mathematical form and colour. Are these lines of work parallel / separate during the artistic process or are they mutually contributing?I have pursued form and colour as two distinct branches of studio work, but they can never be fully separated from each other. Rather, it is a difference of priority. In the form-based work, such as the permutational forms described previously, colour usually supports the shape relationships. For example, I often employ colours to distinguish symmetrical shapes from asymmetrical shapes, and to further distinguish shapes with relective symmetry from shapes with rotational symmetry. Used in this way, colour is a signiier pointing to characteristics of form; colour plays a secondary and supportive role to form. In the colour-based work, the roles are reversed. These paintings emphasize colour as perceptual experience rather than as a sign. In particular, I have worked for many years with colour relativity, also known as simultaneous colour contrast, the remark-able property of a colour to change its appearance depending upon the other colours that surround it. Colour relativity is determined not by any single colour but by relationships among groups of colours, and those colour relationships require certain compositional relationships of proximity, proportion, and edge contact. In these colour-based paintings, composition plays a supportive role to the imperatives of colour. I have worked for many years towards deining the compositional requirements of simultaneous colour contrast—in a sense, deining a “geometry of colour”. So, it is clear in my own experience that colour and form are interdependent, but that it is also possible to give priority to one or the other.I work with simultaneous colour contrast because it reminds us that our percep-tual engagement with the world is not simply passive reception but active con-struction by the senses. We do not see colours as static or singular, but rather as mutable and multi-faceted. We see colour in ever-changing ensembles and never in isolation. These colour-based paintings, in parallel with the form-based works, stress the invisible structural connections between the visible elements.22CONVOCARTE N.º 2 — ENTREVISTAYou may notice a common theme in my answers. The overall motive in my studio work is to emphasize dynamic relationships over static things, to em-phasize the verbs of our experience over the nouns. Indeed, I would go so far as to say that I am sceptical about the reality of “things” at all, except as our conceptualizations of stable patterns in an ever-changing world. That we can name an object probably means that we recognize a cluster of events in the world as being temporally stable enough and cohesive enough to be consid-ered in the singular, to be conceptually “packaged” for our understanding and use. I think reality is akin to what Heraclitus told us long ago: all is process, all is evolving, all is in motion. I am not a philosopher, so these may be phil-osophically naïve notions, but these realizations ring true to me as a result of working closely with colour and form in my paintings. In your art practice, is there a process of distancing yourself from the pieces you’ve made?Yes, in the sense that I am seeking to give objective form to my subjective experiences. I don’t think of art as being essentially about communication with a viewer. I certainly want to avoid solipsism, but I also don’t think about adapting my work to an audience. Instead, I think only about what the art re-quires to hold certain ideas in perceptible form, and that means structuring my artworks according to the capacities and limitations of visual perception. Ideally, I want my work to be suficiently detached from me that it could be like something encountered in nature, that it presents us with a suficiently coherent pattern of relationships that invites examination of the orders that underlie its appearances. That might sound a bit grandiose, but my intentions are modest. I simply want to understand something about my experience in the world. I choose to do this by trying to uncover the fundamental orders at work in my experience. But for me, this cannot happen by thought alone; the paintings are necessary to externalize those orders in objective, percep-tible form. Poetry, music, drama, architecture, all of the arts do this—they can make us conscious of the meaning of our experiences by showing them to us in a new form.Can you clearly define where the researcher starts and the creator begins? Do you make the boundaries clear or are they allowed to overlap?I don’t think that I distinguish between the two roles in my own working life. I consider my studio work to be academic research in the sense that it pursues a coherent agenda of investigation and is disseminated in a type of peer-re-viewed outlet (curated/juried exhibitions). My published writings and confer-ence presentations are probably more recognizable as academic research, but they are closely tied to my creative studio work. My work as an artist is shaped 23by my close analyses of other artists’ works, and my writings about those art-ists are motivated by the beneits they lend to my studio work. To be sure, I believe my papers offer readers new insights into other artists’ works, but my writings don’t it into the categories of art history or art criticism. My writings are, instead, a close reading of the structural nature of another artist’s work so that it may inform my own thinking and working. In fact, I can’t imagine how I could understand what lies at the heart of the works of artists like Josef Albers, Juan Gris, or Max Bill if I was not a practicing artist. So again, I would say that the two roles are bound together in my case.Can you elaborate on some of the values that the reciprocity artist-theorist brings forth in your artistic practice as well as in your theoretical research?I make paintings by a process that is natural to me, and that includes a strong element of conscious and rational direction, not only of each painting but also of the overall trajectory of my creative work. That is what I understand theorization to be. I wantestilo de suas pinturas é muito claro e tem um caráter quase ingênuo comparado com as de Figura 5A: Apparition of Face and Fruit Dish on a BeachFigura 5B: Regra clássica de construção da fisionomia humana sobre a telaFonte 5A: https://thesaturnalian.wordpress.com/2014/08/08/salvador-dali-invisible-afghan-1938/ | Fonte 5B: da autora172CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESDalí. Na pintura Le Viol, de 1934, não detectamos o mesmo requinte de ambiguidade, sendo os contornos e traços bem delineados. No retrato, também observamos que as proporções clás-sicas estão ligeiramente alteradas. Existe uma pequena deformação na altura em relação à regra clássica na parte superior, como se a testa e o cabelo estivessem achatados, não obstante mesmo assim é possível identiicar uma “face humana” no corpo da mulher (Figura 6A e 6B). A imagem da simetria ideal, de acordo com o padrão vitruviano, pode ser observada nas me-didas e nas divisões que equilibram a estrutura harmônica permitindo facilmente o seu reconhe-cimento, ainda que ilusório. Outra possibilidade é visualizar um tronco de árvore, gerando, assim, uma terceira hipótese para a ambiguidade criada.Giuseppe ArcimboldoO artista italiano Giuseppe Arcimboldo cons-truía rostos humanos usando cenouras, berinjelas, rabanetes, tomates, cebolas, alhos, uvas, pês-segos, azeitonas, igos, etc… Na representação Figura 6A: Le Viol Figura 6B: Regra clássica de construção da fisionomia humana sobre a telaFonte 6A: https://lsdrawing.wordpress.com/category/uncategorized/page/2/ | Fonte 6B: da autora173— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIcom elementos da paisagem, as ciências ocultas foram uma referência importante para o artista, tendo-se como exemplo uma de suas séries li-gadas à natureza, intitulada as estações do ano: Summer, Fall, Winter e Spring, de 1753. Nestas, o pintor maneirista, da corte de Rudolfo II, fez referência ao gênero doretrato de pessoas, preservando a opulência do cortesão. Pode-se considerar que, nos rostos de peril, ele seguiu as regras de proporção clássica, ao criar seus personagens a partir de imagens da fauna e da lora, elementos, no século XVII, que estariam presentes apenas em pinturas no gênero dana-tureza morta (Figura 7A e 7B). Figura 7A: Summer, Fall, Winter and Spring – 1753Figura 7B: Regra clássica de construção da fisionomia humana sobre a telaFigura 7C: The Cook - O cozido ou o cozinheiro? Fonte 7A: http://webarcimboldo.no.sapo.pt/recurso_adicional.html | Fonte 7B: da autora | Fonte 7C: http://www.mdig.com.br/?itemid=1683174CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESOutro ponto da regra clássica que auxilia no reconhecimento da face ilusória é que os elementos estrategicamente posicionados seguem os padrões geométricos. Assim, todos os elementos que compõem os olhos, nariz, boca e orelha estão dispostos na metade inferior da face. Além disso, o comprimento da orelha é um terço do comprimento da face e a distân-cia da parte inferior do queixo ao nariz mede um terço do comprimento da cabeça. Arcimboldo também trabalhou com as ilusões Upside Down, utilizando uma diversidade de alternativas de interpretação a partir das composições “estranhas”, como na obraThe Cook (Figura 7C).Um dado diferencial entre sua obra e as de Dalí e Magritte é que suas representações do rosto humano eram maioritariamente de peril e com formas mais “concretas” e menos ambíguas. É óbvio que detectamos os legumes e frutas, porém neste caso a coniguração das faces é geometri-camente delineada e ajustada para o preenchimento total do rosto, sendo quase um quebra-cabeça no qual os elementos se encaixam.Ken KnowltonSeguindo a ideia de encaixe podemos citar Ken Knowlton, um artista retratista e pioneiro em computação gráica, que trabalha com processos que modelam matematicamente diversas imagens, formando fotomosai-cos. Ao longo de sua carreira, seu trabalho articula simultaneamente a re-presentação gráica com a computação gráfica, numa junção entre arte e tecnologia. Em 1966, junto a Leon Harmon7, desenvolveu uma tecnologia de ve-riicação eletrônica explorada na série de “Estudos em Percepção”. Com este mecanismo, criaram um grupo de impressões de grandes proporções a partir de coleções de pequenos símbolos e imagens. Sua obra “Obama”, de 2009, montada em fotomosaico com alfabetos digitais icou famosa no mundo inteiro. A construção eletrônica segue rigorosamente as proporções clássicas, permitindo a percepção inal da face do presidente dos Estados Unidos (Figura 8A e 8B).Assim como nos trabalhos de Arcimboldo, vislumbramos o encaixe das formas seguindo a composição clássica, só que, neste caso, os criado-res valeram-se de letras. As seguintes proporções podem ser facilmente observadas na “construção” da imagem: a distância da linha do cabelo às sobrancelhas é um terço do comprimento da face e as orelhas começam na mesma altura que as sobrancelhas e terminam na altura do nariz. Considerações finaisSabe-se que o cérebro é um sistema neurofuncional altamente com-plexo com uma estrutura psicológica, que requer no seu funcionamento a cooperação de diferentes regiões como atenção, memória, percepção, 175— MADALENA RIBEIRO GRIMALDIlinguagem, praxia e intelecto, para o seu fun-cionamento. Quanto mais se aprende sobre seu processamento, mais se constata que a percepção da realidade é, de fato, uma “cons-trução” mental. Nãose trata, portanto, de uma impressão passiva e, sim, de uma combinação de elementos sensoriais com uma organização ativa do pensamento, de modo a formar uma experiência e um entendimento coerente. Den-tre os diferentes tipos de percepções visuais, o reconhecimento de faces é um dos aparelhos mais avançados nos humanos, começando a ser desenvolvido no momento em que se nasce. Apesar de, geometricamente, a isionomia humana ser composta por seções de uma es-trutura básica de construção, como nariz, olhos, boca, entre outros traços, esse mecanismo não é um processo especíico de identiicação por partes e, sim, um domínio geral relacionado a certo estímulo que permite a discriminação de pessoas entre milhares de outras faces. Para executar essa tarefa com um simples es-tímulo visual, várias decisões e julgamento devem ser processados ao mesmo tempo. Tal função envolve muitas partes do cérebro por meio de regiões interconexas que acionam as informa-ções em série e em paralelo, onde cada uma é responsável por discriminar uma característica Figura 8A: Obama, Digital alphabet photomosaic Figura 8B: Regra clássica de construção sobre a telaFonte 8A: http://www.asci.org/artikel1172.html Fonte 8B: da autora176CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESque permitirá identiicar pessoas, expressões e sentimentos. Esses campos mentais trabalham em conjunto, em diferentes níveis hierárquicos, existindo um processamento distribuído e sobreposto, por meio do qual várias regiões contribuem no reconhecimento, com áreas especializadas, que respondem com maior efetividade na discriminação das isionomias humanas. Hoje, apesar dos avanços no entendimento do sistema mental, estudos sobre os campos do cérebro humano envolvidas nessa percepção de face mostram que ainda existem muitas controvérsias quanto à forma como essas impressões são processadas. Por isso, as visualizações de iguras ambíguas auxiliam no fornecimento de algumas hipóteses, sendo úteis para “des-construir” o processo de percepção, e, assim, fornecer uma “janela” para apreender como funciona a mente e os processos correlatos, relacionados à atenção visual e à capacidadeto understand the structural nature of form, colour, perception, and metaphoric meaning, and how they work together to evoke a deepened awareness of our experience in the world. This emphasis on the conscious and rational apprehension of structure is probably not the way of most artists, but it is the only way that makes sense to me. I am not a Roman-tic. I think that many people, including many artists, believe art that includes mathematics, geometry, and rational theorizing is formulaic and predictable, and that it somehow diminishes mystery and intuition. I disagree, and I can say unequivocally that working with mathematics and geometry is the most inductive, open-ended creative work I have done, and I consider the complex orders that emerge from simple play with colours and shapes to be full of mystery. I don’t believe there is anything to fear in bringing creative process-es into the light of conscious thought. That internal realm of intuition and the subconscious seems inexhaustible. There will always be latent implications, associations, even structural patterns at work just beneath the surface of con-sciousness, waiting to break through and redirect the creative work. In my experience, theorizing helps that to occur. Do you have a pre-defined theory that sets up your work or does the theory come after the practice?The answer is actually both: theory comes before and after practice. For me, theory is that which occurs between studio works, as both relections on prior work and projections for new work. I always begin with experimentation in shape and colour, and in these experiments I am seeking relationships that form a coherent whole, with an integrity in the activities among the shapes and colours that engenders an awareness of completeness. This process is not 24CONVOCARTE N.º 2 — ENTREVISTAabout imposing order upon the colours and shapes; instead, it is the colours and shapes that reveal their own inherent order. It often feels to me more like discovery than creation. When a painting is inished, it is both closed and open: the painting is closed in that it serves as a conclusion to the experiments that led up to it, and the painting is open in that it suggests new possibilities for future paintings—it is the beginning of a new set of experimentations pointing toward a new painting. This is what I mean by theory being situated between artworks. Theory becomes a kind of engine that propels the work forward. My theorization can take the form of an informal but conscious studio process, such as I have described, or it can be more rigorously developed in the for-mal language of an academic paper or presentation. The important matter is that my theorizing changes and grows in response to the developments of my studio work—it is an adaptive process, not a dogma. Perhaps there are as many ways to theorize as there are artists, but this is how theorization func-tions in my own work.25J a m e s M a iProfessor of Art in Painting at Illinois State University, who regularly exhibits and presents academic papers at venues throughout the United States, as well as in Europe and Asia. As a painter he researches geometrical and mathematical composition, as well as color systems and simultaneous contrast effects.The later paintings and prints of Josef Albers, known collectively as the Homage to the Square series, are the culmination of the artist’s investigations of the power of color to create illusions of depth in abstract painting. The compositional framework of the Homage series is comprised of only four nested squares of diminishing size, yet this simple arrangement yields a multitude of possible interpretations of space. The author makes a systematic examination of this compositional framework and introduces a system for classifying (1) composition types, (2) plane and frame combinations, (3) near-to-far layering orders, and (4) opaque and translucent orders. The range of combinatorial possibilities is reduced by perceptual “limiting rules,” yielding a total of 171 distinct illusory spaces and showing the considerable compositional potential in this simple arrangement of four nested squares.Keywords: Josef Albers, abstraction, abstract painting, colour theory, colour illusion, colour depth, modern art, permutations, combinatorics.Introduction Josef Albers (1888-1976) is known as one of the 20th century’s most important colorists, an artist who put color at the forefront of his exploration of spatial illusion in painting. Color, even when playing the principal role in a painting, nevertheless depends upon composition to reveal its power and poten-tial. Albers understood this, and throughout his life he was both deliberate and inventive in developing compositional organizations that would permit colors to display their complex effects. Albers was strongly committed to a creative economy of means, belie-ving that the artist should achieve maximum effect with minimum means: “Do less in order to do more” ([2] pp. 19, 42). He espoused this principle in his teaching, and he practiced it as an artist. Perhaps the best evidence for the latter is the Homage to the Square series of paintings that Albers pursued from 1950 until his death 26 years later. The “maximum effect” of colors in the Homage to the Square series was made possible by a compositional framework of four nested squares (Figure 1), from which either three or four squares are included in any given composition (Figure 2). This seemingly simple framework is care-fully designed to yield a vast array of illusory spaces. In this paper, we shall (1) examine the features and variables of the compositional framework, (2) survey the full range of layered spaces made possible by Spatial Layering in Josef Albers’ Homage to the Square Paintings26CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕEScombinations of the variables in the compositional framework, and (3) show how the constraints of illusion and perception reduce the greater number of variations to a smaller set of distinct spatial orderings.For eficiency, it will be useful to establish standard words and phrases for some recurring references. While Albers worked in lithography, serigraphy, gouache, and oil paint, we shall use the word paintings when referring to Albers’ art works, whether prints or paintings. The Homage to the Square paintings, whether individual art works or the entire series, will be referred to by Homage or Homages. We shall employ the word ambiguity to describe the multiple and shifting spatial readings of the Homages—illusory spaces that won’t settle into a single state, where planes of color seem to shift back and forth among the spatial layers. In short, ambiguity refers to Albers’ goal to create maximal effect with minimal means. This paper also introduces a nomenclature for distinguishing and classifying the spatial features of the Homage series. We shall refer to the base structure of four nested squares as the compositional fra-mework, from which three or four squares are employed in any given Homage composition (Figures 1 and 2). The analyses that follow will include references to four variable characteristics of the squares in the Homage compositions, and we shall employ the following terms and abbreviations to distinguish these variables: (1) Type I, II, III, and IV will refer to the four arrangements of squares used by Albers in his Homage paintings; additionally, we will refer to the squares within the composition types with a number, from the smallest, 1 to the largest, 4 (Figure 2). (2) Squares may be understood as either planes or frames (these terms derive from the vocabulary of the visual arts; more precise mathematicalterms are topological disks for the former and annuli for the latter), and since either or both may be present in a given Homage, we shall categorize compositions as plane-only, frame-only, or plane-and-frame. A plane will be identiied by its speciic numbered square (e.g., plane-1) and, since a frame is made of two squares, we shall indicate frames with the two square-numbers joined by a hyphen (e.g., frame 2-4) (3) The squares will be interpreted as occupying one of four layers in depth, and we shall use a place--value system for conveying this layer-order of the numbered squares, where the leftmost position is nearest in illusory space and the rightmost position is farthest (e.g., 1,2,4,3 means that plane-1 is nearest and plane-3 is farthest in the layer-order). (4) Planes and frames may be interpreted as either opaque or translucent (abbreviated o and t), and this opaque/translucent-order, or o/t-order, will use the same place-value system as the layer-order; thus, t,o,o,o means that the nearest plane is translucent and the farthest is opaque. Here is a random example that joins these four variables using our abbreviations and terms: Type I / plane-only / 1,2,4,3 / t,o,o,o. And, here is an example with a frame: Type II / plane-and-frame / 2,1-4 / t,o. Taken together, these descriptors constitute a classiicatory system that gives order to the hundreds of possible spatial interpretations of the Homages.27The Homage to the Square Compositional FrameworkThe Homage to the Square series was the culmination of what was a near-ly lifelong effort by Albers to bring color into an equal or dominant position with form in creating illusory spaces in abstract painting. As an indication of Albers’ priorities and purposes in developing the Homage compositional framework, we need only look at the compositional differences between the Homages and the paintings that preceded them, the Variants. The most im-portant difference, and a clue to Albers’ concerns in the Homages, is that the Variants show planes intersecting at various points along their edges ([1], pp. 104-5, 115-18). These intersections are of two kinds: T-intersections, which convey opaque overlapping, where the nearer plane obscures the farther plane; and X-intersections, which convey translucent overlapping, where the nearer plane partially reveals the farther plane. It seems likely that Albers omitted these edge-intersections from the Homages because they limit the lexibility of perception to shift the planes nearer and farther in the illusory space—the aforementioned ambiguity. The graphic intersections limit spatial ambiguity in three ways: (1) T-intersections conine the planes to their respective locations—there is no opportunity to perceptually shift the nearer opaque plane to the farther location or the farther plane to the nearer location; (2) T-intersections are interpreted as opaque overlaps only and cannot convey translucency; (3) Xintersections are interpreted as translucent overlaps only and cannot con-vey opacity. When Albers eliminated the graphic intersections by nesting the squares, he opened the way for each square to be interpreted by the viewer as both opaque and translucent, and as both nearer and farther. Albers determined the sizes and positions of the squares of his Homage compositions by an underlying grid (see [1] pp. 137-9 for Albers’ 10 × 10 grid). In descending order of scale, the largest square is 10 × 10 grid-units, the next is 8 × 8 units, the next 6 × 6 units, and the smallest square is 4 × 4 units (Figure 1). The four squares are horizontally centered on a common vertical axis, yielding one grid-unit between each square at left and right. The four squares are verti-cally eccentric, each smaller square lower than the next larger square by half a grid-unit. Albers describes these vertical displacements: “The downward shift gives additional weight, but also enhanced movement. This semi-concentric coniguration avoids complete four-sided symmetry which would result in static ixation” ([1] p. 137). This arrangement of four squares, seemingly limited in its capacity for compositional variety, is in fact supremely lexible for creating a wide array of layered illusory spaces—fulilling the aforementioned ambigu-ity of spatial readings. Albers eventually established four compositional ma-trices for his Homage paintings, one with all four squares, and three versions with three of the four original squares ([1], p. 139). Figure 2 identiies these compositions as Types I, II, III, and IV, and it identiies the squares within the compositional framework, from smallest to largest, with numbers 1, 2, 3, and 4. Figure 3 illustrates one of the many Type I Homage paintings. — JAMES MAI28CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESGiven the four types of Homage composition, how many spatial readings are possible, and how might we bring order to the multiplicity of inter-pretations? Aside from the complex and subtle inluence of colors (an important topic in its own right but beyond the scope of this paper), the spatial readings depend upon the interactions of three sets of variables implicit in the compo-sitional framework: (1) Each square may be seen as lying on a different layer in illusory space, thus an Homage painting can display up to four layers of depth. (2) Each square may (especially when aided by color) be interpreted as opaque or translucent—an opaque square obscures shapes that lie behind it, and a translucent square re-veals shapes that lie behind it. (3) Each square may be seen as the edge of either a plane or a frame—a plane is a continuous square surface; a frame is a square plane with a central square hole, thus a frame requires two squares from the 4square compositional framework. Each square in any given painting displays all three variables, so we shall begin with combinations of the above three variables to discover the maximum number of spatial interpretations possible for each of the four compositional types. We will proceed in our investigation with the assumption that each square in any of the composition types can serve only a single purpose at a time and cannot func-tion simultaneously as the edges of two planes, or two frames, or both a frame and a plane. This dual function is not out of the question for some spatial interpretations, but it will often make im-probable spatial interpretations (such as a plane and frame “intarsia” on the same layer sharing the same edges) whose implications exceed the length of this paper. For our investigation, then, we will assume that for each spatial interpretation, each square will be assigned a single role as a plane or part of a frame. At this juncture, then, consider some possi-bilities for spatial interpretation in Homage to the Square: Ascending (Figure 3). One might initially Figure 1: Compositional framework for Albers’ “Homage to the Square.”Figure 2: Four composition types from the ‘Homage’ compositional framework.29see a stack of planes where yellow is nearest, white is beneath yellow, gray is beneath white, and inally the large blue square is in the farthest position. Using our classiication system, this would be des-ignated as Type I / plane-only / 1,2,3,4 / o,o,o,o (Figure 4a.). Yet, if we allow the colors to suggest alternatives, we can imagine that there is a translu-cent blue frame two units wide on the sides, which partially overlaps a more distant white plane (the area of overlap is gray), and in the space between these two loats a yellow plane; this is classiied as Type I / plane-and-frame / 24,1,3 / t,o,o (Figure 4b). Look again at the yellow square and imag-ine it loats closer to us, in the nearest position in space; the new description is Type I / plane-and-frame/ 1,2-4,3 / o,t,o (Figure 4c). And yet anoth-er might be a 1-3 translucent frame overlaying a yellow plane-2 (white area of overlap), overlaying a blue plane-4: Type I / plane-and-frame / 1-3,2,4 / t,o,o (Figure 4d). These varied interpretations, and more besides, constitute perhaps the most important purpose of the Homage paintings. The viewer activates the painting’s potential spaces by imagining its spatial scenarios; the painting is not a demonstration but an evocation of space. Albers describes such perceptual dynamics: “[W]e see the colors as being in front or behind one another, over or under one another, as covering one or more colors entirely or in part. They give the illusion of being transparent or translucent and tend to move up or down…. Thus the intentional interaction of colors keeps on yielding renewed or different three-dimensional effects” ([1] p. 138).Plane-Only VariationsWe shall begin our examination of the pla-ne-only variations by considering all spatial pos-sibilities irst, and later we will prune away those versions that are compositionally impossible and perceptually improbable (and we will do the same for the plane-and-frame and the frame-only varia-tions to follow). Considering the plane-only ver-sion of the Type I composition, we shall assume Figure 3: Josef Albers, “Homage to the Square: Ascending,” oil on panel, 1953, 110.5 × 110.5 cm., Whitney Museum of American ArtFigure 4: Alternative interpretations of laye-red spaces in Figure 3.— JAMES MAI30CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESthat each of the four planes occupies one of four distinct layers in the illusory depth. The permutations of layer-order for four planes is 4! = 24. Additionally, each plane in the 4-square composition is mapped to either opacity or trans-lucency, yielding 16 possible o/t-orders (see Figure 8 for an example of the 16 o/t-orders for one of the 24 layer-orders). The total possible arrangements of four planes on four layers, where any of the four planes could be translucent or opaque, in any order, is 384 (24 × 16). Composition Types II, III, and IV are structurally the same as one another when we consider layered arrangemen-ts of opaque and translucent planes, so the following numbers apply to each of the three composition types. The total number of possible arrangements of three planes on three layers is six; each plane is mapped to either opacity or translucency, yielding eight possible o/t-orders. The total possible arran-gements for Types II, III, and IV is 48 (6 × 8) for each type. These and the pre-viously mentioned Type I totals must be considered as preliminary, “raw” totals because they are not as yet constrained by the requirements of spatial illusion and perception; these numbers will be signiicantly reduced as we proceed. For now, the grand total for the plane-only versions (i.e., not including frames) of Composition Types I, II, III, and IV is 528 (see Figure 7, “plane-only” row).Plane-and-Frame and Frame-Only VariationsFrames are produced by two squares from the compositional framework; the larger square deines the outer boundary and the smaller square dei-nes the inner boundary (the opening). A frame, like a plane, may be opaque or translucent. A frame may also vary in the width of its border; that is, the outer and inner boundaries may be constituted of any combination of two squares from the compositional framework. Type I compositions can include 6 possible kinds of frames (in order of increasingly wide borders): 1-2, 2-3, 34, 1-3, 2-4, and 1-4; Type II compositions can include 1-2, 2-4, or 1-4; Type III can include 1-3, 3-4 or 1-4; and Type IV can include 23, 3-4, or 2-4 (see Figures 5 and 6; dark lines indicate frames). Given one frame and two planes in Type I compositions, there are three layers possible in illusory depth, and the frame may reside on any one of those three layers. The number of possible layer-order arrangements of each frame in Type I compositions is six. Since there are six frames possible in Type I compositions (Figure 5), there are in total 36 layer-order versions of Type I plane-and-frame compositions. Given three layers of planes and frames in these Type I compositions, there are eight mappings to opacity and translucency (see Figure 9 for an example of the eight o/t-orders for one of the 36 layer-orders), yielding a total of 288 (36 × 8) opaque-translucent permutations of the Type I plane-and-frame Homage compositions. Types II, III, and IV are limited to one plane and one frame, and therefore have two layers of depth. With three kinds of frame and two layer positions possib-le for the frames and planes (Figure 6), there are six arrangements of one 31frame and one plane in two layers for each of the Type II, III, and IV compositions. Given one plane and one frame, there are four mappings to opacity and translucency, yielding a total of 24 (6 × 4) opaque/translucent variations for Type II, III, and IV plane-and-frame compositions. The grand total of plane-and-frame variations of Type I, II, III, and IV compositions is 360 (see Figure 7, “plane-and-frame” row). As with the plane-on-ly compositions discussed above, this total will be signiicantly reduced when we consider the limitations and requirements of perception and illusory depth.A inal set of variations is possible in Type I compositions only, where the four squares can be considered as two frames (no planes). In these frame-only compositions, we can have the following three combinations of frames (parti-tions of four squares into two sets of size 2): 1-2 & 3-4, 1-3 & 2-4, and 1-4 & 2-3, and each pair has two possible layer-orders. Each of these has 4 possible mappings to opacity and translucency, yielding a total of 24 (6 × 4). The numbers of possible versions for all composition types are shown in Figure 7. Figure 5 (left): All possible frames (dark lines) in Type I compositions.Figure 6 (right): All possible frames (dark lines) in Type II, III, and IV compositions.— JAMES MAI32CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESRAW TOTALS Type I Type II Type III Type IV TotalsPlane-only 384 48 48 48 528Plane-and-Frame 288 24 24 24 360Frame-only 24 0 0 0 24Totals 696 72 72 72 912Figure 7: Raw totals resulting from layer-orders multiplied by opaque/translucent-orders.Figure 8: Type I, plane-only composition, 3,1,2,4. Left: near-to-far shown as thick-to-thin lines. Right: 16 permutations of opaque (o) and translucent (t) layering, with designations of allowed (+) and disallowed (-) at far right.First Reductions: Opacity ProhibitionsIn generating the above raw numbers, we did not consider that some of the conigurations create spatial contradictions. We must disallow a signiicant number of conigurations on the basis of what we will call the opaque-larger-nearer prohi-bition rule. Any larger and nearer opaque plane or frame obscures any smaller planes or frames behind it, and thus reduces the number of squa-res visible in the composition. This results in two problems regarding the composition types: (1) when a single square is obscured in a Type I com-position, it must be re-categorized as a Type II, III, or IV composition; (2) when two or more squares from a Type I composition are obscured, or when a single square from a Type II, III, or IV composi-tion is obscured, the result would yield only two squares and thus not be a valid composition type. We need not be concerned about nearer trans-lucent planes or frames here, since translucency reveals the square boundaries behind them. And we need not be concerned about whether the farther planes or frames are opaque ortranslu-cent, since it is the nearer that obscures the far-ther and not vice-versa. For example, Figure 8 shows the problem in a Type I composition with near-to-far order of planes as 3,1,2,4 (see Figure 2 for plane-number labels). In Figure 8 the dia-gram at left shows the near-to-far order as thick to thin lines. The table at right in Figure 8 shows the near-to-far layer-order from left to right, and the columns beneath each plane-number shows opacity (o) and translucency (t), while the right-most column shows allowed (+) and disallowed 33(-) designations. The 8 disallowed versions here result entirely from an opaque plane-3, which obscures both planes 1 and 2; this results in eight disallowed compositions where only two squares (planes 4 and 3) are visible. Each of the 24 Type I, plane-only, layer-order variations is affected by this rule, although the number of disallowed ver-sions varies for each. The same conditions hold true for Type II, III, and IV plane-only compositions. Frames are subject to the same opaque-larg-er-nearer prohibition rule (although it must be remembered that a plane smaller than the frame opening is not obscured). Figure 9 shows the problem in a Type I plane-and-frame composition. The frame is formed by squares 2 and 4, while squares 1 and 3 are planes. Frame 2-4 is nearest, followed by plane-3 in the middle-ground, and plane-1 farthest in space. The frame overlaps the square boundary of plane-3. While it might seem that we can see plane-1 through the frame-open-ing, plane-1 is obscured in those versions where plane-3 is opaque. So we must consider multiple levels of the opaque-larger-nearer prohibition rule: we must disallow all versions where frame 24 is opaque (because it obscures plane-3); and we must disallow all versions where plane-3 is opaque (because it obscures plane-1), even those versions with a translucent frame-2-4. The multi-leveled application of this rule is relevant to all composition-types, all layer-versions, and all opaque-translucent-variations. When these reductions are applied, the revised totals (Figure 10) are considerably smaller than the raw totals (Figure 7). REDUCED TOTALS-1 Type I Type II Type III Type IV TotalsPlane-only 120 24 24 24 192Plane-and-Frame 144 18 18 18 198Frame-only 18 0 0 0 18Totals 282 42 42 42 408Figure 9: Type I plane-and-frame composition, 2 4 (frame),1,3 (planes). Left: near-to-far shown as thick-to-thin lines. Right: 8 rows of opaque (o) and translucent (t) layering, with designations of allowed (+) and disallowed (-) at far right.Figure 10: Revised totals after application of the “opaque-larger-nearer prohibition rule.”— JAMES MAI34CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESFurther Reductions: Translucency ProblemsThe above reductions are necessitated by the logic of opaque occlusions, but there are further reductions to consider from the standpoint of percep-tual principles, and we shall apply these in the interests of paring the totals down to a minimal set of perceptually plausible spaces. There are two prob-lems concerning the plausible recognition of translucency. The irst is what we will call the global-translucency problem. Variations that include a trans-lucent plane-4 in the nearest layer of space are unlikely to be recognized as such. Since plane-4 is the largest square (i.e., the entire compositional ield), its translucency modiies all other planes and frames in the composition—a global color translucency. Global translucency is comparable to chromatic color constancy, whereby human vision discounts color changes in illumina-tion ([3] p. 133). In short, the perceptual effect of global translucency is akin to no translucency at all. This is a generalization, of course, for there may be special color relationships that can overcome this perceptual tendency. How-ever, on the basis of this global-translucency problem we will disallow those variations with a translucent plane-4 in the nearest layer. The second prob-lem will be called the farthest-defaults-to-opaque problem. Since the illusion of translucency depends upon recognition that the nearer color modiies the farther by overlap, it is very unlikely that any farthest plane or frame will be recognized as translucent (since there is nothing farther to be modiied); it will instead default to the most generic interpretation, opacity ([3] p. 299). On the basis of this farthest-defaults-to-opaque problem we will disallow vari-ations with a translucent plane or frame in the farthest position. For example, while the o/t-order variations in Figure 8 would not be affected by the glob-al-translucency problem, the farthest-defaults-to-opaque problem would fur-ther reduce the allowed variations (+) from 8 to 4; in Figure 9, the two allowed variations would be reduced to one. Although the variations eliminated by these two problems are logically possible, they are nevertheless perceptually improbable. The revised totals, after the above reductions, appear in Figure 11; we may consider these as the minimal set of distinct possibilities of the layer-order, opaque/translucent-order, and plane/frame combinations for all four composition types. REDUCED TOTALS-2 Type I Type II Type III Type IV TotalsPlane-only 48 9 9 9 75Plane-and-Frame 63 8 8 8 87Frame-only 9 0 0 0 9Totals 120 17 17 17 171Figure 11: Revised totals after application of the “global-translucency problem” and the “farthest-defaults-to-opaque problem.”35ConclusionThe purpose of this paper has been coni-ned to showing how we may understand both the combinatorial expanse and the perceptual constraints implicit in the Homage compositional framework. But it should be acknowledged that much could not be included in this short analysis, especially the nuances in the perception of color and depth, and these would greatly re-expand the possibilities far beyond the inal, reduced totals just discussed. For example, there are very inte-resting color effects that can loat planes relatively nearer and farther even within a given layer of space; and there are color effects that can create different degrees of translucency, from very thin ilms to denser, semi-opaque screens. Probably more important, there are igurative associations and poetic allusions that can arise, and these lend layers of meaning to the above-mentioned spatial variations. In addition to these aesthetic conside-rations, there are also more complex variations of Figure 12 — JAMES MAI36CONVOCARTE N.º 2 | ARTE E GEOMETRIA: TEORIAS, APLICAÇÕES E DERIVAÇÕESReferences[1] W. Gomringer, Josef Albers: His Work as Contribution to Visual Articulation in the Twentieth Century. New York: George Wittenborn Inc., 1968.[2] N. F. Weber, Josef Albers: A Retrospective. New York: Solomon R. Guggenheim Foundation, 1988.[3] S. Palmer, Vision Science: Photons to Phenomenology. Cambridge: The MIT Press, 1999.layering, such as the possibilities for planes and frames to share edges and/or to coexist on the same layer, and there might emerge exceptions to our assumed transparency reductions. Although the aforementioned characteris-tics exceed the scope of this paper, they suggest the possibilities for further analysis. Nevertheless, the deinition and classiication of spatial possibilities inherent in the Homage compositional framework provide us some insight into how Albers could actualize his maxim of “do less in order to do more” in a large series of paintings. From the establishment of this compositional fra-mework in 1950 until his death in 1976, Albers created over 1000 individual paintings in his Homage series, each a unique combination of colors, and each a
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